terça-feira, 28 de julho de 2009

Platina!


(DECCA 475 7723)

Esta extraordinária composição constitui um marco na lírica, ladeando Don Giovanni, Os Mestres Cantores de Nuremberga, Aïda e O Cavaleiro da Rosa, apenas para citar algumas das peças que constituem, unanimemente, o top 10 da ópera.

Guilherme Tell é uma epopeia, que relata a independência da confederação helvética, remontando ao século XIII. Tell é, evidentemente, o herói da peça, cuja bravura aglutina em seu redor o crescente desejo de insurreição e independência da Suíça de então.

A música é monumental, heróica e grandiosa, de uma beleza avassaladora. Guilherme Tell é uma obra extensa e plenamente conseguida, contendo a marca indelével do bel canto. Perto dela, a opera seria de Rossini é uma curiosidade – Tancredi, Semiramide, La donna del Lago, Maometto II e Zelmira, de entre as mais célebres.
A versão que aqui comento é a italiana – não só desconheço a original (composta em francês), como não a possuo, hélas!


Este registo conta com uma direcção (o jovem Chailly) majestosa, brilhante e imensamente expressiva. Os solistas são de primeira água: os conterrâneos belcantistas Freni – então jovem lirico-spinto, graças a Von Karajan – e Pavarotti, Milnes e Ghiaurov.

Milnes (Tell), de timbre esbelto e singular, compõe um herói movido pelo orgulho e valentia. A cena da flecha – acto III – constitui a sua coroa de glória. O protagonista concebido por Sherill Milnes mescla a mais triunfal ousadia e valentia, com a singeleza e eloquência do amor por Jemy, seu filho. Comovedor…

Pavarotti (Arnoldo), dilacera-se neuroticamente entre o amor à pátria e família e a paixão pela aristocrata Matilde. A voz – quiçá na sua plenitude – é um sonho: luminosa, de agudos certeiros e cristalinos, amplos e de uma generosidade arrebatadora.

Freni habita a sua Matilde com uma fragilidade, à la fois, humana e aristocrata, feminina e dócil como só ela. Em águas bel cantistas – onde foi gerada, recorde-se – Mirella Freni revela uma disciplina e técnica impressionantes, agrilhoando a sua personagem aos supremos valores da lealdade e rectidão.

Embora o Gualtiero de Ghiaurov seja uma figura periférica nesta peça, a autoridade do baixo ecoa desta a primeira linha.


Termino com um conselho: experimente o leitor escutar e re-escutar o acto II…
Atente à progressão dramática, ao deslumbramento de uma melodia tão lírica, quanto heróica, à beleza do canto! Os enlaces e desenlaces de Arnoldo e Matilde (o que dizer da sua Selva Opaca?!) constituem peças estruturais da antologia da ópera oitocentista.

Guilherme Tell é uma obra fundamental, indispensável em qualquer colecção de ópera, sendo a presente interpretação (porventura) a que mais distintamente a homenageia. Aliás, esta leitura está para a música lírica como o Don Giovanni de Giulini (1959).
E mais não preciso de dizer.


_________
* * * * *
(5/5)

29 comentários:

Hugo Santos disse...

Caro João,

absolutamente rendido, pelo que leio. E não é para menos.

mr. LG disse...

Caro Dissoluto,
Faço minhas as palavras do nosso Hugo Santos.
Agora… a questão mais importante: esta Edição da Decca The Originals tem o seu Libretto impresso em papel??... ou manda-nos, como agora É UMA PAVOROSA MODA! :_(, para o site da Decca descarregarmos em PDF o Libretto??...
È que se assim for, tento procurar esta mesma gravação em edição mais antiga (anos 80, acho eu…) ou a edição EMI com M. Caballé, N. Gedda, M. Mesplé, G. Bacquier, Royal Philar., L. Gardelli. Mesmo cantada em francês, não me importo, não faço ponto de honra nisso.
O que interessa é que seja uma EDIÇÃO DE CD DE ÓPERA COMO DEVE DE SER: COM LIBRETTO IMPRESSO!!
Os melhores cumprimentos… e saudades, Dissoluto :-)
Do seu, sempre
LG

Il Dissoluto Punito disse...

Hugo,

Rendido? CONQUISTADO!
;-)

Il Dissoluto Punito disse...

LG,

Podes ficar tranquilo! O Libreto existe fisica e materialmente! Mas, como se trata de uma edição mid-price, apenas há a tradução inglesa, além do libreto original.

J. Ildefonso. disse...

Não acredito!

João estás rendido à ópera séria Rossiniana!

