Vai destronar a minha querida Sutherland? (nunca poderei discordar mais de si do que discordo na sua apreciação dela no papel. No one outshines Sutherland in this role, sorry.
1. Não respondeu à minha pergunta: vale a pena comprar? Mesmo?
2. Podia responder-lhe como a minha querida Dame Joan, de resto pessoa muito humilde, quando questionada quanto à pobreza da dicção (é verdade, reconheçamos): «então vão ao teatro.» O que sei é que ela me transporta como mais ninguém. A Lucia que o João acha medíocre é para mim imbatível, como a Norma, ela e Horne juntas e a reduzirem-me a um soluçar abjecto.
A Lucia que tanto despreza teve, por exigência dela, a Cena da Loucura registada num único take, por exigência dela, para maior veracidade da personagem.
Não conheço esta Lucia, mas já vi os Puritanos, só ouvi no rádio uma recita que pode ter sido outra mas pareceu-me que a Netebreko não cantou particularmente bem. Não a acho muito adequada aos papeis de coloratura.
Claro que vale a pena! E se vale... Essa de achar a Sutherland medíocre! Sem dúvida alguma, uma das maiores cantoras líricas de sempre - embora uma intérprete fraquinha, fraquinha. A Norma, com a Horne, é lendária... Tem toda a razão. Mas Dame Sutherland é uma excelente protagonista. A Norma absoluta é a tragédienne grega, Callas ;-)
Não tenho dúvidas de que ela seria a Norma perfeita em palco, não foi Visconti que disse que ela era a maior actriz depois de Eleonora Duse? O próprio Bonynge contou num documentário que tenho algures, de maneira muito feliz, que as pessoas se reclinavam na cadeira e fechavam os olhos para ouvir as cantoras em palco Com a Callas esticavam-se para a frente, alerta, em expectativa.
Dame Joan será sempre a minha favorita (nem sei começar a contar-lhe os dilúvios de lágrimas que Ah Non Credea Mirarte por ela me arranca.
Infelizmente, somos demasiado novos. Nunca vimos nenhuma ao vivo.
Teresa, Peço desculpa por intrometer-me, mas não considerar a Callas a maior Norma de sempre é, e volto a pedir desculpa, não compreender a personagem Norma e o seu contexto histórico-musical. A dimensão clássica e gluckiana que tem a personagem só a Callas personifica. A única passagem em que a Sutherland supera a Callas é na secção da ária Casta Diva, pois trata-se de uma elegia, em contraste com a acção dramática que envolve a personagem. E isto não tem nada contra à Sutherland, pelo contrário, pois ainda este mês neste blogue vim aqui "contra o Dissoluto" defendê-la. Mas ainda sobre a Norma há a Caballé, quase tão Norma como a Callas, e com uma Casta Diva, a de Orange, insuperável. Beijos e Bom Ano
A Sutherland, o que lhe faltava em termos dramáticos, sobejava-lhe em volume, precisão no ataque e noção da linha melódica. Não é à toa que interpretou a Norma ou gravou a Turandot. Por outro lado, não devemos esquecer que iniciou a carreira como soprano spinto, cantando papéis como a Giorgetta de Il Tabarro, a Amélia do Baile de Máscaras ou a Agathe do Der Freischutz.
Não vi o DVD , mas estive presente no Metropolitan Opera a 3 de Fevereiro na Lucia di Lammermoor , com a direcção de Mary Zimmerman e o Mastro Marco Armiliato. E tive o privilégio de ouvir a Lucia de Anna Netrebko , a cantar de uma forma luxuriante e carismática com o seu timbre aveludado. Gostei muito. No intervalos e no final ouvi algumas criticas que foram já feitas , e a comparação com as divas anteriores , em especial Callas e Sutherland. Callas foi uma grande Lucia. Sutherland tem um DVD valioso mas permanece muito altiva e rígida em toda a opera. Anna é o contraste , se o primeiro acto pode ser discutida a sua interpretação , o segundo acto é de verdadeira antologia e a cena da loucura é fantástica em termos de impacto dramático. É uma Lúcia enlouquecida e visceral. Não há de momento muitas sopranos para Lúcia , talvez Diana Damrau e Natalie Dessay. A Lucia di Lammermoor com Anna Netrebko e a direcção de Robert Carsen vai inaugurar a época do La Scala em 2011. Se puder , tentarei obter um lugar.
