Mostrar mensagens com a etiqueta Smirnova. Nézet-Séguin. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Smirnova. Nézet-Séguin. Mostrar todas as mensagens

domingo, 19 de dezembro de 2010

Don Roberto, infante do Mundo


(Roberto Alagna, como Carlo)

Há uns bons quinze anos, no Châtelet, Luc Bondy assinou uma encenação exemplar e brilhante de Don Carlos, a versão (original) francesa de Don Carlo, ora em cena no Met. O protagonista de então era o jovem e talentoso Roberto Alagna, grande estrela em ascensão, tida como a mais promissora figura da lírica verdiana. Na dita produção, o tenor franco – italiano compunha um Carlos heróico e pueril, de sangue fervilhante e audaz. Conquistou-me, desde a primeira nota.

Década e meia volvida, desta feita interpretando Carlo – o protagonista da versão italiana, em cinco actos -, Alagna reincarna esta mítica figura. Para que dúvidas não pairem no ar, o desempenho deste tenor constituiu a suma glória da récita de 11 de Dezembro.

A encenação de Nicholas Hytner pareceu-me um parente pobre da mencionada proposta de Bondy. A comparação impõe-se, dadas as semelhanças entre os dois trabalhos, nomeadamente no tocante ao peso das tonalidades – cinza, negro e escarlate. No caso de Bondy, o escarlate era sinónimo de libido, sendo – salvo erro – exclusivo dos amantes, Carlos e Isabelle de Valois. A opção foi, além de eficaz, de uma originalidade genial.



Hytner foi particularmente feliz na concepção sombria e lúgubre, que inundo de degradés cinza e preto. Fiel ao trabalho de Verdi – e Schiller, não esqueçamos -, o encenador destacou o essencial: toda a trama gira em torno da tragédia, do inconciliável, do incompatível. Em Don Carlo(s), não há compromisso possível, sendo o conflito resolvido no termo da existência.

Embora a encenação tivesse servido com eficácia a progressão da trama, contámos com um trabalho plástico que se situa, algures, entre o pindérico - Auto-da-fé, com um Cristo horrendo – e o convencional, pró-minimalista (floresta de Fontainebleau).


Alagna, como referi, foi a grande estrela da tarde. O seu Carlo, embora amadurecido e abeirando-se dos cinquenta anos de existência, mantém-se absolutamente estrelar. Há jovialidade a rodos, uma paixão incontida e nobreza na sua interpretação. A voz guarda a luminosidade (quase) original, grande e cheia, perfeitamente lírica e com uma limpidez notável. No seu elemento natural, ajudado pela esbelta figura, declamou com inegável poesia.

Keenlyside revelou um Rodrigo teatralmente deslumbrante – nobre e grandioso, triunfando na cena da morte -, embora curto em volume e algo estranho ao estilo verdiano. Faltou-lhe robustez… Quem brilha em Mozart, raramente impressiona em Verdi!

Furlanetto terá sido a segunda grande figura da récita, em matéria de solistas. Apesar das hesitações, abrilhantou o momento de glória de Filipe, Ella giammai m’amo. Também o Grande Inquisidor, de Halfvarson, impressionou, mais pela aterradora recriação – impregnada de malignidade -, do que pela nobreza dos graves, aqui e ali, bastante aquém do ideal…

No capítulo feminino, deparámos com um nível menos sólido. Anna Smirnova esteve nos antípodas do espírito de Eboli. Apesar de correcta no O Don Fatale, a mezzo revelou-se cavernosa e matrona, no porte e gestos, além de deter uma voz excessivamente cheia e pesada. Eboli é uma princesa, não uma bruxa! Será pérfida, mas não abusemos!!! Sugiro que a senhora se dedique ao estudo do mezzo verdiano, detendo-se particularmente nas expressões de Cossotto.

Marina Poplavskaya, a Senhora Met do momento, compôs uma Elisabeth vocalmente muito interessante. Seguríssima, tecnicamente, inundou a sua personagem de lirismo. Porém, apesar do brilho e limpidez da voz, esta enferma de certa magreza. Elisabeth demanda um soprano fluente em spinto e envergadura, à la Mattila, por exemplo. Poplavskaya detém o spinto, sendo parca no segundo quesito. É pena! Ser uma Desdemona ideal não é sinónimo de impressionar em Elisabeth…

Termino com a segunda grande glória da récita, a exemplar direcção de Nézet-Séguin, que dirigiu a melhor orquestra lírica do mundo, com um brilho e craveira absolutamente impressionantes. Visivelmente, há vida para além das estrelas venezuelanas – e não me refiro ao miserável Chávez…
________
* * * * *
(4/5)