segunda-feira, 30 de junho de 2008

La Fête Aixoise!



Aix acolhe um dos mais reputados e distintos festvais de verão.
Eis, em síntese, o essencial do rico programa da 60ª edição do Festival d'Aix-en-Provence:

«Aix offre de nombreuses premières. Le ténor wagnérien Ben Heppner chantera pour la première fois de sa carrière Siegfried, samedi. Dimanche, au Théâtre du Jeu de paume, aura lieu la création mondiale de Passion de Pascal Dusapin, artiste en résidence. Cosi fan tutte, le premier opéra donné il y a soixante ans, sera, anniversaire oblige, également au programme dans une mise en scène du cinéaste iranien Abbas Kiarostami. Et les piliers aixois seront au rendez-vous, René Jacobs pour l'oratorio Belshazzar de Haendel et William Christie à la tête des chanteurs et de l'orchestre de l'Académie européenne de musique, qui fête ses dix ans, dans une interprétation de concert de The Fairy Queen de Henry Purcell.»



Escusado será dizer que Siegfried constitui o ponto alto das festividades, une sorte de cerise sur le gateau! Heppner - o meu tenor wagneriano -, a Filarmónica de Berlim e Rattle... eis uma preciosidade!

Se a isto juntarmos uma mise-en-scène de inspiração psicanalítica...

«(...) mais l'histoire d'un héros malgré lui, un peu brut de décoffrage, qui découvre, après avoir reforgé le glaive de son père, tué un dragon, écouté un oiseau de bon augure et réveillé une jeune femme endormie sur un rocher, ses propres origines et à quoi sert une érection.

Siegfried est chanté par un formidable Ben Heppner, aux allures de vieux bébé Gargantua, dont la naïveté phallique fanfaronne cor aux lèvres mais s'affaisse dans l'émouvant abandon du manque maternel.

DIALOGUE DE DUPES

La mise en scène de Stéphane Braunschweig, fondée sur une manière de "psychanalyse de conte de fées" (ce dont n'est pas si éloigné Siegfried), n'est pas de celles qui pèsent ou qui posent. Elle ne pratique pas l'impair non plus. Mais elle est truffée d'images symboliques et d'objets transitionnels (la poupée de chiffon de Siegfried, le gros serpent avec lequel Mime tente de lui apprendre la peur, l'antre rouge et matriciel du dragon). Une mise en scène toujours fine en ce qu'elle développe une savante méticulosité quant au travail sur les corps.»


(Siegfried, de Richard Wagner, Festival d'Aix-en-Provence, 2008)

domingo, 29 de junho de 2008

Cromatismos: Bergman & Verdi

Na psicanálise, o tratamento da cor assenta no simbolismo, que evidentemente pressupõem uma correspondência directa entre conteúdo manifesto (consciente) e conteúdo latente (pré-consciente, inconsciente). De facto, o comum dos mortais compreende que uma virgem se vista de branco, uma viúva de negro e uma puta de vermelho.

Tendencialmente, a mente humana procura identificar a cor com um afecto / emoção: negro – disforia, vermelho – sexualidade e / ou agressividade, branco – pureza.

A prova destas equações é-nos dada – entre outros – pelo soberano olhar de Ingmar Bergman, bem como pela extraordinária mise-en-scène de Luc Bondy.



Tanto em Lágrimas e Suspiros, como no Don Carlos, de forma magistral e plenamente carregada de um simbolismo profundo e ancestral, o escarlate, o negro e o branco cruzam-se, ilustrando a trama, sua evolução e desenlace.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

domingo, 22 de junho de 2008

Sonata de Outono ossia o ódio no feminino / materno

Travei conhecimento com a inigualável obra de Bergman tardiamente, via Face a Face. Anos depois, regressei ao mestre através de Saraband. Maravilhei-me com Morangos Silvestres e perturbei-me com A Máscara.


(Cartaz publicitário de Sonata de Outono)

Hoje à tarde, em minha casa, fez-se história. Assisti a Sonata de Outono, seguramente uma das mais fabulosas criações cinematográficas de sempre.

Bergman é único no tratamento das relações intersubjectivas, sobretudo pela ousadia: sem pudor nem clemência, Ingmar Bergman dá primazia ao ódio, à conflitualidade e crueza, sempre na linha da brutalidade humana.


