Um grupo de assinantes habitués do Teatro Real (Madrid) organizou uma petição, com vista a pôr cobro às liberdades interpretativas de algumas encenações, nomeadamente – pasme-se! – por atentarem contra a moral católica!
Pela parte que me toca, dado que a arte é sinonimo de liberdade, (sendo esta a essência daquela), creio que esse bando de defensores de discursos monolíticos, amantes de verdades unas e oficiais, devem merecer o nosso profundo desprezo. Tão só.

Josep Pons, com firmeza e inegável astúcia, põe na ordem a corja de almas bafientas:
«(…) "Puesto que lo más importante es la libertad, tenemos que respetar a todo aquél que quiera opinar", explica. "Pero también el arte necesita libertad. No se le pueden poner condiciones a una obra, y es mucho más escandalosa una petición de censura que unas imágenes atrevidas en el escenario. Si un montaje no gusta, el espectador se puede levantar e irse. Y si no gusta la programación, te puedes dar de baja". "Además", añade, "existe una diferencia entre el lenguaje, el teatro y la ópera. En el teatro, peticiones de este tipo por parte de sectores del público no existen", explica.»
Pelos vistos, também além fronteiras existem saudosistas dos tempos do desprezível botas (com minúscula) e do horripilante generalinho!
Por certo, serão bons chefes de família, amantes da naftalina, admiradores da cultura da repressão, etc., etc.
Olho para estes movimentos de reabilitação do bafio e caruncho como modas passageiras, puras expressões de um chic de trazer por casa...
Ça y est!
Em 1971, George Prêtre conduziu uma das primeiras Norma encarnadas por La Caballé.
Nesta interpretação, a intérprete catalã encontra-se ladeada por Cossotto, Merolla e Vinco.
Trata-se de uma gravação captada ao vivo, em Turim, que a DYNAMIC havia já editado.
Esta Norma corresponde ao 20º fascículo da colecção OS CLÁSSICOS DA ÓPERA – 400, que semanalmente referencio e enalteço, neste blog!
Infelizmente, caro, paciente e fiel leitor, desta feita, encontro-me privado de revelar a verdadeira identidade (a ler como A Capa) desta Norma, pois não a ncontro em parte alguma…
O feérico evento tem início hoje, em Londres!
Os puristas, os ortodoxos e os snobs - todos, sem excepção - odeiam os promenaders.
O povo, sábio, regozija!

Eis o veredicto do Le Monde sobre Les Noces aixoises:
«Est-ce d'avoir instauré Wagner et sa Tétralogie en terre mozartienne ? A Aix-en-Provence, décidément, Wolfgang Amadeus n'est plus à la noce, et le chef britannique Daniel Harding, grand fossoyeur mozartien, lui fait bon an mal an, de Cosi fan tutte en Noces de Figaro, de bien tristes funérailles. On ne va pas pleurer sur le temps révolu des Teresa Stich-Randall et Berganza, des Gabriel Bacquier, des Graziella Sciutti, mais a-t-on entendu depuis longtemps à Aix une voix mozartienne digne de ce nom ?»
Tratar-se-á de uma maldição!? Ousar Wagner em território mozartiano – porventura o maior, em terras de França – pagou-se caro!
Da récita – e restante produção – nada digo, pois não estava sur place.
Quanto à crítica… é de uma pedantice típica e previsível: mescla-se sobranceria, desdém, desprezo e altaneirice-de-trazer-por-casa!
Déjà vu, déjà vu...
Aqui entre nós, fiel leitor, arrisco: a signatária da critica deve ser do tempo-da-outra-senhora, certamente profere, amiúda, expressões do estilo “Já não se fazem coisas como antigamente” e, está bem de ver, cheira a naftalina!!
Na última temporada, o Met – já com sangue novo na direcção, com preocupações assumidamente mais afins com a multiplicação do vil metal, do que com critérios artísticos (pois crise oblige) – descobriu o ovo de Colombo: teledifundir récitas para inúmeros cinemas dos Estados Unidos.
E por que não?!
A escolha da primeira récita não podia ser mais infeliz (digo-o impregnado de subjectivismo): Madama Butterfly, difundida em Time Square.
A mais pirosa das óperas projectada no mais deplorável recanto nova-iorquino.
Enfim, a combinação parece perfeita...
Pois bem, eis que o periférico Teatro Real (de Madrid) resolve repetir a proeza, projectando récitas da mesma ópera, un peu par tout... Até a protagonista é a mesma, Gallardo-Dômas de sua graça!
Eis a síntese da notícia (do El Pais): «(...) "Ópera en el Cine" para emitir vía satélite las representaciones en 20 salas españolas que disponen de tecnología digital.»
As boas experiências (?) serão para repetir?
(Caros co-bloggers Raul, João e Filipe: o verão lisboeta chegou, e com ele as quentes polémicas ;-)))
ALARMI!!)
...com o Raul, João Ildefonso e Filipe.
Quinta-feira, está disponível, para os três?

