segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pas assez chaude, ma belle Elina, pas assez chaude...


(DG 477 8776)


Que o Fado fascine os nipónicos, não me espanta! Enobrece-os, mergulhando-os na poética e melancólica dinâmica da Saudade, cuja essência apenas poderão vislumbrar... Que uma nipónica interprete o Fado, o mais provável é ser algo afim com o logro.

A lírica, contudo, possuirá maior abrangência do que o Fado, ou outra qualquer canção nacional. Os grandes intérpretes da ópera italiana não serão, necessariamente, italianos! Os maiores Cavaradossi da actualidade – a título de exemplo – são Álvares (argentino) e Kaufmann (alemão). Didonato será, porventura, a mais completa Rosina dos nossos dias; Mattila é uma Jenufa de génio, Fleming uma Russalka de antologia, and so on...

Sobre este ponto, estamos conversados.

Vem esta prosa na sequência do mais recente registo de Elina Garanca, consagrado ao universo gitano – ibérico.

Garanca é uma excelsa cantora, dotada de grande plasticidade, que lhe permite abordar um repertório eclético: saltita do belcanto para a ópera francesa romântica, revitaliza Mozart e os travestis do barroco (já para não mencionar Octavian, de Strauss!).

A voz transpira frescura e uma vitalidade marcante. O brilho e o timbre apresentam inquestionáveis afinidades com a nórdica Von Otter, uma verdadeira aristocrata camaleónica da lírica. A técnica é mágica – o seu Rossini (particularmente a agilidade da Angelina que interpretou no Met) situa-se ao nível de uma Horne, Bartoli ou Didonato.

O fascínio da mezzo báltica pelo universo ibérico – hispânico, em particular – data de há muito tempo. Inclusive, Garanca domina o idioma castelhano. Aliás, como é sabido, recentemente, abordou o papel titular de Carmen, um pouco por todo o mundo lírico, com críticas maioritariamente favoráveis. Pessoalmente, mantenho as minhas reservas.

Elina Garanca é nórdica, para o bem – a disciplina, rigor e controlo técnicos – e para o mal – tendencialmente fria e reservada, nas abordagens teatrais e interpretativas.

Neste registo específico, Garanca revela a mestria de um canto seguro, metódico e disciplinadíssimo, aliado a um timbre fino e delicado. Já no terreno interpretativo, a coisa pia de outro modo.

Os registos eminentemente líricos (Montsalvage) e buffos (Bernstein) impressionam o espectador. Contudo, as suas habilidades no domínio do drama e pathos mostram fragilidades evidentes.

A sua Carmen não tem salero algum. Sem sedução, nem chama, Elina Garanca desenha uma personagem escolar: correcta, mas desabitada. Excessivamente cerebral e contida – sem as víscera, nem o sangue fervilhante de uma Berganza, derradeira titular desta mítica figura da ópera -, a mezzo oriunda da longínqua Letónia, nesta interpretação específica (a que consagra os florões de Carmen – as três árias mais célebres), evidencia parcos recursos histriónicos, que remetem a sua interpretação para o domínio da mera curiosidade.

Sejamos justos: não fora a sua magra e contida Carmencita e este seria uma registo a sublinhar!

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(4/5)

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