Antes de mais, Sonata de Outono é um eloquente tratado de psicopatologia. Artisticamente, Bergman fala-nos da falha narcísica, abandonismo, ódio e inveja, no âmbito das relações filiais / parentais.


Charlotte (Ingrid Bergman) é uma destacada pianista, profundamente self-centered, cujos investimentos libidinais se apoiam, quase em exclusivo, nas suas performances e interpretações musicais. Criança mal amada, cedo carregou o fardo da ferida do desamor, compensando-a por via de uma dedicação invulgar a uma arte. O seu narcisismo doente, profundamente carecido, foi-se nutrindo dos aplausos e admiração dos espectadores, que foram tomando o lugar em falta: o do amor (materno) primário.

A dada altura da vida, Charlotte vê-se impedida de uma dedicação absoluta à música, em virtude de persistentes lombalgias, cuja intensidade a priva dos indispensáveis ensaios. Charlotte claudica, a crítica hostiliza-a e a pianista, humilhada, abandona temporariamente a carreira, dedicando-se à família, obviamente contrafeita.

Até então, as relações mantidas com as filhas – Eva (Liv Ullmann) e Helena (Lena Nyman) – haviam-se pautado pela inconsistência e superficialidade. Sem modelos parentais de qualidade, Charlotte tornou-se numa mãe abandónica, quase sempre ausente. Quando inicia a sua entrega à família, o abandonismo cede em favor da instalação da destrutividade.

Eva, a filha mais velha, então adolescente, torna-se na principal vítima do narcisismo destrutivo materno. Por via da identificação projectiva, a mãe deposita maciçamente em Eva as suas partes defeituosas, que não tolera em si própria: a filha é, aos olhos da mãe, um patinho-feio, de pés desmesurados, dentes tortos e encavalitados, lábios mal desenhados, sem sobrancelhas, etc.


(A jovem Charlotte com a filha Eva, a seus pés)

Cedo Eva aceita esta identidade defeituosa, tornando-se numa mulher triste, profundamente infeliz e desinvestida, incapaz de amar genitalmente.

Quanto à outra filha, precocemente vitimada por uma doença degenerativa, que a incapacita e deforma, Charlotte opta por uma via mais radical e perturbada: a da forclusão. Helena, uma vez mais, em razão da horrenda doença de que padece, reabre a ferida narcísica da mãe que, em resposta à insuportabilidade do sofrimento – o decorrente de ter gerado uma criatura defeituosa -, a exclui da consciência.

O filme começa com um reencontro das três mulheres, antevendo-se um ajuste de contas.

Eva é em tudo antagónica à mãe. Opaca, desinvestida, sem brilho nem graça. Na magnífica cena do piano, Bergman mostra-nos o abismo que se criou entre ambas. A mãe brilha, ao piano. A filha, nem tanto. Na impossibilidade de se identificar à mãe, Eva inveja-a, quando aquela executa com graciosidade a peça de Chopin. O ódio e a inveja são o que de mais vivo existe entre as duas mulheres.


(Charlotte - Ingrid Bergman -, à esquerda, e Eva - Liv Ullmann, à direita)

Eva expõe, então, o ódio reprimido, dirigindo-o contra o objecto desamante, num movimento de luta desesperada pela saúde. Pouco tem a perder, Eva. A mãe privara-a do amor primária e da possibilidade de gerar e amar um filho – incitara-a a interromper uma gravidez adolescente. Ironicamente, a mãe natureza roubou-lhe o único filho que conseguiu gerar e amar. Se existe horror na terra, o horror sem nome, é esse mesmo, o da perda de quem gerámos e amamos sem limites.


(Liv Ulman, na pele e Eva)

O materno odioso e destrutivo constitui o eixo central da problemática de Eva.

Quanto a Helena, restaram-lhe os cuidados maternos possíveis, que a irmã lhe dedicou, após a perda do filho. A própria mãe, quando a reencontra na casa de Eva, é incapaz de a compreender. É Eva que interpreta os estranhos sons de Helena. A mãe sempre fora surda à sua dor, quanto mais agora...

Perto do epílogo, quando a mais absoluta brutalidade reina, Helena, desesperada, procura reunir-se à irmã e mãe. Arrasta-se e grita de dor. Evidentemente, a mãe não a escuta.