J. Ildefonso. disse...

Pois é, de todo o cast talvez seja a Freni que mais surpreende, não por ser melhor do que os seus companheiros, mas por conseguir ser tão boa quanto eles mesmo estando a cantar um papel que requer qualidades que à priori não seriam aquelas que imediatamente lhe associamos. Grande elenco.
A versão francesa conta com um bom elenco, Gedda em excelente forma, mas infelizmente a Caballé num ano em que gravou Norma, Líu, vários recitais e o Guilherme Tell quer por escassa afinidade com o papel ou preparação insuficiente desilude muito. Para além do mais o seu francês é por assim dizer muito pessoal:-)

mr. LG disse...

-Serve!... :-)
Many thanks, Dissoluto.
LG

Raul disse...

Como disse ao João, conheço bem esta gravação, maravilha entre as maravilhas. A destacar, a meu ver, o dueto Tell-Arnoldo no primeiro acto. O concertante final é um prodígio do génio rossiniano. Aprecio muito a intervenção neste concertante do excepcional comprimario Piero di Palma no Gessler. Mas ao longo de toda a ópera, aqui e acolá, temos oportunidades de ouvir linhas magníficas. Não sou um incondicional da Selva Opaca, pois não a acho tão inspirada como o solo do soprano no início do terceiro acto. A ópera é coroada no quarto acto com a dificílima e belíssima ária de tenor "O muto asil del pianto", que mete num chinelo qualquer "Ah, mes amis". As interpretações nesta gravação são soberbas. Não são só os quatro nomes sonantes: são todos, a destacar o tenor Suarez no pescador (que bela ária logo no início!), o soprano Elisabeth Connell e Piero di Palma.
Quando o João nos fala de bel canto nesta ópera, eu torço um bocadinho o nariz. É lógico que estamos em Rossini, mas o que eu acho é que o genial compositor quer fugir a essa escola e a música parece, por isso revolucionária. Quando ouço alguns trechos do Guilherme Tell parece-me que estou a ouvir música duma época perto da Aida. Berlioz, senão me engano, disse que Deus fez o Mundo e Rossini o Guilherme Tell.
A versão francesa tem o valor que tem. Escrita em francês pensada em italiano. Curiosamente vi há uns quinze anos esta versão no São Carlos com Merrit e e AnaMaria Sanchez.

Raul disse...

Acrescentando:
Esqueci-me de dizer que possuo a versão em duplo dvd do Scala com Giogio Zancanaro no papel titular, mais ainda Chris Merrit e Cheryl Studer. Não podendo ombrear vocalmente com a versão cd da Decca, é, no entanto, bastante aceitável, cabendo o palmarés a Ricardo Muti, ao Zancanaro e à Studer.

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Eu apenas falei na marca do bel canto! Obviamente, não se trata de uma criação belcantista tout court! Rossini, aqui, foi muito além, como o Raul diz!

Raul disse...

João,
Dos top 10 que refere, para mim, só o Don Giovanni merece esse lugar.
Os meus top 10 (sabe como eu gosto disto !!!) são:

Don Giovanni
Norma
Otelo
Falstaff
Valquíria
Tristão e Isolda
Fidelio
Elektra
Barbeiro de Sevilha
a Obra Pucciniana

Hugo Santos disse...

É curiosa a afirmação de Berlioz em relação a Rossini, uma vez que, na minha modesta opinião, o Guilherme Tell funciona como uma espécie de Sinfonia Fantástica, no campo operístico. Uma linguagem musical que nos surpreende pela inovação no contexto temporal em que foi produzida.

Luís Froes disse...

Em matéria de Don Giovanni, o que pensam os caros senhores das seguintes versões:

Allen/Mattilla/Araiza/Loyd/Marriner

Fischer-Dieskau/Nilsson/Arroyo/Bohm

Il Dissoluto Punito disse...

Luís,

Ambos são de segunda água. Se gosta de Allen, opte por um Don de Glyndebourne, dirigido por Haitink (EMI). Dieskau não era Don, nem com boa vontade!

Luís Froes disse...

Caro João,

Creio que existe, para além do registo em dvd com Muti, um Don de Allen, com Carol Vaness no papel de Donna Elvira, dirigidos por James Conlon. Conhece?
Acho a Vaness uma Elvira maravilhosaaa!

Luís Froes disse...

O registo que referi encontra-se disponível em dvd, e baseia-se numa encenação semelhante à do Don dirigido por Karajan em Salzburgo, na década de 80, também disponível em formato visual.

Il Dissoluto Punito disse...

Luís,

Há dois Don com o Allen em dvd. Tenho ambos. Opte pelo de Muti, no alla Scala. O de Conlon é dispensável.

Raul disse...