Caro João Confundir Sutherland com pirotécnia, é o mesmo que ver nos Jerónimos um excesso de ornamentação. Permita-me que, depois de uma longa ausência (desde um comentário a um recital da Kozena na Gulbenkian e um outro seu post sobre a Madelaine Peiroux) volte a este seu "cantinho", a propósito desta “dissenção” suscitada pela comparação entre a interpretação da Lucia pela Netrebko no Met e as protagonizadas pela Sutherland. Nesta matéria vou bem mais longe do que o opinado pela Teresa em defesa de "La Stupenda" e, entenda-se, como mais à frente terei oportunidade de argumentar, não me refugio em questões meramente de natureza subjectiva, como a que reside no gosto pessoal de cada um. Não tive ainda oportunidade de visionar o DVD da gravação da Lucia no Met com a Netrebko, pelo que, sobre ela não me pronuncio. Possuo a maioria das gravações efectuadas por esta nova Diva da lírica, permitindo-me sobre ela confirmar que estamos perante um caso muito sério no panorama lírico actual, muito merecidamente, devido a mérito próprio , pelos atributos vocais e pelos dotes de representação de que, inequivocamente, é detentora. Não se trata pois, apenas e somente de um produto de marketing , como alguns mais fundamentalistas parecem fazer crer. Sem prejuízo desta constatação, não posso contudo deixar de achar que é completamente impensável porque incensato, compará-la com a Sutherland, seja em que papel for. La Stupenda é detentora do aparelho vocal mais extraordinário jamais captado em gravação sonora. Com efeito, a extensão da sua tessitura, a clareza e beleza de emissão, o brilho refulgente nos registos mais agudos, os divinais e cristalinos pianíssimos e a inigualável técnica na coloratura, fazem dela a Voz da Lírica na era da gravação sonora. Quanto à vertente interpretação , não nos iludamos, ela não se afere única e exclusivamente pela linguagem corporal em palco, neste particular detalhe, a Sutherland não seria particularmente afortunada, mas atentemos a um outro índice de especial relevância para o julgamento da capacidade interpretativa, aquele que decorre da intensidade emocional posta na “vocalita”, neste parâmetro, ao invés do que alguns mais superficialmente querem fazer crer, La Stupenda é muitas das vezes a demonstração paroxistica do peso das emoções, oiça-se a cena da loucura da Lucia na gravação recentemente republicada pela DECCA. À guisa de conclusão, sem que esteja em causa a importância da grande Callas no panorama lírico do século XX , intérprete sublime e transcendental no tablado de ópera (apesar de não ter um timbre formoso e a captação da sua voz ser não lhe ser favorável ,por não ser muito “fonogénica”), concordo com o afirmado pelo Raul sobre a interpretação da Sutherland da secção específica da ária Casta Diva da Norma, não só porque que a concebe como uma elegia, respeitando com fidelidade a intenção do compositor, ao invés da concepção dramática da La Divina, como perdoem-me a heresia, pela insuperável perfeição técnica e beleza timbrica da interpretação da Sutheland , que evidencia com alguma crueldade as imperfeições técnicas da Callas (bem sei que muitos as consideram como falhas iluminadas por centelha divina).
Alberto, eu sei que a Callas concordava connosco. Assistiu a um ensaio da mítica Lucia de 1959 no Covent Garden, Walter Legge ao lado, e comentou apenas «This is good. This is too good.»
Algum comentário sobre a Lucia da minha querida Gruberova?
