(Tristan und Isolde, Virgin Classics 51931599)
Este longo e belo poema tem quatro autores: Meier, Salminen, Chéreau e Barenboim, o poeta supremo.
A presente produção milanesa fez correr tinta e mais tinta, por ocasião da sua estreia – a mítica noite de 7 de Dezembro de 2007, data da abertura da temporada do Teatro alla Scala.
Chéreau concebeu um Tristan und Isolde de uma beleza e eficácia cénicas indesmentíveis. O encenador multiplicou-se em (estéreis?!) entrevistas e declarações, onde explicitou as fontes da sua concepção: da psicanálise freudiana (?) ao misticismo supremo, passando pela obra de Bergman (?), etc., etc.
Pessoalmente, o deslumbramento da proposta cénica de Patrice Chéreau passa, eminentemente, por um enquadramento cénico escorreito, imenso e monocromático – um dégradé cinza -, figurinos simplistas, com pouca variação cromática (preto, cinza e azul-escuro), tudo isto num ambiente marcado pela inexorabilidade de um destino que se antevê trágico, desde o primeiro instante.
Dir-se-ia que toda a proposta de Chéreau segue uma linha absolutamente coerente, fiel à concepção de Wagner, com algumas liberdades – o escarlate de Isolda (a única personagem capaz de assumir um tom estranho à escuridão ditatorial reinante), que contém a marca do erotismo e volúpia (acto I) e da morte (acto III), o gesto suicida de Tristão, que investe voluntariamente contra a lança de Melot, a intemporalidade da trama, por exemplo.
Waltraud Meier cria uma Isolda absoluta, de antologia, marcada pela humilhação e despojamento, que aspira ao amor supremo, entregando-se a ele sem temor algum. O timbre é o de sempre, colorido pelo bronze. Aqui e ali há sinais de fadiga e desgaste vocais, a par de uma invulgar mestria – contorna os obscenos agudos da narrativa com grande habilidade.
Meier é Isolda e esta – se existisse -, também se chamaria Waltraud. Barenboim sabe-o, desde há décadas – nos anos 1980, em Bayreuth, propôs-lhe o papel de Isolda, tendo a intérprete recusado.
O Tristão de Storey, compreensivelmente, enferma de certa banalidade: tratou-se da sua estreia no papel. Se a voz não o trai, a interpretação… De Young segue-lhe o trilho, desenhando uma Brangäne excessivamente dócil e inespecífica. Ladeiam-nos o magistral Rei Marke, de Salminen, de voz e figura soberanas, e o ousado Kurwenal, de Grochowski.
Por fim, uma interminável vénia diante do grande e inquestionável herói da noite, Daniel Barenboim.
O maestro revela um controlo absoluto sobre a sumptuosa orquestra, evidenciando um conhecimento profundíssimo da partitura. A sua leitura, plena de maturidade, é absolutamente poética, de uma fluidez, elegância e consistência líricas assombrosas.
Sem mácula, sem deslize algum, sem excessos…
Desde Kleiber, jamais uma leitura orquestral de Tristan und Isolde ecoou em mim com tamanha intensidade, fascínio e respeito!
Por Barenboim, Meier, Chéreau e Salminen, sem hesitações. Quanto ao resto…
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(4/5)