Ópera, ópera, ópera, ópera, cinema, música, delírios psicanalíticos, crítica, literatura, revistas de imprensa, Paris, New-York, Florença, sapatos, GIORGIO ARMANI, possidonices...
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
I was told by a bird...
A Plenitude
Nos tempos mais recentes, algumas figuras cimeiras da lírica têm revelado interesse pelo repertório verista, ressuscitando trechos – e obras, quiçá – há décadas votados ao esquecimento. De cor, recordo Fleming, cuja abordagem deste mesmo território lírico revelou um interesse relativo.
Depois de propor a Kaufmann incursões pelo mainstream lírico, pelo lied recatado e pelo repertório alemão lírico – dramático, a DECCA lança o grande tenor no realismo lírico italiano, ossia no Verismo. Em boa verdade, a porção mais sumarenta e grandiosa do Verismo – o pucciniano, justamente - havia sido abordada no primeiro registo comercial, a solo, de Jonas Kaufmann, bem como no integral de Madama Butterfly que gravara com Gheorghiu.
Kaufmann é um cantor exímio que aborda com o mesmo à-vontade o repertório lírico, spinto e dramático. A sua voz baritonal, musculada, de timbre bronzeado, é espantosamente ágil, possuindo uma envergadura e volume assombrosos. Saltita, pois, entre Tito (A Clemência de Tito), Tamino (A Flauta Mágica), Werther, Pinkerton (Madamma Butterfly), Florestan (Fidelio), Don Jose (Carmen), Cavaradossi (Tosca)... Depois, há Wagner, por ora o mais "ligeiro", de Lohengrin. É com Wagner que ficará na história, quando legar o Tristan do século e perpetuar o Parsifal pós-Vickers, dentro de dez anitos, mais coisa, menos coisa (arrisco eu).
O móbil deste registo encontra-se, precisamente, nos descritos dotes técnicos do tenor alemão. A sua notável labilidade e histrionismo constituem a cereja que encima a guloseima... Heróico e grandioso no Chénier – o único que rivaliza com Corelli e Del Mónaco -, poético no Fausto (Mefistofele, de Boito), dilacerado no Canio (Pagliacci), visceral e paroxístico no Turiddu (Cavalleria Rusticana). As demais figuras interpretadas serão de segunda água, por responsabilidade exclusiva dos compositores. Quanto ao talento, garra e carisma das leituras de Kaufmann, estamos conversados.
Uma peça de antologia lírica, baseada num repertório que oscila entre o banal e o mainstream, dentro do território verista.
________
* * * * * *
(6/5)
domingo, 24 de outubro de 2010
Um Eléctrico chamado Desejo - Teatro Nacional D. Maria II
Em Um Eléctrico chamado Desejo, de Tennessee Williams, há um confronto essencial, que se esboça desde a entrada em cena de Blanche Dubois: fantasia vs realidade.
Blanche evolui, em termos de complexidade e dramatismo, até que a perda de contacto com o real se torna esmagadora. De início, somos levados pela sua irresistível sedução e histrionismo. Representa compulsivamente, qual histérica, escravizando a realidade em favor da fantasia. Contudo, é pela via da mitomania que o real se camufla. Blanche sabe-o. O que pretende é revelar uma verdade subjectiva que, embora contraste com a objectividade, radica no seu desejo.
Contudo, progressivamente, o corte com a realidade externa instala-se. Desde o confronto com Mitch que o colapso psicótico ameaça. A senhora Dubois termina dissociada, delirante, alheada da realidade externa.
Já Kowalski representa a supremacia do real, avesso a qualquer verdade fantasiosa. Trata-se de uma criatura rude e pragmática, narcísica, impulsiva e violenta – um registo mais borderline. A sua missão é despir Blanche dos seus adornos fantasiosos, revelando a verdade crua. Recorrendo a factos, reconstrói o passado da senhora Dubois, com o propósito de a destruir.
Blanche e Kowalski são os dois monstros da trama de T. Williams, sumos representantes de dois mundos antagónicos.