Aguardo novas vossas!
Ass. João
Wagneriano que sou, confesso rever-me, em absoluto, na seguinte categoria:
«CERTAIN class of operagoers, sometimes known as Ringnuts or Wagnolaters, is to classical music what Deadheads or Phish followers are to rock — except that they’re more apt to stay in four-star hotels and sip white wine than to sleep in their vans and pass the bong.
They obsess about Wagner’s “Ring” cycle and will travel anywhere to see a production, but especially to Bayreuth, in Germany, home of the theater Wagner designed for himself. You see them every five or six years in New York, Seattle, Chicago, Berlin. They can quote extensively from the operas — not just “Ho-jo-to-ho!” but whole chunks of actual German — and will debate for hours the virtues of, say, Patrice Chéreau’s 1976 centennial production,(…)»
É verdade, sim senhor. Não posso estar mais de acordo!
Infelizmente, não poderei estar presente no «(…) the Lincoln Center Festival, where the Kirov Opera is landing with a production that has been on the road, on and off, for four years.»

Que pena...
A dada altura deste divertido artigo do The New York Times, um dos Ringnuts ou Wagnolaters declara, não sem uma imensa graça que «(…)“One evening at a ‘Ring’ is like 10 years of psychoanalysis, except it’s cheaper and much more pleasant.”»
Lá mais agradável, será; concedo. Mais barato, com toda a certeza!
O que me inquieta é que vou na segunda tranche de análise – didáctica, a presente, é certo! -, já lá vão 10 anos e… continuo um wagneriano aficionado, Ringnuts ou Wagnolaters, as you wish!

