sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tosca: do(s) desejo(s) reprimido(s) e camuflado(s)

Inúmeros leitores têm questionado a tese que adiantei, sustentando o desejo de Tosca por Scarpia. Evidentemente, trata-se de uma interpretação minha, que se socorre da minha condição de psicanalista.

Em meu entender, há uma relação que une as três principais figuras da ópera, indo bem além das aparências! Manifestamente, Tosca e Cavaradossi amam-se; também manifestamente, Scarpia deseja Tosca. Mas ficar-se-á por aqui o desejo, na peça lírica?

Em meu entender, não!


(Lina Cavalieri, Tosca)

A extrema repulsa de Floria Tosca pelo barão Scarpia deixa a pulga atrás da orelha...

Freud definiu a Formação Reactiva como mecanismo primordialmente obsessivo, consistindo na transformação do desejo no seu contrário. Tosca não é, nem por sombras, uma personalidade obsessiva, mas emprega este mesmo mecanismo defensivo diante de um desejo intolerável. Creio que a intensidade da repulsa é proporcional à do desejo.


(Rossi Morelli, Baron Scarpia)

Scarpia, que é um perverso, também não se fica pelo desejo por Tosca...

Creio que a tortura a que submete Cavaradossi mais não é que um equivalente de violação. O Barão distorce o desejo homossexual pelo pintor, possuindo-o por via da tortura, expressão do gozo sado-masoquista, evidentemente perverso.


(Massimo Giordano, Mario Cavaradossi)

Eis, pois, a minha interpretação dos desejos reprimidos, distorcidos e camuflados em Tosca, ossia o desejo de Tosca por Scarpia e deste pelo pintor Cavaradossi!

23 comentários:

Anónimo disse...

concordo com o que diz, agora a minha questão prende-se com o seguinte. nao serão muitas das vezes as nossas observaçoes verdadeiras extrapolaçoes do texto? isto é, por vezes perdemo-nos a tentar explicar determinados comportamentos das personagens, quando na realidade, quem os escreveu estava realmente muito longe deles? ou sequer se preocupou com isso, ou apenas os escreveu para os tornar realmente dramáticos, ao bom estilo romantico e apaixonado tao do agrado dos italianos?

Anónimo disse...

Eu não concordo nem discordo. Passo à frente. A psicanálise é uma ciência e eu só tenho que ouvir as suas teses, dado eu ser um leigo. Por outro lado, as conclusões a que chegou partiu da experimentação com exemplos humanos, pois doutro modo não se afirmaria como ciência para construir a sua teoria.
Ora acontece que a Tosca é um melodrama, escrito, por palavras e notas, por alguém que criou estas personagens. Não esquecer que "personagem" vem do latim "persona" (máscara)e que em grego o actor era o "hipócrita". Daí que tanto no drama escrito como no melodrama, tudo é ficção e a aplicação neles de teses psicanalíticas é um mero exercício que morre no mundo da psicanálise, alheio ao da ópera.
A psicanálise tem sido fértil para relações homossexuais reprimidas. As relações Iago-Otelo, Leporello-Don Giovanni e agora Scarpia-Cavaradossi são exemplo disso. E não só, se passarmos à relação hetero com a célebre paixão de Donna Anna pelo Don. Tudo bem, mas o pior é quando contamina a encenação, nós, os que gostamos da música pela música, temos de gramar os cabedais e demais artefactos comprados numa lojo de Soho.
Um abraço
RAUL

Anónimo disse...

As palavras até podem ser escritas acidentalmente, para rimarem, porque apeteceu, etc ...

o problema é que, uma vez posta num contexto e divulgadas ganham vida própria, ficando sujeitas a todas as interpretações, algumas delas verdadeiros casos patológicos, per si.

quanto à teoria de "quem desdanha quer comprar", sempre a vi num duplo sentido:
- como manobra do comprador, situação mais "normal" e literal;

- como pressão do vendedor sobre o comprador, para forçar uma decisão a seu favor, perceber o que vai na alma do comprador, etc.

ou seja um simples "não estou interessado" do compredor, tansforma-se num arrezoado de argumentos e justificações, que se passam a auto-justicar, ficando o objecto da compra cada vez mais em fundo, ou talvez não.

Anónimo disse...

Não só escritas como faladas e o problema das faladas é que às vezes têm tanta vida própria que acabam caindo nas mãos de manipuladores, faltando à verdade. Quem as proferiu mais tarde, ao saber como interpretaram as suas palavras, fica horrorizado com tanta intriga e manipulação. Escrever ou falar é a mesma coisa, pois é tudo uma questão de fixação material ou não do texto.
RAUL

Anónimo disse...

Não existe casualidade de forma absoluta porque só por si o texto é bastante fléxivel e permite diversas leituras. Aí é que reside o ponto da questão cada um faz a sua leitura e todas estão correctas porque são resultado dum processo de identificação coma obrade arte. Lamento, pode não ser explicito textualmente, mas musicalmente e vocalmente é indesmentivel que a Tosca/Scarpia atinge momentos mais gratificantes do que a dupla Tosca/Cavaradossi.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Alguém se lembra da última Tosca do TNSC?
Com a Tomova-Sintow, o Morris e o debute do Licitra?

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Perdão o debuto do Walter Fracaro.

João Ildefonso.

Anónimo disse...

Qualquer texto escrito é sujeito de interpretação,independentemente do pensamento do autor.E, portanto, sujeito de interpretação psicanalítica. Ou qualquer outra. A verdade, como alguém disse antes, a relação Tosca/Scarpia é bem mais "gratificante" vocal e musicalmente que a Tosca/Cavaradossi. E como negar o intenso envolvimento da primeira? E o ciúme de Tosca? Será mesmo de excluir o seu carácter obcessivo? E porque tira Scarpia tanto prazer da tortura de Cavaredossi? Ars. Nogueira

Anónimo disse...

