(Renée Fleming, em Thaïs, Met Opera House)
Thaïs, de Massenet, é uma ópera pouco relevante, roçando a mediania. Pouco original, explora banalidades e facilidades melódicas até à exaustão.
Como – sabiamente - alguém disse, Thaïs apenas se reveste de interesse, caso a protagonista revele excelsas qualidades líricas (sobretudo) e dramáticas.
A personagem principal é uma escrava de Eros, prestando vassalagem a Vénus. Thaïs é, psicanaliticamente, uma histérica, que tudo sacrifica em nome do prazer e desejo. Deseja e faz-se desejar, enlouquecendo (-me)...
A conversão apenas transforma o objecto da sua devoção: da carne, transita para o espírito (santo), investindo um e outro com o mesmo fervor fanático, quase orgástico.
A presente interpretação é absolutamente antológica, graças à superlativa qualidade lírica e cénica de Fleming e Hampson: ambos são monstruosos, no mais nobre dos sentidos.
Não fora a divina prestação de ambos e Thaïs não passaria, como disse, de uma vulgar peça lírica, com aspirações a obra de reportório.
A encenação transpira uma megalomania assumidamente kitsch, com dourados e veludos a rodos. Os cenários são imensos, ricamente coloridos e ornamentados, quase ofuscando os incautos. Ainda assim, há uma espontaneidade infantil no trabalho de Cox, que torna esta mise-en-scène num objecto de relativo interesse.
Evidentemente, tudo gira em torno da fabulosa Fleming, vestida por Lacroix, também ele um sucedâneo do kitsch...
Fleming faz história, nesta indispensável Thaïs. Ou muito me engano, ou a impotência masculina desconhece esta fonte de excitação: diante do visionamento da lascívia de Renée, o famigerado Viagra é coisa pretérita!
Renée Fleming é, por norma, uma intérprete morna, sendo o teatro o seu calcanhar de Aquiles. A voz matizada, de ouro, cravejada de diamantes, é um sonho, sem grande paralelo: passa do lirismo supremo à volúpia, com uma graciosidade e elegância impressionantes. A idade não lhe retirou ponta de segurança. Os pianissimi são cristalinos e devidamente apoiados; os agudos atrevidíssimos e ousados...
Depois vem a cereja, que encima o bolo: a interpretação...
Fleming é a embaixadora de Massenet, como havíamos observado em Manon. Nem Dessay, nem a tórrida Netrebko habitam a desafortunada protagonista como a intérprete americana: a todo o instante, Renée Fleming surpreende-nos!
Nesta Thaïs, entra em cena pela porta da luxúria, terminando mística, sempre em êxtase, histericamente. A progressão dramática e maturidade interpretativas são colossais: a lascívia, a sensualidade (sem ponta de vulgaridade), os trejeitos que adornam a sedução irresistível, a viragem da conduta, a conversão, o recato insidioso...
Sigo a carreira desta criatura tocada pela mão divina há cerca de quinze anos, tendo assistido, in loco, a algumas das suas interpretações. Sem a mais pequena hesitação, considero Thaïs a mais extraordinária investida de Renée Fleming, remetendo Manon e Rusalka – papéis onde não tem rivais - para lugares secundários. O maior soprano lírico revitaliza um dos supremos papeis líricos.
Um defeito, um deslize, uma marca humana, clamará o avisado leitor! Uma, apenas: o francês, insuficientemente fluido e aberto...
Depois, para cúmulo, há Hampson...
Uma graça nunca vem só!
Thomas Hampson é um diseur de referência, educado na escola do lied: ama a palavra e recita-a religiosamente. O seu francês bordeja a perfeição.
Já cinquentão, Hampsosn revela certa fadiga, nomeadamente na endurance. Contudo, a referida qualidade da sua dicção, aliada à robustez dramática do seu Athanaël – de um ascetismo e austeridade tremendos -, fazem desta interpretação uma referência.
Quanto aos demais actores, balanceiam entre o bom – Schade e Partridge – e o óptimo – López-Cobos e orquestra.
Em boa verdade, há obras menores que, interpretadas por figuras divinas, ganham importância! Tal é o caso de Thaïs!!!
_______Thaïs, de Massenet, é uma ópera pouco relevante, roçando a mediania. Pouco original, explora banalidades e facilidades melódicas até à exaustão.
Como – sabiamente - alguém disse, Thaïs apenas se reveste de interesse, caso a protagonista revele excelsas qualidades líricas (sobretudo) e dramáticas.
A personagem principal é uma escrava de Eros, prestando vassalagem a Vénus. Thaïs é, psicanaliticamente, uma histérica, que tudo sacrifica em nome do prazer e desejo. Deseja e faz-se desejar, enlouquecendo (-me)...
A conversão apenas transforma o objecto da sua devoção: da carne, transita para o espírito (santo), investindo um e outro com o mesmo fervor fanático, quase orgástico.