Caro Hugo,
Sim, percebo bem essa comparação. A Sinfonia Fantástica, obra que eu adoro, rompe com convencionalismos e abre caminho para Tchaikovski e Sibelius.

Luís Froes disse...

Caro João,

Vou encomendar via Amazon o Don de Muti no Scalla, como sugere.

Não obstante considerar que Karajan era tudo menos mozartiano, o seu Don de Salzburgo, creio que de 1986, tem, no meu entender, alguns méritos: Ramey, Furlanetto, Varady, Winbergh são intérpretes demasiado bons para serem ignorados. A leitura orquestral peca por ser demasiado pesada, de que é emblemática uma «Overture» de um peso aterrador, quase brahmsiana. Enfim, na sua globalidade, não creio que seja uma leitura tão asquerosa assim!

Il Dissoluto Punito disse...

LUÍS,

Experimente o Don de Von Karajan dos anos 1970, em Salzburgo, com Ghiaurov (ORFEO) e depois diga-me! Apesar dos méritos que descreve, creio ser uma alternativa decrépita...

Quanto à encomenda, digo-lhe que, no ano passado, em Madrid, estive com esse Don e todas as outras óperas dirigidas por Muti no alla Scala (cerca de umas maravilhosas 15) por escassos 50 euros!!! Veja lá quanto lhe pedem só por esse Don!
;-)))

Anónimo disse...

Caro co-bloger Luís Froes,
Desculpe meter-me na conversa. Eu conheço muito bem esse Don do Scala, pois tenho-o há uns dez anos. Eu acho superior o Karajan / Ramey em Salzburgo, que também tenho. Para comprar esse do Scala, como o João disse, só a bom preço.
Na minha opinião e em desacordo com o João acho o Thomas Allen um Don médio. A melhor do Scala é sem dúvida a Gruberova na Dona Ana. Ann Murray canta bem, mas no limite. Leporello e Zerlina nada de especial e um Don Ottavio fraquíssimo (Araiza). Em Salzburgo tem duas Donas respeitáveis e uma Zerlina e um Leporello de sonho.

Raul disse...

O comentário anterior foi meu.

Luís Froes disse...

Caro João,

Creio que a colecção de que fala será a colecção do Scala, que ando há uns tempos a namorar. Contém, se não me engano, para além do Don, uma Cosí dirigida por Muti, uma La Donna del Lado, com June Anderson (!), que também me interessa, pelo que, se apanhar a coleccção a baixo preço, vou por aí, sem dúvida!

Luís Froes disse...

Caro Raul,

Tenho também o Don de Karajan, em Salzburgo, já no fim da sua vida. Considero que está longe de ser uma versão definitiva, daí manter a busca por uma versão vídeo que a supere. Em áudio, creio que Giulini, Krips, Muti, Solti, Böhm (que era mozartiano até à quinta casa!) superam esta leitura de Karajan, que, não obstante o património vocal de grande valor (Ramey compõe um belo Don Giovanni, Furlanetto dá cartas em termos vocais e dramáticos, Varady dá corpo a uma Donna Elvira furiosa, indignada e indignante, e canta, a meu ver, maravilhosamente!, e Winbergh é muito superior a Araiza, diria eu, sem conhecer a versão de Muti. Sucede que a Donna Anna de Anna Tomowa-Sintow não me apraz e - discordo completamente de si - a Zerlina de Battle representa, a meu ver, um malogro em termos dramáticos.
A regência, como já referi, parece-me pesada, própria de uma obra romântica, esquecendo que Mozart era capaz de tocar os temas mais complexos da condição humana sem desprezar a delicadeza, a leveza e a doçura.

Hugo Santos disse...

Caro João,

quem me tira o DVD dirigido por Furtwangler, tira bastante...

Caro Raul,

a Sinfonia Fantástica abre caminho para todo um "sinfonismo" que se estende para lá da segunda metade do séc.XIX até ao romantismo tardio mahleriano. Uma obra verdadeiramente revolucionária.

Hugo Santos disse...

Caro João,

aproveito o tema para lhe perguntar qual o seu registo vídeo favorito do Don Giovanni. Estou a pensar em adquirir o DVD dirigido por Riccardo Muti com o Don de Carlos Alvarez. Uma performance muito bem referenciada, pelo que me foi dado a ler.

Il Dissoluto Punito disse...

Hugo,

O Don do Furt é soberbo, mas a qualidade da imagem é o que se sabe...

Il Dissoluto Punito disse...

Hugo,

O Don do Furt é soberbo, mas a qualidade da imagem é o que se sabe...

Il Dissoluto Punito disse...

Luís,

A colecção é essa mesma , a do scala ;-)