Eva, num movimento saudavelmente reparador, nos minutos finais da película, redige uma missiva à mãe, procurando mostrar-lhe que o ódio camufla amor.

Dancer in the Dark ossia A Loucura

Lars Von Trier não é um cineasta por quem nutra grande admiração. A sua pretensa ruptura com o discurso fílmico mais convencional (seja lá isso o que for!), do meu ponto de vista, decorre de uma excessiva familiaridade com a perturbação mental, e não tanto de opções estéticas alternativas.

Contactei com a obra de Von Trier em três ocasiões: Os Idiotas (1998), Ondas de Paixão (1996) e Dançando no Escuro (2000).

Do primeiro filme a que assisti, pouco ou nada recordo, além do desagrado que me causou; do segundo, retive uma repulsa indisfarçável, motivada por uma apologia do universo perverso que, não raras vezes, transformou Funny Games e o próprio Salò (de Pasolini) em filmes para crianças!


Em Dancer in the Dark, uma vez mais na senda do insano, Lars Von Trier propõe-nos um irrecusável mergulho no universo da psicose (loucura, na vulgata).

Selma apresenta uma evolução psicótica inequívoca, sendo a alienação o seu destino.
Desde logo, Von Trier estabelece inúmeros paralelos, que constituem verdadeiras representações do vivido insano (a que clinicamente se chama experiência psicótica): o paralelo cegueira – retraimento relacional / autismo é notável, como brilhante é o paralelismo condenação à morte – desertificação psíquica (na psicose, o risco maior é a evolução deficitária, que dita a morte do pensamento).

O universo em que a personagem principal se move, com duas ou três excepções, rege-se pela ansiedade de perseguição: exploradores, crápulas, perversos, todos se unem contra a frágil criatura, aparentemente indefesa.

Em meu entender, o que de mais extraordinário existe neste filme prende-se com a subtil imposição da lógica psicótica: a realidade de Selma invade diplomaticamente a demais realidade, a ponto de nos colocar no seu interior; i.e., rapidamente nos identificamos à frágil mulher, reconhecendo nos outros dimensões eminentemente persecutórias, que de modo franco se sobrepõem a outras, de tonalidade emocional mais conforme à realidade das relações humanas, onde a ambivalência (coexistência do bom e mau) reina.



(Björk, extraordinária, em Dancer in the Dark)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Fresquinhas, fresquinhas!

Acabadas de chegar às minhas mãos!

O meu 39ª Don Giovanni (o complemento visual deste)



E Les Troyens, d'après Gardiner, que fizeram furor em Paris, em 2003.


Leite com Chocolate...

&

...da mais requintada qualidade: Vigor & Cadbury!

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Recomendações líricas…

…pela interpretação:

Uma Fassbaender impregnada de ironia e malícia, bordejando o sórdido.
Weill sublinhou o lado negro da natureza humana e B. Fassbaender leu-lhe os pensamentos, entregando-se a uma interpretação corrosiva de Os Sete Pecados Capitais.


(HMA 1951420)


…pela técnica:

Norman na sua plenitude técnica, em redor das trinta e oito primaveras: majestosa nas vocalizações, imperial na respiração, imponente no folgo e principesca no volume.

Pessoalmente, sempre achei que As Quatro Últimas Canções, de R. Strauss, só poderiam ser ousadas após os quarenta, quando a vida começa a ter um horizonte.
J. Norman dá-nos uma leitura deste ciclo pouco afim com a depressividade (Studer) ou melancolia (Schwarzkopf , nos anos 1960), algo neutra, arriscaria… Mas, em termos de disciplina e elegância, poucas serão as rivais!


(PHILIPS 289 464 742-2)

sábado, 14 de junho de 2008

André Gonçalves Pereira: sob o Triunfo, a Falha

Na Única, do Expresso de hoje, 14 de Junho, André Gonçalves Pereira (AGP) revela-se, tanto quanto pretende.

AGP tem um percurso admirável, particularmente no direito e advocacia, onde fez escola, continuando a ser modelar.

Da entrevista, de forma particularmente destacada, retive a tónica colocada pelo próprio no sucesso, orgulho, linhagem e autarcia, a par do controlo. Sem surpresa, Gonçalves Pereira revela o horror à dependência e subordinação, declarando ter sempre sido patrão de si próprio.