(DG 00440 073 4339)
Neste registo, Karl Böhm (direcção) e Götz Friederich (encenação) reúnem-se em Strauss, a propósito de Salome.
Anos mais tarde, a mesma dupla veio a fazer história, também em Strauss, graças a esta incontornável Elektra.
Não creio que a presente encenação alcance, nem por sombras, a magnitude da de Elektra.
No caso desta Salome, Friedrich segue uma linha mais explícita e evidente, caracterizando a luxúria e decadência por via do hiper-realismo plástico: tudo está como deve ser, nada sendo sugerido, sem alusões, nem metáforas.
Em meu entender, falta ousadia e arrojo a esta concepção cénica.
Do meu ponto de vista, são três os grandes argumentos em favor desta interpretação, que enumero por ordem crescente: o Herodes de Hans Biber, a Herodias de Astrid Varnay e a Salome de Teresa Stratas.
Biber é absolutamente pathético, personificando a decadência de forma esplendorosa: gordo, untuoso, atontalhado e acobardado. Vocalmente notável, este intérprete triunfa pela riqueza cénica.
Varnay encontra em Herodias a génese da sua histórica Klytämnestra – a da já mencionada Elektra.
Menos exposta vocalmente do que na futura Klytämnestra, por razões óbvias (o papel não tem um terço da envergadura vocal do da mãe de Elektra), Varnay compõe, neste registo, uma rainha horrenda, maliciosa e calculista, aqui e ali atormentada pela língua de Jochanaan.
Por fim, Stratas revela-nos a Salome absoluta, porventura definitiva, ultrapassando a imensa Malfitano, cenicamente (vocalmente, nem se fala!).
Teresa Stratas, desde logo, conta com um inquestionável plus, que destroça as demais concorrentes: é uma bela mulher, jovial e elegante, encontrando-se por altura deste registo na flor da idade.
Vocalmente, Stratas revela uma segurança espantosa.
Porém, em minha opinião, é no capítulo da interpretação que Stratas faz história.
A sua Salome revela infinitas subtilezas, tantas quantas as da personagem (re) criada por Wilde: adolescente caprichosa, vulcânica e sedutora, de início, crescentemente perversa e maliciosa, até ao apogeu da insanidade absoluta, que culmina com a sua morte, no final da ópera.
Creio que a evolução do olhar da personagem, que a grande intérprete canadiana aqui compõe, deveria ser alvo de um cuidado estudo teatral e psicológico. É de antologia!
De facto, é por via do olhar que Stratas se exprime, primordialmente.
Os olhos desta Salome fascinam-nos, desde início, pela languidez, cedo cedendo ao peso da lascívia. Contudo, é por ocasião do final da Dança dos Sete Véus que a transformação mais radical se instala: doravante, o olhar que outrora seduzira, verga-se à insanidade, exprimindo uma tenebrosa desrealização e autismo.
O único senão da caracterização desta intérprete radica numa demasiada contenção da libido...
Pessoalmente, preferia vê-la mais solta e expressiva, mais ousada e animalesca...
Deve ser cá um desejo meu...
Quanto aos demais intervenientes – Weikl e Böhm, inclusive -, dir-se-ia que não ultrapassam o convencionalismo.
Aliás, Salome sempre foi o calcanhar-de-Aquiles de Karl Böhm, cujo registo áudio deixa muito a desejar...
----------------------------
Até à próxima infidelidade, caro leitor!
*A tua filha é um monstro.
... que está para breve a saída desta Tosca!

Terfel, Malfitano e Margison, sob a batuta de Chailly?!
Promete, não?
Ver-se-á!
Esta manhã, acordei com uma sms estranha: o Raul comunicou-me o falecimento de Régine CRESPIN. Minutos depois, seguiu-se outra mensagem (da mesma fonte), questionando a veracidade da má nova.
Por momentos, respirei de alivio.
Infelizmente, caro Raul, tinha razão a primeira nova: elle s’est éteinte mercredi soir, à Paris.
Nunca fui grande admirador da Senhora, até ao dia em que escutei a sua Brünnhilde - seguramente a mais lírica de todas -, para não mencionar a elegante e altaneira Sieglinde. Em Wagner, Crespin triunfou, ainda, como Elsa e – sobretudo – Kundry, que Wieland Wagner enalteceu.
Consta que no repertório francês – Berlioz, n'Os Troianos, nomeadamente – era emblemática.
Paralelamente, graças à sua versatilidade, alternava o repertório lírico puro – Marechala – com o spinto – Leonora (O Trovador) e com o dramático italiano – Tosca.
Regresso a Wagner – o meu território preferido para a grande soprano francesa -, para recomendar duas antologias:

(n' A Valquíria de Von Karajan - à esquerda -, Crespin interpreta Brünnhilde, enquanto que na de Solti - à direita -, Régine Crespin veste a pela de Sieglinde)
Há bem pouco tempo, por ocasião do seu 80º aniversário, a EMI editou esta colectânea, que apenas se encontra disponível em território francês (ou aqui, em alternativa):

Termino com os sucintos (por ora, espero!) testemunhos do Le Fígaro e The New York Times deste trágico desaparecimento, não sem antes sublinhar a circunstância de a imprensa francesa se escusar a redigir uma linha de homenagem a Beverly Sills, também ela desaparecida esta semana (como aqui se noticiou)!
Pura sobranceria, ignorância lamentável ou simples desrespeito?
O artigo de homenagem do The New York Times a Régine Crespin, além de uma bofetada de luva branca na imprensa francesa, é revelador da supremacia do jornal americano, que se projecta à escala planetária, contrariamente à semi-europeia presse française, vítima de uma petulância pequenina (e não imagina o leitor o quanto me custa esta verdade, dado que sou assumidamente francófono...).
Au revoir, Chère Dame Régine Crespin...

