Iniciei-me no Don Carlo pela mão de Solti, há mais de dez anos.
À época, residia em França, onde reinava uma ditadura tremenda no tocante à suma referência desta ópera verdiana. Submeti-me e segui o trilho do maestro húngaro.
A voz declinante da Tebaldi desagradou-me profundamente, o resto tendo-me convencido. Quanto à coisa-em-si – o Don Carlo -, agradou-me, estando uns pontos abaixo do meu Verdi de eleição (à época): trilogia, Aïda, Otello, Falstaff, Simon Boccanegra.
Anos depois, retomei o Don Carlos – ossia, a versão francesa, diferente da italiana. Desta feita, segui a batuta de Pappano & Bondy. A produção é absolutamente histórica, com Mattila, Alagna e Hampson deslumbrantes. À segunda, a coisa bateu com maior intensidade, tendo a ópera subido uns bons pontos no meu best of verdiano.
À terceira, a coisa foi avassaladora…
Neste Don Carlo, há os que cumprem – Foiani -, os que se destacam – Estes, Raimondi, Verrett e Milnes – e os deuses, que se transcendem – Domingo & Caballé e Giulini.
Giulini dirige sinfonicamente este Don Carlo, com gestos amplos e grandiosos, sublinhando o lirismo e majestade da partitura. Exaltante!
Domingo compõe um herói arrebatado, valente e audacioso, absolutamente envolvido na trama edipiana que o une eroticamente a Elisabetta e, com marcada ódio, a Filippo. A voz é modelar, de timbre heróico e robusto, cheia, com uma segurança e limpidez espantosa.
Caballé é, para mim, uma das maiores cartadas desta interpretação. A sua Elisabetta é uma aristocrata, abnegada e sofrida, de gestos grandiosos e heróicos. A voz transpira erotismo e sensualidade, aérienne e esvoaçante: paira em permanência, nunca pousando, excitando com uma graciosidade enlouquecedora…
Em estúdio, Caballé é A Elisabetta. Em cena, como imaginará o leitor avisado, Mattila leva a melhor, em mais não diz um homem casado…
Termino com breves referências aos demais intérpretes: Verrett compõe uma Eboli dilacerada, Milnes um magnífico Rodrigo – humano e corajoso, com uma voz bela e de craveira verdiana – e Raimondi desenha um Fillipo teatralmente irrepreensível, cujo calcanhar-de-aquiles é a relativa superficialidade dos graves.
Evidentemente, o Don Carlo – mais ainda que o Don Carlos – é uma das mais belas peças líricas de sempre, majestosa como poucas (Tristan, Parsifal, Guglielmo Tell), de uma fluidez, equilíbrio e coesão impressionante, com uma escrita épica e de uma grandiosidade melódica, teatral e expressiva inusitada.
E ainda há quem vacile diante das obras indispensáveis numa ilha deserta…
Este artigo vai direitinho para a coluna ds best of '09!
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(6/5)
ps nos confins da minha arca – entre milhares de outras obras… - três são os Don Carlo que aguardam uma cuidadosa e aturada apreciação: Santini (EMI), Santini (DG) e Muti (EMI – dvd).
3 comentários:
João, já conhece a versão Karajan, Freni, Carreras, Cappuccilli, Baltsa, Ghiaurov?
Esta versão com que está maravilhado eu já a possuo há alguns anos. É um daqueles discos que me relembram porque Verdi é o meu compositor preferido. A outra versão em francês com direcção de Pappano tb a tenho mas em DVD, é muito boa também.
João, desculpe, mas não estou de acordo com a valoração desta gravação.
Na minha opinião, comparando esta gravação com a do Solti e pensando na parte vocálica, se exceptuarmos a Tebaldi, que é inferior à Caballé, quase todos os outros intérpretes são superiores. O Domingo é excepcional, mas o Bergonzi é a perfeição total. Comparar o Ghiaurov com o Raimondi e o Talvella com o Foianni é comparar deuses com mortais. O Diskau é um Rodrigo fabuloso, superior ao Milnes e um dos seus grandes papéis verdianos, talvez o que melhor conhece. A Bumbry e a Verrett equivalem-se a um nível muito alto.
O meu D. Carlos favorito em absoluto é o da abertura da temporada do Scalla de Milão em 1976. O elenco é semelhante ao do Karajan mas dirigido pelo Abbado numa versão em italiano de 5 actos, a mais completa gravada exceptuando o Abbado em francês, a que só falta a o ballet. O elenco é conforme disse o director do Scalla durante a estreia, "o melhor disponivel" com o Carreras na melhor prestação que lhe conheço, a Freni, Ghiaurov, Cappuccilli, Nesterenko e Obratzova, a única de que não gosto.
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