Qualquer texto escrito é sujeito de interpretação,independentemente do pensamento do autor.E, portanto, sujeito de interpretação psicanalítica. Ou qualquer outra. A verdade, como alguém disse antes, a relação Tosca/Scarpia é bem mais "gratificante" vocal e musicalmente que a Tosca/Cavaradossi. E como negar o intenso envolvimento da primeira? E o ciúme de Tosca? Será mesmo de excluir o seu carácter obcessivo? E porque tira Scarpia tanto prazer da tortura de Cavaredossi?

Anónimo disse...

Qualquer texto escrito é sujeito de interpretação,independentemente do pensamento do autor.E, portanto, sujeito de interpretação psicanalítica. Ou qualquer outra. A verdade, como alguém disse antes, a relação Tosca/Scarpia é bem mais "gratificante" vocal e musicalmente que a Tosca/Cavaradossi. E como negar o intenso envolvimento da primeira? E o ciúme de Tosca? Será mesmo de excluir o seu carácter obcessivo? E porque tira Scarpia tanto prazer da tortura de Cavaredossi?

Anónimo disse...

Sigo interessadamente estes debates. Pergunta : a repetição deste texto escrito é tornar-se ser sujeito de interpretação psicanalítica ou é um mero lapso, lapso-ele próprio tambem sujeito de... ?

Anónimo disse...

Na ópera italiana, particularmente em Verdi, com excepção para o Baile e o Otelo, os grandes duetos não são os "de amor" que envolve a dupla soprano-tenor. Lembre-se, como exemplo, Rigoletto-Gilda, Manrico-Azucena, Violeta-Germont, Leonora-Padre Guardiano, Simon-Amélia e Filipe II- Grande Inquisidor. Por isso é natural que a relação cénico-musical seja muito mais interessante nos duetos Scarpia-Tosca do que nos Tosca-Mario. É de notar, no entanto, que o Dueto de Amor pucciniano é uma obra de beleza melódica excepcional, mais perfeita que a de Verdi. No fim de contas a acção pára nestes duetos para que se escoem os sentimentos. São momentos líricos, literariamente falando.
RAUL

Anónimo disse...

João Ildefonso,
Debuto!!! Que palavra!
RAUL

Anónimo disse...

Aceito! A repetição, por engano, ou não, ou ainda por debute nestas lides, também é sujeita de interpretação...

Ars. Nogueira

Hugo Santos disse...

Se o texto legislativo, que não deveria dar azo a interpretações, consegue ser reinterpretado e questionado, que dizer dos demais textos, sejam eles quais forem.

No caso de uma obra de arte, enquanto as diversas áreas do conhecimento humano oferecerem base sólida para uma qualquer interpretação, parece-me razoável.

Na minha modesta opinião, onde os desejos de Tosca e Scarpia se assemelham é na sua intensidade e passionalidade. E, intensidade por intensidade, o amor e o ódio podem entrelaçar-se, confundindo-se.

Anónimo disse...

Curioso, ninguém paresceu interessado com o que disse sobre o "quem desdanha quer comprar" ....

Gi disse...

João, eu acho, como o Raul, que o que está escrito no libreto é simplesmente que o Scarpia é um tipo horrível e que a Tosca só sente repulsa por ele.

Acho que a história do "quem desdenha quer comprar" não é sempre verdadeira.

Mas também acho, e já o disse no comentário ao post que originou este, que me parece possível fazer uma encenação diferente em que haja de facto alguma atracção sexual da Tosca pelo Scarpia e não somente o contrário.

Continuando pelas interpretações psicanalíticas, podemos postular que Scarpia é uma figura autoritária (o pai) por quem a Tosca pode realmente sentir-se atraída e que até o facto de o matar é a resolução do seu "complexo de Electra".

Nesta perspectiva, a atitude de rebeldia e desafio de Cavaradossi pode ser interpretada à luz do seu próprio "complexo de Édipo", que infelizmente para ele acaba como normalmente acaba, com a vitória do "pai".

Que tal?

Não me parece impossível pôr isto em cena.

Anónimo disse...

Foi erro Raúl. Ao corrigir o primeiro post cometi outro erro. Estou no trabalho e o acesso à net é proibido ou pelo menos mal tolerado!

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

O problema não nenhum erro. Onde foi buscar a palavra? Nós temos "estreia" . Que palavra mais feia :)
RAUL

Paulo disse...

Concordo com a Gi e com o Raul. No libretto não encontro nada que indique essa atracção de Tosca por Scarpia, nem de Scarpia por Mario! A menos que Scarpia seja interpretado por Terfel, como na versão de Amesterdão com a Malfitano.

Anónimo disse...

Sim concordo com Paulo..... na Tosca de Amesterdão ninguém se parece sentir especialmente atraido pela Malfitano. O que demonstra bom senso, ponderação e acima de tudo bom gosto vocal e dramático por parte dos demais interpretes! É grotesca a Malfitano e pareçe directamente saida duma benda desenhada porno Sul-Americana!

J. Ildefonso.

Gi disse...

Ou talvez, Paulo, na versão de 1992 com o Raimondi e a mesma Malfitano (no youtube).

Anónimo disse...

Não sei se há banda desenhada porno Sul-Americana . Mas se houver de certeza que é assim. Cheia de gajas de olhos esbugalhados, boca escancarada a produzir ruidos sordidos.

J. Ildefonso.