Sobre a Norma:
É-me especialmente querida, ainda não consegui esgotá-la, continuo a chorar como uma Madalena em muitos momentos (mas salto sempre Casta Diva, que já esgotei mesmo e não me diz nada, mesmo sabendo da extrema dificuldade em cantar a ária e que, por exemplo, a Callas a cantava uma oitava abaixo). A personagem é de carne e osso como poucas (tirando a parte de querer matar os filhos, demasiado Medeia para meu gosto), é trocada por uma mulher mais nova. Qual Cuor Tradiste na voz de Dame Joan deixa-me de olhos inchados, na voz da Callas deixa-me indiferente, passo à seguinte.
Só vi uma Norma em toda a minha vida. Foi em Outubro de 2001, no Met, oitava fila ao centro. Os bilhetes (para quem sabe o que é o Met) custaram uma fortuna imoral. Ainda hoje me refiro a ela como "aquela ópera que eu nunca vi". Poucas cantoras se atrevem a abordar a personagem, aquela Jane Eaglen vinha precedida de uma boa reputação como Norma. Pois, senhores, teria riscado com todo o gosto o fósforo para acender a pira final. E ainda iria regar aquilo com álcool, ou gasolina. A mulher assassinou-me a ópera! Pouco interessa que Adalgisa, Pollione e Oroveso fossem óptimos, sem Norma aquilo cai por terra.
subscrevo quase tudo o que refere... Mas não me venha falar no que a Sutherland não possuia: talento cénico e dramático!!! Técnica superlativa, incomparável, coloratura soberbíssima... em interpretações teatral e dramaticamente muito fraquinhas, com alguma emoção e pouco mais. Isto para não sublinhar o óbvio: consoantes imperceptíveis. Nem só de vogais ágeis e bem ornamentadas vivem os cantores líricos, não ?
A ária é normalmente executada 1 tom abaixo do que foi escrito (Sol M) mas isso foi porque a intérprete que a estreou - Giuditta Pasta - pediu expressamente ao compositor que o fizesse. Por isso, ela é hoje efectuada normalmente em Fá M, embora em algumas gravações da ópera as protagonistas a executem na tonalidade original (Gruberova, Sutherland e Sills fizeram-no).
Teresa, se a CAllas fizesse a ária uma oitava abaixo, soaria a tenor e não a soprano :)
Estamos a falar de sopranos com tipologias/características vocais completamente diferentes, logo compará-las ainda que no mesmo repertório é impossível porque é lógico que uma vai sempre ser melhor numas coisas e outra noutras.
É um ciclo vicioso se cingirmos as nossas avaliações ao que é analisável objectivamente: qualidade da emissão vocal e resolução dos obstáculos técnicos do papel e se tivermos APENAS estes aspectos em conta, não é possível afrimar que qualquer uma das intérpretes é má porque todas elas chegam ao fim do papel sãs e salvas. Se calhar umas com uma coloratura mais brilhante, outras com um registo médio mais consistente e mais rico. Limitar o belcanto a pirotecnia e a notas agudas que nem sequer estão escritas é perder parte da essência desta música: a verdade é que os compositores não queriam apenas pirotecnia, caso contrário não teriam escrito as passagens mais líricas. Agora, logicamente que há cantores que executam melhor umas e cantores que executam melhor outras, sendo difícil encontrar alguém que faça ambas da forma mais perfeita possível: por isso é que só há uma Callas.
Caros comentadores,a propósito da primeira Lucia gravada pela Callas (1953) vou dar a palavra a John Ardoin e ao seu livro The Callas Lagacy, onde vou colher estas palavras na introdução: " No one before her had "heard"Lucia the way she did. Nor had they been able to articulate Donnizetti's music with such deep and specific feeling. Lucia became a recognizable human being. The fountain Scene was an expression of both tragic foreboding and ecstatic first love. The Mad Scene became the cumulative threnody for that love betrayed when the forebodings had become reality. all at once it was possible to care about Lucia. She had a humain being. as she did with almost everything she sang, Callas changed our very perception of the role and its possibilities. In so doing, she not only gave us Donizetti's heroine but also changed the face of opera. After callas, Lucia, Lucia di Lamermoor and the entire bel-canto repertory would never be the same. we are still dealing with and reeling from her revolution".