Na produção ora em cena no D. Maria II, Diogo Infante revela dominar o conflito que opõe realidade e ficção. Há subtileza e consistência na deterioração da ficção narrativa de Blanche (Alexandra Lencastre), que resvala para o delírio e neo-realidade psíquica, e uma enorme solidez na crueza real, adaptativa, de Kowalski (Albano Jerónimo). Porém, apesar do mérito superlativo de Jerónimo, a sua personagem sofre menos transformações que a da partenaire sendo, por isso, menos desafiante e complexa. Kowalski mantém-se no mesmo registo, do princípio ao fim: um servo da verdade exterior.
Alexandra Lencastre, cujo desafio é colossal, vinga, nunca se transcendendo. Não há génio na sua Blanche, mas há talento, envergadura dramática e coerência. Por diversas ocasiões, bordeja o paroxismo, jamais o expressando em pleno...
Lúcia Moniz e Pedro Laginha – respectivamente Stella e Mitch – não destoam da inequívoca qualidade desta produção.
Longe do génio apregoado, esta produção de Um Eléctrico chamado Desejo merece uma referência particular, pela coerência e subtileza da encenação (a iluminação é, neste capítulo, soberana!) e pela grande qualidade interpretativa dos actores.
_______
* * * * *
(4/5)
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Con che soavità!!!
Kozená aborda o barroco italiano profano, neste magnífico registo.
A voz combina uma graciosidade e lirismo absolutamente singulares. As leituras mesclam uma veia lírica diáfana, um recato encantador e um contenção púdica.
O teatro lírico de Kozená é superlativo, sem arrebatamentos, nem excesso algum. Há um toque pueril e inocente, impossível de resistir...
O agrupamento Private Musicke, sob a direcção de Pierre Pitzl, proporciona um acompanhamento à altura do génio da grande mezzo: abraçam a folia, exaltam o amor inocente, apoiam a dilaceração, invariavelmente num clima avesso a dramatizações e rico em refinamentos.
_______
* * * * *
(5/5)
sábado, 16 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
O triunfo, ossia a pirueta maníaca
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Joan Sutherland (1926 - 2010)
domingo, 10 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
O Anel de Lepage: la première (II)
Contrariamente à presse française – em especial, a que se dedica à música erudita (por demais narcísica e petulante) -, a cobertura do The New York Times refere o percalço da première de O Ouro do Reno (do Met), sem o enfatizar. This things do happen!
At the new Metropolitan Opera production, the divine ones are supposed to traverse a section of a giant set that tilts into a passageway toward the back of the stage.
But let me start with Mr. Levine and the splendid performance he drew from the superb Met orchestra, which played brilliantly, and the excellent cast, as strong a lineup of vocal artists for a Wagner opera as I have heard in years. The formidable bass-baritone Bryn Terfel sang his first Wotan at the Met, a chilling, brutal portrayal; the powerhouse mezzo-soprano Stephanie Blythe was a vocally sumptuous, magisterial yet movingly vulnerable Fricka. And the bass-baritone Eric Owens had a triumphant night as Alberich.
Still, the state of Mr. Levine’s health and music making were major concerns going into this evening. When he took his bow during the curtain calls he looked a little wobbly and needed support. He seems to have lost weight. But there was nothing frail about his conducting.
And the machine worked. Well, almost worked. There was one serious glitch at the end. The “machine” is what the cast and crew have taken to calling the 45-ton gizmo that dominates Mr. Lepage’s complex staging, the work of the set designer Carl Fillion. It consists of a series of 24 planks on a crossbar that rise and sink like seesaws, singly, in tandem or in patterns. To evoke the churning currents of the river where the Rhinemaidens protect the magic gold, the planks, bathed in greenish lights, undulate slowly. As in many traditional productions, the three aquatic sisters (Lisette Oropesa, Jennifer Johnson, Tamara Mumford) first appear dangling from cables. But when planks rise to create a wall of water for the maidens to rest on, there are video images of stones and pebbles on the river floor tumbling downward as the sisters rustle them.
Otto Schenk’s Romantic “Ring” production, which was retired in 2009, had passionate defenders. In talking up the Lepage “Ring,” Peter Gelb, the Met’s general manager, tried to assure everyone that this was not going to be some high-concept, Eurotrash staging. Mr. Lepage uses the latest in staging technology to “tell the story,” Mr. Gelb said repeatedly in interviews.