Aqui e ali, a sua megalomania toute-puissante bordeja a caricatura, nomeadamente quando, sem pudor algum, lamenta ter abandonado a formação musical que, segundo o próprio, o teria tornado num Toscanini ou Von Karajan. Sem mais comentários.

A dada altura, o jornalista perspicaz, quiçá fatigado de um relato obstinadamente centrado no sucesso e grandiosidade, confronta AGP com a falha: e a descendência, Senhor Professor? Que é dela? Não há, responde evasivamente. O luto pela impossibilidade (sublinho a impossibilidade, intuitivamente) de gerar vida parece ter sido feito, seguramente com dor.


Com a enorme admiração que um tal percurso me merece, posto que estou habituado a olhar para os esconderijos da mente, por dever de ofício, desde as primeiras linhas da entrevista procurava a falha que AGP se esforça por ocultar. É que a utilização preferencial deste tipo específico de defesas – narcísicas, no caso – visa camuflar a ansiedade de castração.

António Coimbra de Matos, psicanalista que muito prezo, define este tipo de personalidades com base na máxima: “Só usa galões quem não tem colhões”.
Mise à part o vernáculo - não duvidando um só segundo da circunstância de Gonçalves Pereira os ter, literalmente - questiono-me sobre o modo como AGP lida com as suas falhas: prosaicamente, arrisco considerar que a possibilidade de ter procriado teria feito do Professor Gonçalves Pereira alguém mais reconciliado com a sua condição humana - errante e errática -, nem sempre tão afim com a grandiosidade e sucesso.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

René Pape & DG



Pape é indubitavelmente o melhor baixo do mundo de hoje. Versátil como poucos – Mozart, Wagner, Gounod, Mussorgsky, etc. -, este superlativo intérprete goza ainda de um talento cénico impressionante.

Em Agosto, expectante, lá estarei, com uma nota na mão e a outra estendida, aguardando por este registo, que há anos me anima a mente!

Em 2004, no Met, assisti ao triunfal Leporello de René Pape, que me levou aos píncaros! Anos antes, algures no final do século, na Bastilha, depois de presenciar a interpretação de Furlanetto da mesma personagem mozartiana julguei-a inultrapassável... Enganei-me!


(Pape como Filipe II, Don Carlo, de Verdi)

O Rio e a Contra-corrente

Contrariamente à compreensão psicanalítica – encontrar no pretérito a génese do presente -, em The River, Renoir propõe um olhar obstinado e firme, absolutamente centrado no futuro: o curso magnânimo do Rio dita a direcção do olhar, imperativamente posto no horizonte.

O certo é que – nunca é demais sublinhar – o olhar pretérito psicanalítico serve para explicar o sofrimento actual, por forma a proporcionar um futuro alternativo, substancialmente diferente, operando uma revolução sobre a história do sujeito: ao invés da tirana repetição, o homem livre que a psicanálise cria experimenta a ruptura, a diferença, que antes mais não era que uma diáfana ousadia.

Em qualquer caso, O Rio Sagrado é um filme magistral.



(cenas de The River, de Jean Renoir)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Don Carlo, Royal Opera House – Covent Garden

O Don Carlo ora em cena em Londres, no ROH, tem dado muito que falar, sobretudo pelo elenco, muito brilhante:

«Playing opposite Marina Poplavskaya as Elisabetta – regal in voice and bearing – Rolando Villazon's febrile Don Carlo is the utterly believable protagonist. Spinning out his lines with soaring grace in the cloudlessly happy opening scenes, he seems to shrink and freeze as fate's hammer-blow falls and his Oedipal plight is revealed: he then switches convulsively from crazy elation to pleading, head-banging despair.

But the other side of Carlo is the crusader for freedom, shoulder to shoulder with his blood-brother Rodrigo, the revolutionary Marquis of Posa, sung here with vibrant passion by Simon Keenlyside. Their rousing hymn to liberty reverberates through the evening.

But the drama's centre of gravity is Ferruccio Furlanetto's King Philip, a commanding presence conveying as much by his stillness as by his gloriously resonant voice. Presented here as a bookish prince of darkness surrounded by the coffins of his ancestors, he is one of Verdi's most convincingly complex characters, more than half in love with death, but also locked in a hopeless battle with his deceased father, the Emperor Charles V. As Furlanetto sings it, underscored by its lovely cello solo, the tortured but exquisite soliloquy in which he faces up to his political and sexual impotence becomes the majestic performance we have all been hoping for.