Sábias palavras e sobre a Lucia da Callas falarei em comentário que se segue.
Quero eu dizer com a citação anterior que comparar a Lucia da Callas com qualquer outra é, desculpem-me, não compreender verdadeiramente esta ópera, o seu lugar na história da ópera, o bel-canto. Depois desta Lucia seguiu-se, em termos de registos conhecidos, a de Berlim com o Karajan e, pelo amor de Deus, há no mundo antes ou depois, alguma Lucia que se lhe possa comparar? Lembro que nesse ano em Itália a Callas actuou na Lucia e no fim da representação Totti dal Monte entrou no seu camarim, chorando e dizendo que nunca tinha compreendido o papel, ela uma das mais aclamadas Lucias do seu tempo. É ouvir o detalhe da ária "Regnava nell silenzio". Sem rival, uma jóia de análise. E até na segunda gravação em estúdio, já com a zona aguda muito desgastada, onde a cena da Loucura é mais uma confidência "parlando cantando", mas em que cada palavra com o seu peso, com a sintaxe de canto perfeita, qualquer coisa de mágico, único, ... Ouçam-na a dizer " un'armonia celeste". Não há palavras para descrever o pathos vocal. Enfim, a Lucia da Sutherland, de que eu gosto muito e de que tomei a defesa aqui quando o amigo Dissoluto lhe "cascou" em cima,é de outro campeonato e do qual sairá sem dúvida vencedora, mas nunca se poderá comparar com a da Callas. A Lucia da Callas é incomparável e insuperável.
A minha pergunta era capciosa, ao pedir-vos a tradução de High C: é que há coisa de três dias, ouvi nesse portento de asneira que é o Biography Channel, tudo dobrado e espanholado, um breve segmento sobre Pavarotti. O locutor de serviço chamava-lhe, em português claro, "Rei dos Dós Elevados" (King of High Cs, que de resto é de um mau gosto atroz). Eu ia tendo uma apoplexia de tanto rir.
Tenho algures na Gota um texto inflamado contra os disparates do Biography, ah, esperem, foi fácil, é este:
A etiqueta Pérolas de Tradução, tão prometedora, não tem sido devidamente explorada por falta de tempo.
Raul, A si terei de responder com mais tempo. Só lhe peço que da próxima vez que cá vier dê notícias. Ainda na semana passada jantei com a Pituxa (mundo pequenino) e falámos de si :)
26 comentários:
Jura? Palavrinha de honra?
Vale a pena ouvir?
Vai destronar a minha querida Sutherland? (nunca poderei discordar mais de si do que discordo na sua apreciação dela no papel. No one outshines Sutherland in this role, sorry.
Teresa,
A Sutherland será imbatível na pirotecnia; no resto...
1. Não respondeu à minha pergunta: vale a pena comprar? Mesmo?
2. Podia responder-lhe como a minha querida Dame Joan, de resto pessoa muito humilde, quando questionada quanto à pobreza da dicção (é verdade, reconheçamos): «então vão ao teatro.»
O que sei é que ela me transporta como mais ninguém. A Lucia que o João acha medíocre é para mim imbatível, como a Norma, ela e Horne juntas e a reduzirem-me a um soluçar abjecto.
A Lucia que tanto despreza teve, por exigência dela, a Cena da Loucura registada num único take, por exigência dela, para maior veracidade da personagem.
No one outshines Sutherland in this role.
Não sou só eu a achar, sorry.
Não conheço esta Lucia, mas já vi os Puritanos, só ouvi no rádio uma recita que pode ter sido outra mas pareceu-me que a Netebreko não cantou particularmente bem. Não a acho muito adequada aos papeis de coloratura.
Teresa,
Claro que vale a pena! E se vale...
Essa de achar a Sutherland medíocre! Sem dúvida alguma, uma das maiores cantoras líricas de sempre - embora uma intérprete fraquinha, fraquinha. A Norma, com a Horne, é lendária... Tem toda a razão. Mas Dame Sutherland é uma excelente protagonista. A Norma absoluta é a tragédienne grega, Callas ;-)
João, aqui nunca poderemos concordar.