Actually, in many ways, even with all the high-tech elements, Mr. Lepage’s production is fairly traditional. François St-Aubin’s costumes are like glitzier, quirkier riffs on old-fashioned Wagnerian “Ring” outfits. Mr. Terfel’s Wotan has stringy hair that falls over the god’s blind left eye, and a rustic shirt missing an arm. Yet he sports a bronze breastplate right out of a storybook “Ring.” The giants, Fasolt and Fafner (the booming basses Franz-Josef Selig and Hans-Peter König) are like rugged bushmen, with scraggly hair and beards, and leggings covered with fur. Loge has a Peter Sellars hairdo (an inside joke from one director to another?), a ragtag outfit and hands that emit a fiery glow on command.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Mario Vargas Llosa
terça-feira, 5 de outubro de 2010
O Anel de Lepage: la première (I)
So far, reina a unanimidade em torno do esplendor d’ O Anel, d’après Lepage!
À excepção de Renaud Machart – um digno representante da velha e decadente escola francesa da crítica snob, rasteira e invejosa – a première de O Ouro do Reno não podia ter corrido melhor! À parte um pequeno incidente com a mega estrutura, em torno da qual toda a trama tem lugar – que o possidónio Machart enfatiza, até mais não -, Wagner foi tratado com respeito e admiração, tendo a obra do Mestre estado no centro da glória.
Robert Lepage serviu a dita obra, animando-a, coadjuvado por uma troupe notável e uma direcção orquestral – consta – memorável!
Comme l'énigmatique monolithe du cinéaste Stanley Kubrick, ce gigantesque mur de lattes articulées est d'une présence inquiétante et mystérieuse. Il se mue en architectures diverses (escalier, mur, forêt, rempart, fleuve, etc.) éclairées par des "tatouages" lumineux d'une beauté stupéfiante. Non seulement les projections permettent des variétés infinies de motifs, mais ceux-ci sont décuplés encore par la part de hasard qu'autorise le logiciel mis au point par les équipes de Lepage.
Sur scène, une distribution de haut niveau mais inégale. On peut rêver Fricka plus sensible queStephanie Blythe, un peu rombière, et Wotan plus profond (dramatiquement et musicalement) que Bryn Terfel, dont Lepage semble vouloir faire un voyou débraillé. Le Loge de Richard Croft est sensible mais manque de projection vocale. En Alberich, l'exceptionnel baryton-basse Eric Owens, colosse à la voix énorme et somptueuse, qu'on aurait volontiers entendu en Wotan.
As Alberich’s slaves toil over the anvils, Etienne Boucher’s evocative lighting means you can almost feel the heat emanating from the stage.
As the curtain fell, the audience went wild.
Lepage was perhaps not an obvious choice for a Ring Cycle, a crucial commission for the Met, which has had financial difficulties recently. He specialises in high-tech wizardry of the Cirque du Soleil variety, the kind that makes your jaw drop in sheer admiration of its cleverness.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Os (maiores) Belcantistas
(DECCA 000440 074 3357 7)
Desde o ocaso de Scotto – uma das derradeiras Amina da história da lírica – que as récitas de La Sonnambula rareiam crescentemente. À excepção de Swenson (e Anderson, eventualmente), a mais distinta protagonista da ópera dos idos anos 1990, nenhuma outra intérprete marcou este impressionante papel, doravante.
Tive a felicidade de assistir à fabulosa interpretação de Ruth Ann Swenson, no nosso São Carlos – volta Ferreira de Castro, que estás perdoado! -, antes deste teatro nacional se ter metamorfoseado em palco onde a mais execrável escória berra, gesticula e – pasme-se! – administra!
A década de 1990 correspondeu à afirmação de Natalie Dessay como a mais extraordinária representante da agilità. Iniciou-se no domínio ligeiro, progressivamente tendo avançado para o lirico-spinto. A voz tornou-se mais volumosa, entretanto. À data desta La Sonnambula, Nat Dessay poucas rivais tinha neste território: uma Lucia exímia (já para não mencionar a sua excelsa Lucie), uma Manon de suprema elegância, uma Ofélia magnânime... A prova derradeira da supremacia incontestada de Dessay é a sua Amina, inicialmente perpetuada em áudio – cuja disciplina, pureza da ornamentação certeira e estilo não têm paralelo -, agora disponibilizada em vídeo.
