segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Richard und Nina


(OPUS ARTE 0988 D)

Esta produção, estreada em Glyndebourne, em 2003, marcou a estreia de Tristan und Isolde no festival inglês. E que estreia, senhores! No ano passado, o Festival de Glyndebourne – em tempos, o parente mais pobre dos festivais de música – retomou a produção original, perpetuando-a, neste registo.

A encenação (Nikolaus Lehnhoff) simplista, minimal, é inteligente e eficaz, embora as inúmeras subtilezas contidas, por vezes, careçam de explicações (o que não augura grande coisa, posto que a coisa não fala por si, como é de esperar).

Basicamente, toda a trama gira em torno de uma estrutura única, de forma elíptica - que a meu ver reenvia ao abismo, na sua expressão mais lírica, destino a que o amor e os amantes aspiram ab initio -, sendo que esta dinâmica tem lugar num contexto ditado pela dicotomia escuridão – trevas – morte vs luminosidade – clareza - vida.

A iluminação, subtil e cenicamente convincente, serve o drama como brio e nobreza. Os figurinos, maioritariamente sucedâneos do negro e cinza, primam pelo requinte e singeleza, quase roçando a intemporalidade.

Apreciei a direcção musical de Belohlávec, poética e rigorosa, embora, pessoalmente, admire as leituras mais morosas e catastróficas, que espelham com fidelidade o espírito da peça.

Stemme – a suma glória deste notável registo - interpreta a mais extraordinária Isolda que alguma vez testemunhei: cantora superlativa – de voz volumosa qb, grande, ainda assim elegantíssima, com um controlo e afinação majestosos - , actriz magnética, intérprete lendária, passa da suprema arrogância e insolência, na inigualável narrativa (acto I), ao êxtase lânguido do dueto de amor (acto II), atingindo a dilaceração absoluta, no epilogo, antes de perecer de amor.

Esbelta, de timbre aristocrático e robusto, altaneira no porte, de gestos imperiais, Nina Stemme, graças a esta sublime incarnação, entra para a história da lírica wagneriana, ladeando Flagstad, Mödl, Nilsson e Meier. Com a beleza da primeira, o volume e resistência de Martha Mödl e Birgit Nilsson e o talento cénico de Waltraud Meier, Stemme assume-se como a maior Isolda do presente século. E como cresceu desde
o derradeiro Tristan und Isolde, da EMI! Se duvidas houvesse…

A seu lado, Robert Gambill, tenor-baritonal, compõe um Tristan notável, embora desigual. De vibrato algo selvático, começa titubeante – a ridícula peruca, nada tendo que ver com a prestação, em nada ajuda -, para terminar glorioso, num acto III superlativo (e todos sabemos a que ponto este derradeiro acto é assassino para os incautos…), com uma entrega dramática absoluta, apoiada num folgo atlético.

A Brangäne de Karneus, maternal e servil, em nada destoa do alto nível dos colegas. Actriz convicta e cantora meticulosa, triunfa na advertência aos amantes enlouquecidos pela paixão, no acto II. Skovhus, errático no acto I, brilha no epílogo, entregando a alma ao criador de forma heróica. Uma última palavra de enaltecimento para o Rei Marke de René Pape – papel de que é o mais incontestado titular, na actualidade (sucedendo a Salminen) -, que compõe um monarca impressionantemente melancólico.


Caro e fiel leitor, apenas por Stemme, este artigo justificaria os duros €50 que custa! Dado que conta com outros pontos de atracção…

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