Conto o que acho da Callas no 30.º aniversário da sua partida, aqui:
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2007/09/faz-hoje-trinta-anos-que-partiu.html
Não tenho dúvidas de que ela seria a Norma perfeita em palco, não foi Visconti que disse que ela era a maior actriz depois de Eleonora Duse? O próprio Bonynge contou num documentário que tenho algures, de maneira muito feliz, que as pessoas se reclinavam na cadeira e fechavam os olhos para ouvir as cantoras em palco Com a Callas esticavam-se para a frente, alerta, em expectativa.
Dame Joan será sempre a minha favorita (nem sei começar a contar-lhe os dilúvios de lágrimas que Ah Non Credea Mirarte por ela me arranca.
Infelizmente, somos demasiado novos. Nunca vimos nenhuma ao vivo.
Já leu The Lisbon Traviata?
Teresa,
Peço desculpa por intrometer-me, mas não considerar a Callas a maior Norma de sempre é, e volto a pedir desculpa, não compreender a personagem Norma e o seu contexto histórico-musical. A dimensão clássica e gluckiana que tem a personagem só a Callas personifica. A única passagem em que a Sutherland supera a Callas é na secção da ária Casta Diva, pois trata-se de uma elegia, em contraste com a acção dramática que envolve a personagem. E isto não tem nada contra à Sutherland, pelo contrário, pois ainda este mês neste blogue vim aqui "contra o Dissoluto" defendê-la.
Mas ainda sobre a Norma há a Caballé, quase tão Norma como a Callas, e com uma Casta Diva, a de Orange, insuperável.
Beijos e Bom Ano
O que mais se quer?
Alguém que cante e seja seguro musicalmente. Será pedir demais?
A Sutherland, o que lhe faltava em termos dramáticos, sobejava-lhe em volume, precisão no ataque e noção da linha melódica. Não é à toa que interpretou a Norma ou gravou a Turandot. Por outro lado, não devemos esquecer que iniciou a carreira como soprano spinto, cantando papéis como a Giorgetta de Il Tabarro, a Amélia do Baile de Máscaras ou a Agathe do Der Freischutz.
Não vi o DVD , mas estive presente no Metropolitan Opera a 3 de Fevereiro na Lucia di Lammermoor , com a direcção de Mary Zimmerman e o Mastro Marco Armiliato. E tive o privilégio de ouvir a Lucia de Anna Netrebko , a cantar de uma forma luxuriante e carismática com o seu timbre aveludado. Gostei muito. No intervalos e no final ouvi algumas criticas que foram já feitas , e a comparação com as divas anteriores , em especial Callas e Sutherland. Callas foi uma grande Lucia. Sutherland tem um DVD valioso mas permanece muito altiva e rígida em toda a opera. Anna é o contraste , se o primeiro acto pode ser discutida a sua interpretação , o segundo acto é de verdadeira antologia e a cena da loucura é fantástica em termos de impacto dramático. É uma Lúcia enlouquecida e visceral. Não há de momento muitas sopranos para Lúcia , talvez Diana Damrau e Natalie Dessay. A Lucia di Lammermoor com Anna Netrebko e a direcção de Robert Carsen vai inaugurar a época do La Scala em 2011. Se puder , tentarei obter um lugar.
"Dramática, elegante, louca e linda - a mais bela boca que a lírica jamais viu. Que mais se quer?"
Eu respondo: voz...
E a voz é a característica mais importante nesta óperas do período do Bel canto.
Teresa: Concordo consigo. A Sutherland é a melhor Lucia de sempre. E olhe que a Callas também concordava connosco.
Caro João
Confundir Sutherland com pirotécnia, é o mesmo que ver nos Jerónimos um excesso de ornamentação.
Permita-me que, depois de uma longa ausência (desde um comentário a um recital da Kozena na Gulbenkian e um outro seu post sobre a Madelaine Peiroux) volte a este seu "cantinho", a propósito desta “dissenção” suscitada pela comparação entre a interpretação da Lucia pela Netrebko no Met e as protagonizadas pela Sutherland.