A interpretação de La Dessay, neste registo, é absolutamente assombrosa. A voz aquece com alguma lentidão, mas, por ocasião do acto II, a criatura transcende-se: pianissimi cristalinos, cadenze de sonho, repletas de harmonia, segurança e brilho, e – sublinhe-se – um jogo interpretativo magistral: saltita da dilaceração dramática, por ocasião do desenlace, para o mais fino lirismo, na cena de sonambulismo, terminando, em apoteose absoluta, invadindo-nos com uma joie irresistível, onde mescla o humor com o kitsch e patético.
A Callas pretendia converter-se ao teatro, após o prematuro ocaso vocal, Pela mão de Pasolini, mostrou-nos os seus dotes puramente teatrais. Natalie Dessay será, um dia, uma comédienne hors pair! A avaliar pela sua veia humorística e infindáveis dotes histriónicos (e lábeis)... Quem resiste à magistral lição de teatro vocal com que encerra a récita???
Flórez, à semelhança da partenaire, revela prudência inicial, triunfando em Ah perché non posso odiarti, onde se dissipam todas as dúvidas relativamente à supremacia da sua veia belcantista – esta, sem um concorrente que seja!
Teatralmente menos eficaz que Dessay – sacrifica a interpretação em favor do canto, permanecendo escravo dos tiques habituais (braços sempre cruzados, diante do peito) -, Juan Diego revela, ainda assim, um estilo e linhagem assombrosos. Há vida para além de Tónio, Duque de Mântua, Nemorino, Corradino (Matilde di Shabran), Fenton, Don Ramiro, Conde d’Almaviva (O Barbeiro de Sevilha)...
Como terceira glória, surge-nos o extraordinário Petrussi, baixo buffo, ora convertido ao registo mais lírico, cuja elegância e fraseado nos conquistam, sem reservas. A idade – e consequente perda de vigor físico – constituirão o calcanhar-de-aquiles da sua prestação. Exteriormente, em nada poderia rivalizar com o Elvino fresco, esbelto e juvenil de Flórez... Mas, caro e estimado leitor, atente-se na grandiosidade da prestação do seu Rodolfo em Oh ciel! Che tento...
Evelino Pidò, um profundo conhecedor desta partitura, dirige uma orquestra sumptuosa, fina e rica nas subtilezas, com madeiras e cordas de sonho. O coro é um portento, em afinação e desempenho cénico, contando com inúmeros membros que rondam as seis décadas de vida...
Encerro com a parte menos conseguida desta La Sonnambula, a encenação.
Mary Zimmerman é uma habituée da encenação, tendo recentemente enveredado pela lírica. O seu curriculum conta com algumas pérolas – as derradeiras Lucia e Armida do Met (esta última, que presenciei, de uma beleza pueril infindável, com um jogo de cores e luzes magnífico, porventura uma das glórias maiores da produção).
Para esta produção, Zimmerman opta por subverter o mote que orienta a maioria das encenações, que se confinam à ilustração da aldeola suíça, que o libreto tão bem descreve. Nem Visconti escapou a este ditame, nos idos anos 1950!
A acção tem lugar numa sala de ensaios, onde a troupe prepara uma apresentação de, justamente, La Sonnambula. Os intérpretes encontram-se informalmente trajados, conferindo esta opção consistência à lógica do trabalho da encenadora. Há pontos muito interessantes, nomeadamente no que se refere à dinâmica da protagonista, por duas vezes colocada no exterior do palco - a última das quais, particularmente feliz: na cena de sonambulismo, uma secção do palco, por onde caminha Amina, avança por cima da orquestra, abeirando-se do público.
Contudo, há pontos mal conseguidos. Nem sempre é claro que Lisa acumula a sua prestação com a figura de encenadora... O cenário onde a trama tem lugar conta com pequenas variações, o que torna o enquadramento demasiado permanente e, por essa via, fastidioso... A custo se percebem as transformações do cenário, por ocasião da derradeira cena...
Se o leitor procura a maior parelha belcantista actual do planeta (refiro-me aos três solistas), que ombreia com as da segunda metade do século XX – Callas/Valletti/Modesti e Sutherland/Pavarotti/Ghiaurov -, THIS IS YOUR CHOICE!
___________
* * * * *
(4/5)