segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Freiburger Barockorchester & Cecilia Bartoli: Fundação Calouste Gulbenkian, 11 de Fevereiro, Grande Auditório

Dado que o óbvio se impõe por si, começo pelo óbvio.

Qualificar a carreira e o talento de Cecilia Bartoli é quase redundante: os atributos desta notável intérprete, o mor das vezes, rondam a excelência, a genialidade e a ousadia.

Óbvia, também, é a minha imensa admiração pela grande mezzo romana; prova disso são as referências que fiz à sua carreira (aqui e aqui), bem como ao seu último registo discográfico (aqui).



O concerto com que La Bartoli nos brindou, Sábado, obviamente foi de antologia.

Cecilia Bartoli é, a meu ver, o paradigma do intérprete vocal barroco: alia uma técnica vocal superlativa - a rondar a infalibilidade - a encarnações cénicas e interpretativas embrenhadas de calor e envolvência dramática.
O afecto está-lhe nas entranhas, não fora ela latiníssima! Canta com a alma, acima de tudo.

O programa do concerto de ontem - um decalque do seu registo Opera Proibida (DECCA 475 6924) - foi integralmente consagrado ao barroco: A. Scarlatti, Caldara e Handel, além de Corelli (Concerto grosso em Fá menor, op. 6 nº12, peça exclusivamente instrumental).

Pessoalmente, considero ser este o território mais favorável às capacidades da Bartoli, dado que nele se explanam os seus magníficos dotes interpretativos.

Se é verdade que a sua coloratura exímia enaltece Rossini (Fiorilla, Rosina e Cenerentola, entre as mais destacadas) e a sua arte representativa perpetua Mozart (Fiordiligi, Sesto, D. Elvira, Susana), em Vivaldi, Handel ou Gluck - alguns dos mais destacados expoentes do barroco operático - a mezzo romana transcende-se, em absoluto!

O seu brilho, no citado barroco, decorre de uma plasticidade vocal e cénica inusitadas: salta da bravura pura (Qui resta... L´alta Roma, A. Scarlatti) para o lirismo mais contido e recatado (Lascia la Spina, cogli la rosa, Handel) com o mesmo talento com que se entrega ao buffo suave e ligeiro (Un Leggiadro giovinetto, Handel) !

A voz mantém-se cálida e generosa, impertinente e jocosa, conservando a garra e o nervo.
É bom dizê-lo, em abono da verdade, a mesma voz perdeu alguma da clareza dos primeiros tempos: a dicção é mais opaca e a articulação menos nítida, bordejando, aqui e ali, o imperceptível...

A postura, em cena, essa prossegue a sua cruzada no encalço da heterodoxia.
Os maneirismos de sempre - refiro-me às intermináveis estereotipias (caretas em demasia e mímica, por vezes, excessiva) - diluem-se numa actuação fervilhante e desabrida, ambas polvilhadas por uma alegria e felicidade estonteantes! Quase dança (e faz dançar...) em palco! Não conheço outra igual, confesso rendido!

Petra Müllejans e a formação orquestral que dirige - Freiburger Barockorchester - envolveram-se com Cecilia Bartoli num autêntico jogo de cumplicidades (violino e flauta, sobretudo), sublinhando a graça, realçando a contenção e, acima de tudo, destacando o virtuosismo.

Veramente straordinaria! Brava, brava, brava !!!

[Uma palavra de grande agradecimento ao meu amigo João Ildefonso, habitué deste blog, graças a quem pude assistir a este inesquecível concerto!
Fico a dever-te esta, meu caro ;-))) ]

6 comentários:

Anónimo disse...

Tudo o que aqui diz eu subscrevo.
Raul

Anónimo disse...

O João deve estar mesmo muito feliz, recém-pai de um menino encantador (fotografias) e foi ao concerto da Bartoli !!!

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Pois é... acho que me fiquei pelo óbvio! Ainda bem que concorda!
Um abraço,
João

Il Dissoluto Punito disse...

Helena,

Não imagina quão contente eu ando! Ainda para mais, a ida à Bartoli foi fruto de uma casualidade - um amigo meu arranjou-me um bilhete, à última da hora... À BORLEX! Podia ser melhor? Não!

Até breve :)

Anónimo disse...

Querido João

Não é precisso agradecer. Tive muito gosto na tua companhia:-)))
Pessoalmente concordo com os teus comentários, como habitual. Gostaria de referir que fiquei fascinado com a música de Caldara, compositor para mim desconhecido além das referências dos compendios de história da música, e que me pareceu verdadeiramente genial!
Um abraço.

J. ldefonso

Il Dissoluto Punito disse...

Caro João,

Ainda assim, insisto no agradecimento!
Quanto ao Caldara, faço minhas as tuas palavras
;-)

Um abraço,
João