Nesta matéria vou bem mais longe do que o opinado pela Teresa em defesa de "La Stupenda" e, entenda-se, como mais à frente terei oportunidade de argumentar, não me refugio em questões meramente de natureza subjectiva, como a que reside no gosto pessoal de cada um.
Não tive ainda oportunidade de visionar o DVD da gravação da Lucia no Met com a Netrebko, pelo que, sobre ela não me pronuncio. Possuo a maioria das gravações efectuadas por esta nova Diva da lírica, permitindo-me sobre ela confirmar que estamos perante um caso muito sério no panorama lírico actual, muito merecidamente, devido a mérito próprio , pelos atributos vocais e pelos dotes de representação de que, inequivocamente, é detentora.
Não se trata pois, apenas e somente de um produto de marketing , como alguns mais fundamentalistas parecem fazer crer.
Sem prejuízo desta constatação, não posso contudo deixar de achar que é completamente impensável porque incensato, compará-la com a Sutherland, seja em que papel for.
La Stupenda é detentora do aparelho vocal mais extraordinário jamais captado em gravação sonora. Com efeito, a extensão da sua tessitura, a clareza e beleza de emissão, o brilho refulgente nos registos mais agudos, os divinais e cristalinos pianíssimos e a inigualável técnica na coloratura, fazem dela a Voz da Lírica na era da gravação sonora.
Quanto à vertente interpretação , não nos iludamos, ela não se afere única e exclusivamente pela linguagem corporal em palco, neste particular detalhe, a Sutherland não seria particularmente afortunada, mas atentemos a um outro índice de especial relevância para o julgamento da capacidade interpretativa, aquele que decorre da intensidade emocional posta na “vocalita”, neste parâmetro, ao invés do que alguns mais superficialmente querem fazer crer, La Stupenda é muitas das vezes a demonstração paroxistica do peso das emoções, oiça-se a cena da loucura da Lucia na gravação recentemente republicada pela DECCA.
À guisa de conclusão, sem que esteja em causa a importância da grande Callas no panorama lírico do século XX , intérprete sublime e transcendental no tablado de ópera (apesar de não ter um timbre formoso e a captação da sua voz ser não lhe ser favorável ,por não ser muito “fonogénica”), concordo com o afirmado pelo Raul sobre a interpretação da Sutherland da secção específica da ária Casta Diva da Norma, não só porque que a concebe como uma elegia, respeitando com fidelidade a intenção do compositor, ao invés da concepção dramática da La Divina, como perdoem-me a heresia, pela insuperável perfeição técnica e beleza timbrica da interpretação da Sutheland , que evidencia com alguma crueldade as imperfeições técnicas da Callas (bem sei que muitos as consideram como falhas iluminadas por centelha divina).
Alberto, eu sei que a Callas concordava connosco. Assistiu a um ensaio da mítica Lucia de 1959 no Covent Garden, Walter Legge ao lado, e comentou apenas «This is good. This is too good.»
Algum comentário sobre a Lucia da minha querida Gruberova?
Sobre a Norma:
É-me especialmente querida, ainda não consegui esgotá-la, continuo a chorar como uma Madalena em muitos momentos (mas salto sempre Casta Diva, que já esgotei mesmo e não me diz nada, mesmo sabendo da extrema dificuldade em cantar a ária e que, por exemplo, a Callas a cantava uma oitava abaixo). A personagem é de carne e osso como poucas (tirando a parte de querer matar os filhos, demasiado Medeia para meu gosto), é trocada por uma mulher mais nova. Qual Cuor Tradiste na voz de Dame Joan deixa-me de olhos inchados, na voz da Callas deixa-me indiferente, passo à seguinte.
Só vi uma Norma em toda a minha vida. Foi em Outubro de 2001, no Met, oitava fila ao centro. Os bilhetes (para quem sabe o que é o Met) custaram uma fortuna imoral. Ainda hoje me refiro a ela como "aquela ópera que eu nunca vi".