But what gives this work its dialectical power is how Verdi balances and contrasts voices. Rodrigo's baritone becomes the ideological foil to Philip's deep bass, while the death-dealing Grand Inquisitor (the excellent Eric Halfvarson) and the monk who welcomes Carlo into heaven are basses of highly contrasting stripes. Meanwhile Elisabetta's radiant soprano is offset by mezzo Princess Eboli, sung by Sonia Ganassi with all the fury of a woman scorned.»

Bom, bom, nestas coisas, a subjectividade é rainha! É ver como, de acordo com um outro olhar, o Carlo de Rolando Villazón roça a mediocridade:

« The casting of Rolando Villazón in the title role attracted much of the advance publicity, but the glitzy tenor is the only disappointment. Some of his singing is outstanding but there's never a hint of emotional engagement and with an acting style that begins and ends at his eyebrows, mixing in a few semaphore-like flailing arms for good measure, Villazón reduces the character of Carlo to little more than a stroppy, lovesick adolescent, hardly hinting that there is also a political dimension to his personal tragedy. The object of his obsession, Marina Poplavskaya's Elisabetta, is sometimes beautifully sung too, but she projects such a permafrost-like froideur that the attraction between Carlo and his stepmother is hard to believe.

Paradoxically, that vacuum at the romantic heart of the work makes the dramatic balance far more interesting. The unresolved struggle between church and state in Philip II's Spain, which is embodied in the king's crucial confrontations, first with Rodrigo, the Marquis of Posa, and then with the Grand Inquisitor, is the engine that drives Hytner's intelligent, unshowy production. It helps immeasurably too that those three roles, like Sonia Ganassi's unusually sympathetic Eboli, are so superbly sung. Ferruccio Furlanetto's profoundly troubled Philip dominates. Simon Keenlyside's dauntlessly hyper-energetic Posa raises the dramatic temperature onstage whenever he appears, and Eric Halfvarson's black-toned Inquisitor is the perfect incarnation of evil masquerading as divine truth. »

Como sempre, cada cabeça, sua sentença!

Não sei se prefiro a versão italiana à francesa, desta mesma ópera. O que sei – indubitavelmente - é que, há uns bons dez anos, em Paris, no Châtelet, Luc Bondy assinou uma produção absolutamente histórica de Don Carlos. Pappano dirigiu, então, uma troupe transcendente: Mattila, Alagna, Hampson, Van Dam e Meier.

Ainda hoje, para mim, não há melhor Don Carlos que o da dupla Bondy – Pappano!


(NVC ARTS 0630-16318-2)

sábado, 7 de junho de 2008

Senso, ossia fálico vs castrado

Senso contem, à semelhança de grande parte da obra de Visconti, um inquestionavelmente rico substrato politico, histórico e sociológico.



Desde logo, esta obra fascina-me pela heterodoxia. Luchino Visconti, que até à data se submetera rigidamente aos ditames da escola neo-realista (vide Obsessão, Belíssima e A Terra Treme), justamente em Senso, impõe a sua singular marca, definida por uma estética grandiosa, opulenta e de uma ornamentação imensa, coexistindo com a decadência, dimensão particularmente explorada na fase final da obra do cineasta (Morte em Veneza, Luís da Baviera, Violência e Paixão). Contudo, a veia neo-realista encontra-se bem presente no filme, mormente na crueza do desenlace amoroso, que marca o epílogo do mesmo.


(Luchino Visconti)

Pessoalmente, dada a minha condição de psi, em Senso, detive-me nos aspectos estritamente ligados ao poder e conflitualidade associada.

Ab initio, Visconti estabelece duas equações, que se perpetuam ao longo da obra: fálico-victorioso – representada pela condessa Serpieri, bem como pela Itália -, e castrado-vencido – que o tenente Mahler e a Áustria simbolizam.

