domingo, 26 de dezembro de 2010

Um Werther wagneriano, touché para la main de Dieu


(Jonas Kaufmann, protagonista de Werther - Opéra National de Paris, Janeiro de 2010)

Filmado em Paris, em Janeiro último,
este Werther constitui um documento absolutamente histórico, devendo figurar em qualquer dvdteca clássica que se preze.

Werther, figura ultra-romântica por excelência, condenado ao infortúnio, nesta produção, ganha uma pujança inusitada, impregnando-se de uma dinâmica wagneriana.

Benoît Jacquot assina uma mise-en-scène límpida, escorreita e altamente depurada, dominada por tonalidades afins com a melancolia. Os espaços são imensos, encontrando-se desnudos, sem ponta de excesso. Os cinzas dominam, a par de uma iluminação asceta. No guarda-roupa há um requinte contido, próximo do frugal.

Jacquot privilegia o drama, sublinhado pela interpretação dos artistas. Os gestos e movimentação cénica são muito doseados e ponderados. O canto e a interpretação falam mais alto, neste trabalho sublime. Cenários e demais adereços constituem meros suportes.

Kaufmann e Koch, ossia Werther e Charlotte (Tristan und Isolde…) operam um milagre, sob o olhar paternal de Plasson (Kurwenal, Rei Mark…), figura mítica da lírica, injustamente tratada en dehors de la France.

Jonas Kaufmann, de voz solar e baritonal, com uma elegância pujante e um sentido lírico deslumbrante, propõe-nos O Werther wagneriano definitivo: dilacerado, corroído por um amor impossível, entrega-se voluntariamente à morte libertadora, derradeira saída para o seu desmesurado infortúnio. A dicção e o francês são modelares. A figura e presença fazem o resto. Estamos diante de um sonho…

Sophie Koch compõe uma Charlotte ímpar, com um sentido dramático arrebatador. A nobreza da sua interpretação é transbordante: de gestos finos, coração escravo do dever, abnegada e conformada, também ela, com o fado que a une ao desamor…

Permito-me sublinhar a colossal lição de teatro e canto que constitui todo o terceiro acto, a começar com a cena de cartas (onde Koch está inexcedível). A progressão dramática é soberana, bordejando os dois intérpretes o paroxismo.

O resto do elenco não destoa: Vernhes (Bailli) soberano, Gillet (Sophie) soubrette, comme il faut, e Tézier (Albert) aristocrata.

Plasson, como adiantei, constitui o terceiro vértice deste génio. Domina este repertório como poucos – escute-se o seu
Faust, com as forças orquestrais de Toulouse. Sob a sua majestosa direcção, a orquestra da Opéra Nationale de Paris oculta as suas inúmeras fragilidades. O fosso orquestral transpira poesia!

Cinco estrelas, adornadas por três outras adicionais: a grandeza de Kaufmann, a pathos de Koch a soberania de Plasson…

Direitinho para a coluna do Best of 2010!

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* * * * * ( * * * )
(8/5)

3 comentários:

J. Ildefonso. disse...

Grande noite de ópera.
Estive lá e recomendo vivamente. O Kaufman obviamente não é o Kraus.Inscreve-se noutra tradição igualmente antiga dos cantores que frequentavam o Werther e Wagner simultaneamente.

blogger disse...

Tb me calhou esse no sapatinho! Hei-de ver este fds e dps tb te digo o que acho. mas do que vi no canal medicci, pareceu-me realmente fenomenal.

Mr. Lg, el Mister disse...

Quando o apanhar nos escaparates...
não olho se o IVA estiver a 23%
:-D :-D ;-)
LG