Poucas cantoras se atrevem a abordar a personagem, aquela Jane Eaglen vinha precedida de uma boa reputação como Norma. Pois, senhores, teria riscado com todo o gosto o fósforo para acender a pira final. E ainda iria regar aquilo com álcool, ou gasolina. A mulher assassinou-me a ópera! Pouco interessa que Adalgisa, Pollione e Oroveso fossem óptimos, sem Norma aquilo cai por terra.
Miguel,
subscrevo quase tudo o que refere... Mas não me venha falar no que a Sutherland não possuia: talento cénico e dramático!!! Técnica superlativa, incomparável, coloratura soberbíssima... em interpretações teatral e dramaticamente muito fraquinhas, com alguma emoção e pouco mais. Isto para não sublinhar o óbvio: consoantes imperceptíveis. Nem só de vogais ágeis e bem ornamentadas vivem os cantores líricos, não ?
A Callas cantar a Casta Diva uma oitava abaixo???
...
A ária é normalmente executada 1 tom abaixo do que foi escrito (Sol M) mas isso foi porque a intérprete que a estreou - Giuditta Pasta - pediu expressamente ao compositor que o fizesse. Por isso, ela é hoje efectuada normalmente em Fá M, embora em algumas gravações da ópera as protagonistas a executem na tonalidade original (Gruberova, Sutherland e Sills fizeram-no).
Teresa, se a CAllas fizesse a ária uma oitava abaixo, soaria a tenor e não a soprano :)
Ricardo, cá está o problema de não ter estudado música. Provavelmente era mesmo um tom e não uma oitava, so sorry.
Este livro fascinante tem um capítulo inteiro dedicado à Norma: Norma, a Case for Bel Canto:
http://www.amazon.co.uk/Ultimate-Art-Essays-Around-About/dp/0520076095/ref=sr_1_3?ie=UTF8&qid=1262025502&sr=1-3-fkmr0
Já agora, como traduzem vocês High C? :) É só cá por coisas LOL!
P.S. Ainda em defesa de Jame Sutherland: em cena era uma grande comediante! A sua Marie é deliciosa!
Teresa, infelizmente não lhe perdoaram a oitava abaixo :)
Quanto ao High C é um Dó sobreagudo
A- La
B - SI
C- DO
D - Ré
E - Mi
F- Fá
G - Sol
O famoso Mi bemol sobregudo é um "high E flat".
Para todos: Já reparam que a Netrebkos foi deixada para segundo plano, assim que se começou a falar de Sutherland?
Volto à Teresa: A Lucia da Gruberova é uma maravilha. Assisti a uma récita em Barcelona e saí nas nuvens. Já a Netrebko...
O Alberto só vê o que lhe interessa ;-) Houve outros posts - posteriores a este - em que se fala da Netrebko! Até pode vê-la em plena actuação!
Estamos a falar de sopranos com tipologias/características vocais completamente diferentes, logo compará-las ainda que no mesmo repertório é impossível porque é lógico que uma vai sempre ser melhor numas coisas e outra noutras.
É um ciclo vicioso se cingirmos as nossas avaliações ao que é analisável objectivamente: qualidade da emissão vocal e resolução dos obstáculos técnicos do papel e se tivermos APENAS estes aspectos em conta, não é possível afrimar que qualquer uma das intérpretes é má porque todas elas chegam ao fim do papel sãs e salvas. Se calhar umas com uma coloratura mais brilhante, outras com um registo médio mais consistente e mais rico.
Limitar o belcanto a pirotecnia e a notas agudas que nem sequer estão escritas é perder parte da essência desta música: a verdade é que os compositores não queriam apenas pirotecnia, caso contrário não teriam escrito as passagens mais líricas.
Agora, logicamente que há cantores que executam melhor umas e cantores que executam melhor outras, sendo difícil encontrar alguém que faça ambas da forma mais perfeita possível: por isso é que só há uma Callas.
Lapso de digitação.
leia-se: "É um ciclo vicioso se cingirmos as nossas avaliações ao que NÃO é analisável objectivamente e isso é tudo quanto não seja:..."