A presente interpretação é absolutamente antológica, graças à superlativa qualidade lírica e cénica de Fleming e Hampson: ambos são monstruosos, no mais nobre dos sentidos.
Não fora a divina prestação de ambos e Thaïs não passaria, como disse, de uma vulgar peça lírica, com aspirações a obra de reportório.
A encenação transpira uma megalomania assumidamente kitsch, com dourados e veludos a rodos. Os cenários são imensos, ricamente coloridos e ornamentados, quase ofuscando os incautos. Ainda assim, há uma espontaneidade infantil no trabalho de Cox, que torna esta mise-en-scène num objecto de relativo interesse.
Evidentemente, tudo gira em torno da fabulosa Fleming, vestida por Lacroix, também ele um sucedâneo do kitsch...
Fleming faz história, nesta indispensável Thaïs. Ou muito me engano, ou a impotência masculina desconhece esta fonte de excitação: diante do visionamento da lascívia de Renée, o famigerado Viagra é coisa pretérita!
Renée Fleming é, por norma, uma intérprete morna, sendo o teatro o seu calcanhar de Aquiles. A voz matizada, de ouro, cravejada de diamantes, é um sonho, sem grande paralelo: passa do lirismo supremo à volúpia, com uma graciosidade e elegância impressionantes. A idade não lhe retirou ponta de segurança. Os pianissimi são cristalinos e devidamente apoiados; os agudos atrevidíssimos e ousados...
Depois vem a cereja, que encima o bolo: a interpretação...
Fleming é a embaixadora de Massenet, como havíamos observado em Manon. Nem Dessay, nem a tórrida Netrebko habitam a desafortunada protagonista como a intérprete americana: a todo o instante, Renée Fleming surpreende-nos!
Nesta Thaïs, entra em cena pela porta da luxúria, terminando mística, sempre em êxtase, histericamente. A progressão dramática e maturidade interpretativas são colossais: a lascívia, a sensualidade (sem ponta de vulgaridade), os trejeitos que adornam a sedução irresistível, a viragem da conduta, a conversão, o recato insidioso...
Sigo a carreira desta criatura tocada pela mão divina há cerca de quinze anos, tendo assistido, in loco, a algumas das suas interpretações. Sem a mais pequena hesitação, considero Thaïs a mais extraordinária investida de Renée Fleming, remetendo Manon e Rusalka – papéis onde não tem rivais - para lugares secundários. O maior soprano lírico revitaliza um dos supremos papeis líricos.
Um defeito, um deslize, uma marca humana, clamará o avisado leitor! Uma, apenas: o francês, insuficientemente fluido e aberto...
Depois, para cúmulo, há Hampson...
Uma graça nunca vem só!
Thomas Hampson é um diseur de referência, educado na escola do lied: ama a palavra e recita-a religiosamente. O seu francês bordeja a perfeição.
Já cinquentão, Hampsosn revela certa fadiga, nomeadamente na endurance. Contudo, a referida qualidade da sua dicção, aliada à robustez dramática do seu Athanaël – de um ascetismo e austeridade tremendos -, fazem desta interpretação uma referência.
Quanto aos demais actores, balanceiam entre o bom – Schade e Partridge – e o óptimo – López-Cobos e orquestra.
Em boa verdade, há obras menores que, interpretadas por figuras divinas, ganham importância! Tal é o caso de Thaïs!!!
* * * * *
(6/5)
nota 1: as legendas deste artigo apresentam falhas e omissões que comprometem o acompanhamento da peça, hélas!
nota 2: as frases a bold destinam-se aos psis, sobretudo
nota 3: o espectador que resistir ao encanto da protagonista com Athanaël, no acto II, não é humano!
nota 2: as frases a bold destinam-se aos psis, sobretudo
nota 3: o espectador que resistir ao encanto da protagonista com Athanaël, no acto II, não é humano!
6 comentários:
6/5? Isso é que é falar :-P
Caros Dissoluto e Plácido Zacarias:
na minha (modesta) opinião,
6/5?
Isso é que é EXAGERAR :-P ... um pouco. ;-))
LG
Caríssimo Dissoluto, 6/5!!! Mais moderação, mais percentagem de cérebro, por favor, ou este tipo de classificação fica desacreditado. A Thaïs pode ter os melhores cantores do mundo, mas o material limita-a. Se esta gravação tem tal classificação, o que é que dará à Tosca do di Sabata/Callas e ao Tristão do Furtwangler/Flagstad?
Raul
Caros,
Claro que o material de base enferma de limitações, que descrevi. Ainda assim, a qualidade dos intérpretes é de tal envergadura, que me vi obrigado a rebentar com a escala :)
Está tudo maluco! é o que é!
A Aria de Athanael é das minhas preferidas para cantar aqui em casa porque é bastante acessivel e as vezes até me convenço que devia era tirar um curso de canto! hahaha :P
Rebentar a escala é a melhor coisa da vida,sem incoerência o mundo não anda,nem gira.
As escalas fizeram-se para rebentar e a fala do coração é assim.Eu entendo.
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