A crítica internacional, qual Berliner Philharmoniker, afina pelo mesmo diapasão, no tocante à A Valquíria de Aix.
Eis, no essencial, a opinião do The New York Times:
«From the first bars of the overture, the orchestra’s rich string and booming brass instruments filled the hall, creating the tension and stirring the excitement so often associated with “Die Walküre.” And if some of the soloists later struggled a tad to compete with the orchestra, this could reasonably be put down to the teething problems of any new opera house.»

(A Valquíria, Festival d'Aix, récita de 4 de Julho de 2007)
Interessante - verdadeiramente interessante -, é verificar a projecção internacional que a França tem vindo a conquistar, nos últimos tempos, no que diz respeito à gestão artística da lírica!
Recordo, nomeadamente, que o obreiro-mor desta edição do Festival d’Aix foi o Senhor Lissner, o supra-sumo do alla Scala, desde há cerca de duas temporadas.
Lissener, diz adeus a Aix, enquanto Mortier prepara o seu séjour new-yorkais...
Pas mal, ein!?
Et oui, je suis bien francophone et ça me fait plaisir de vérifier à quel point le travail français est reconnu en dehors de l’hexagone, quoi!

Gerard Mortier, ex-Monsieur Opéra National de Paris, deixa a cidade Luz, fixando residência num dos parentes pobres do Lincoln Center, o New York City Opera.
Entre 2009 e 2015, a direcção do NYCO – dirigido durante os anos 1980 pela recentemente desaparecida Beverly Sills - estará a cargo de Mortier.
Conforme noticía o El Pais, Mortier pode ser acusado de tudo, menos de ousado e provocador. De facto, as últimas grandes novidades da lírica europeia têm a sua marca: pela pior das razões – La Traviata -, e pela(s) melhor(s) – O Caso Makropoulos e O Tempo dos Ciganos.
Contra a indiferença, pela ousadia, espera-se um terramoto lírico, pois o NYCO há muito que deixou de ter um espaço próprio, ofuscado em permanência pelo Met.
Bon courage, Monsieur!

Eis uma crítica de A Valquíria (tão sucinta, quanto entusiástica!), que a batuta de Rattle dirigiu, em Aix.

Eis, em síntese, o perfil do soprano Beverly Sills, hoje falecida, vitimada por um cancro nos pulmões.
«Ms. Sills was America’s idea of a prima donna. Her plain-spoken manner and telegenic vitality made her a genuine celebrity and an invaluable advocate for the fine arts. Her life embodied an archetypal American story of humble origins, years of struggle, family tragedy and artistic triumph.»
La Sills nunca foi, pessoalmente, um ícon da lírica. Foi, isso sim, uma grande senhora do canto lírico, pela versatilidade, pela técnica e pela envergadura artística.
Embora seja um lugar-comum, juntamente com Callas, Sutherland e Scotto – estas, verdadeiramente divinas, por razões muito diversas -, Beverly Sills contribuiu em grande medida para a reabilitação do belcanto, particularmente nos Estados Unidos, onde se encontravam os seus maiores aficionados.
Do seu extenso legado artístico e discográfico, destacaria estes dois artigos, sobretudo pela qualidade artística dos mesmos:

(Lucia Di Lammermoor)

(Manon)
Aos fans e incondicionais, recomenda-se este pack, integralmente subordinado à trilogia The Tudor Queens, de Donizetti – Anna Bolena, Maria Stuarda e Roberto Devereux (onde Sills interpreta a rainha Elisabeth).
