sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O horror da Beleza: um olhar psicanalítico



Habitualmente, Ossessione é considerado o marco fundador do neo-realismo italiano.
Pessoalmente, Belissima é O filme neo-realista, por excelência. Nele, a adversidade, brutalidade e crueza do mundo plástico-artístico são retratadas de forma esplendorosa, senão hiperbólica.

No essencial, o filme aborda a exploração de que são alvo adultos e crianças, por parte da industria cinematográfica, que alimenta de forma absolutamente perversa um ideal de fama e glória: pretende sacrificar-se a infância, a troco de reconhecimento artístico e valorização.
Obviamente, a promessa é vã.

Psicanaliticamente, o filme versa sobre a questão da valorização narcísica.

A mãe da criança – Ana Magnani, soberba! -, uma mulher de classe média-baixa, sente-se condenada à mediocridade, malgrado os esforços incessantes para ascender social e economicamente, por via do trabalho. Um dia, decide responder ao apelo da Cinecittà, que procura uma criança-prodigio, para interpretar um papel num filme. A senhora vê na filha o sonho da glória acalentada.

O aspecto mais marcante da trama – além das óbvias leituras político-sociológicas que a escola neo-realista pretende difundir, nomeadamente as que animam o pensamento da linha marxista (e sucessivas derivações) -, do meu ponto de vista, tem que ver com a relação instrumental estabelecida entre mãe e filha.

A pobre criança mais não é do que uma extensão da progenitora, um prolongamento narcísico da mesma: sem vontade nem desejo, a menina apenas existe para servir a mãe, que aspira à glória e reconhecimento, para não mencionar a ascensão social almejada!

Bem ao estilo da relação narcísica, o sujeito asfixia a vontade do objecto, servindo-se dele, apenas e só, com o intuito de retirar proveito próprio. Sob a égide do egoísmo, jamais é concedido espaço ao objecto para se realizar, expressar os seus anseios ou concretizar a sua vontade. “Existes para me servir”, eis a máxima seguida pela personalidade em questão.

Interessante, ainda, é observar quão contrastantes são os discursos que se cruzam na interpretação da película: de um lado, a leitura sociológica e política, que protege mãe e filha, representando-as como vítimas de um capitalismo malfeitor e desumano, e de outro, a psicanálise, que vê no desejo narcísico da mãe o paradigma da opressão.

2 comentários:

Anónimo disse...

O João reparou que a opera cantada é o Elixir do Amor? Quanda a Magnani contrata os serviços do jovem da Cinecita para interceder pela candidatura da filha ouve-se a aria do D. Dulcamara a apregoar a "banha da cobra":-)

J. Ildefonso.

Il Dissoluto Punito disse...

João, Reparei, sim senhor ;-)