Ricardo,
o ponto é que - felizmente - a subjectividade sobrepõe-se ;-)
Caros comentadores,a propósito da primeira Lucia gravada pela Callas (1953) vou dar a palavra a John Ardoin e ao seu livro The Callas Lagacy, onde vou colher estas palavras na introdução:
" No one before her had "heard"Lucia the way she did. Nor had they been able to articulate Donnizetti's music with such deep and specific feeling. Lucia became a recognizable human being. The fountain Scene was an expression of both tragic foreboding and ecstatic first love. The Mad Scene became the cumulative threnody for that love betrayed when the forebodings had become reality. all at once it was possible to care about Lucia. She had a humain being. as she did with almost everything she sang, Callas changed our very perception of the role and its possibilities. In so doing, she not only gave us Donizetti's heroine but also changed the face of opera. After callas, Lucia, Lucia di Lamermoor and the entire bel-canto repertory would never be the same. we are still dealing with and reeling from her revolution".
Sábias palavras e sobre a Lucia da Callas falarei em comentário que se segue.
Quero eu dizer com a citação anterior que comparar a Lucia da Callas com qualquer outra é, desculpem-me, não compreender verdadeiramente esta ópera, o seu lugar na história da ópera, o bel-canto.
Depois desta Lucia seguiu-se, em termos de registos conhecidos, a de Berlim com o Karajan e, pelo amor de Deus, há no mundo antes ou depois, alguma Lucia que se lhe possa comparar? Lembro que nesse ano em Itália a Callas actuou na Lucia e no fim da representação Totti dal Monte entrou no seu camarim, chorando e dizendo que nunca tinha compreendido o papel, ela uma das mais aclamadas Lucias do seu tempo. É ouvir o detalhe da ária "Regnava nell silenzio". Sem rival, uma jóia de análise.
E até na segunda gravação em estúdio, já com a zona aguda muito desgastada, onde a cena da Loucura é mais uma confidência "parlando cantando", mas em que cada palavra com o seu peso, com a sintaxe de canto perfeita, qualquer coisa de mágico, único, ... Ouçam-na a dizer " un'armonia celeste". Não há palavras para descrever o pathos vocal.
Enfim, a Lucia da Sutherland, de que eu gosto muito e de que tomei a defesa aqui quando o amigo Dissoluto lhe "cascou" em cima,é de outro campeonato e do qual sairá sem dúvida vencedora, mas nunca se poderá comparar com a da Callas. A Lucia da Callas é incomparável e insuperável.
Apenas duas respostas, que é tarde, e esta noite estou devastada pela partida de uma grande Professora a quem muito devo. Mas faz-me bem vir aqui.
Alberto,
Obrigada pela solicitude, até aí (parcialmente) chegavam os meus conhecimentos. Que um C era um Dó já eu sabia :)
Aproveitem todos para rir alarvemente como eu ri deste disparate medonho:
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2009/03/perolas-de-traducao-2.html
A minha pergunta era capciosa, ao pedir-vos a tradução de High C: é que há coisa de três dias, ouvi nesse portento de asneira que é o Biography Channel, tudo dobrado e espanholado, um breve segmento sobre Pavarotti. O locutor de serviço chamava-lhe, em português claro, "Rei dos Dós Elevados" (King of High Cs, que de resto é de um mau gosto atroz). Eu ia tendo uma apoplexia de tanto rir.
Tenho algures na Gota um texto inflamado contra os disparates do Biography, ah, esperem, foi fácil, é este:
http://gotaderantanplan.blogspot.com/2008/10/carta-aberta-ao-biography-channel_27.html
A etiqueta Pérolas de Tradução, tão prometedora, não tem sido devidamente explorada por falta de tempo.
Raul,
A si terei de responder com mais tempo. Só lhe peço que da próxima vez que cá vier dê notícias. Ainda na semana passada jantei com a Pituxa (mundo pequenino) e falámos de si :)
Beijos a todos.
Grito de guerra: SUTHERLAND FOREVER!
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