A condessa surge plenamente identificada a uma Itália cujo triunfo sobre a Áustria ocupante se avizinha a passos rápidos. Impregnada de um espírito libertário, a "emancipada" condessa nutre o emergente Risorgimento, por via do primo protégé, Ussoni de sua graça. Serpieri ama a seu bel-prazer, exibindo omnipotentemente o amante, numa clara afronta às convenções da época.


(Farley Granger, o tenente Mahler, e Alida Valli, a Condessa Serpieri)

Por seu lado, o tenente Mahler expressa uma beleza sustentada na castração, psicanaliticamente falando: cobarde e oportunista, o jovem Mahler socorre-se do amor da condessa para, paradoxalmente, assumir a sua extrema impotência, que se explana de forma aparatosa no suborno e subsequente resultado - o tenente, auxiliado pela amante, compra junto de um médico corrupto a sua condição de inapto para o serviço militar.

Privado da sua masculinidade – a inaptidão para o combate -, doravante, Mahler entra numa espiral decadente, cuja evolução é ditada pela ansiedade de castração.

Por fim, a doce e apaixonada Condessa, que o amara loucamente, depois de o castrar, qual louva-a-deus, num gesto derradeiro de poder absoluto, determina a execução do farrapo austríaco, outrora belo e luminoso...

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Senso



Infine è arrivato!

Ao cabo de anos e anos de espera, depois de uma aturada e incessante procura, eis que Senso entra, enfim, para a minha dvdteca!

Sono molto contento!

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Da (nova) Alma Portuguesa



Há alguns anos, pelo Natal, ofereci esta mini-antologia de Rodrigo Leão ao meu melhor amigo, que é bem mais eclético - musicalmente falando - do que eu (não será muito difícil, dir-me-ão...).
Havia-a escutado, um pouco à vol d’oiseau. Muito me agradara a dita antologia.

Rodrigo Leão oferece uma sonoridade absolutamente lusa, plena de nostalgia, recusando vigorosamente os habituais clichés, maioritariamente sucedâneos de uma depressividade de pendor masoquista, ora mais entediante e sonífera, embora com elevação – Madredeus -, ora mais crossover pindérico, de cariz popular(ucho) – Mariza e afins.

Leão é de uma suavidade aveludada, de um requinte impressionante e de uma criatividade aristocrática.

Este magnífico registo aproxima-me dos meus...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Da interpretação psicanalítica

Caros leitores,

Nunca, mas nunca, um post gerou tão prolixa reacção! O postal consagrado à MINHA INTERPRETAÇÃO dos desejos (latentes) em Tosca redundou em 23 comentários (nem mais nem menos), maioritariamente contestando a leitura que proponho...

Aprendi com os meus mestres uma grande lição: a verdadeira interpretação psicanalítica - a que produz transformação - é a que gera contestação e reacções calorosas de oposição... Quando a coisa é consensual, ou desencadeia a concordância do sujeito, algo escapou ao analista...


Nota: uma vez mais, sublinho que a minha interpretação dos ditos desejos não se baseia em factos / conteúdo manifesto (o libreto), mas antes no que há de latente no texto, ossia não no que se encontra, objectivamente escrito, mas no que se intui!

SERÁ POSSÍVEL QUE SE ADVOGUE UMA LEITURA ÚNICA, ESTRITAMENTE FACTUAL, DE UM QUALQUER TEXTO???

Por exemplo, não será o móbil da intriga nutrida por Iago o seu amor por Otelo? O que dizer dos azares de Butterfly? E... qual será a essência do ódio skin por negros e gays? Será a luta pelos oprimidos e indefesos o verdadeiro motor de uma certa esquerda, reivindicativa e moralista? Por que desmaia a ingénua Amina, de A Sonâmbula , ossia excita-a Elvino ou...?
And so on!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Anatoli Kotscherga

O grande baixo - que há anos seguia, sem nunca ver actuar - foi o mais proeminente intérprete da récita de Eugen Onegin (sábado, dia 31 de Maio).


(Anatoli Kotscherga, baixo)

Kotscherga segue a tradição russa, que em matéria de baixos (particularmente) fez escola: voz pujante, penetrante e grande, de uma gravidade extrema, quase cavernosa. Compôs um Gremine inolvidável!

Consta que o Boris que interpretou há anos, sob a direcção de Abbado, se encontra entre os melhores. Como o desconheço, não me pronuncio...

Para os interessados, eis a face do dito Boris Godunov: