segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Plenitude

(Jonas Kaufmann)

(DECCA 478 2258)

Nos tempos mais recentes, algumas figuras cimeiras da lírica têm revelado interesse pelo repertório verista, ressuscitando trechos – e obras, quiçá – há décadas votados ao esquecimento. De cor, recordo Fleming, cuja abordagem deste mesmo território lírico revelou um interesse relativo.

Depois de propor a Kaufmann incursões pelo mainstream lírico, pelo lied recatado e pelo repertório alemão lírico – dramático, a DECCA lança o grande tenor no realismo lírico italiano, ossia no Verismo. Em boa verdade, a porção mais sumarenta e grandiosa do Verismo – o pucciniano, justamente - havia sido abordada no primeiro registo comercial, a solo, de Jonas Kaufmann, bem como no integral de Madama Butterfly que gravara com Gheorghiu.


Kaufmann é um cantor exímio que aborda com o mesmo à-vontade o repertório lírico, spinto e dramático. A sua voz baritonal, musculada, de timbre bronzeado, é espantosamente ágil, possuindo uma envergadura e volume assombrosos. Saltita, pois, entre Tito (A Clemência de Tito), Tamino (A Flauta Mágica), Werther, Pinkerton (Madamma Butterfly), Florestan (Fidelio), Don Jose (Carmen), Cavaradossi (Tosca)... Depois, há Wagner, por ora o mais "ligeiro", de Lohengrin. É com Wagner que ficará na história, quando legar o Tristan do século e perpetuar o Parsifal pós-Vickers, dentro de dez anitos, mais coisa, menos coisa (arrisco eu).


O móbil deste registo encontra-se, precisamente, nos descritos dotes técnicos do tenor alemão. A sua notável labilidade e histrionismo constituem a cereja que encima a guloseima... Heróico e grandioso no Chénier – o único que rivaliza com Corelli e Del Mónaco -, poético no Fausto (Mefistofele, de Boito), dilacerado no Canio (Pagliacci), visceral e paroxístico no Turiddu (Cavalleria Rusticana). As demais figuras interpretadas serão de segunda água, por responsabilidade exclusiva dos compositores. Quanto ao talento, garra e carisma das leituras de Kaufmann, estamos conversados.

Uma peça de antologia lírica, baseada num repertório que oscila entre o banal e o mainstream, dentro do território verista.

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(6/5)

3 comentários:

FanaticoUm disse...

Também me incluo entre os grandes apreciadores de Kaufmann. É, seguramente, um dos melhores da actualidade, tanto em estúdio como ao vivo. O que acho preocupante é o número de actuações que actualmente faz. Ao olhar para o seu calendário vê-se que se propõe cantar quase todo o seu vasto reportório, em todo o lado e, com uma frequência muito elevada. Espero que esta intensidade não lhe traga problemas vocais.

Hugo Santos disse...

Após um período particularmente doloroso, regresso a este espaço imensamente caro, cuja mais recente actividade, porém, não cessei de acompanhar mesmo que sem qualquer tipo de intervenção concreta.

Desapareceu esse "soprano assoluto" de nome Joan Sutherland. Permitam-me, tão somente, manifestar a minha profunda admiração e respeito por tão insigne e influente representante da Lírica. As devidas honras e homenagens foram já bastamente prestadas pelo que me abstenho de incorrer em elogios estéreis na sua parca significação.

Como já anteriormente havia declarado, Kaufmann é um prodígio de controlo técnico ao serviço da expressão dramática, capaz de balancear as dinâmicas com total segurança, permitindo um extremamente produtivo e gratificante jogo de contrastes e "nuances" que o habilitam a muito mais do que ao simples impacto causado pelo seu impressionante timbre baritonal. Se demonstrar sagacidade na gestão de carreira, poder-se-à constituir uma verdadeira referência no séc. XXI operático.

Anónimo disse...

Pois é verdade o Kaufmann canta muito, muitas vezes e reportório muito dispar com grande propiedade estilistica o que é raro.
É novo e saudável, a voz é robusta e governada por técnica considerável apurada por anos de estudo e prática na ópera de Zurique. Não é um tenor que "veio do nada" como o Villazon por isso espero que tenha um futuro radioso. No entanto maior prudencia seria aconselhavel aconselha o passado de inúmeros cantores dotados, cada um tem os seus favoritos, que desbarataram o seu potencial em meia dúzia de anos.