domingo, 2 de novembro de 2008

A Decadência estética

No último quartel do século XX, o papel titular de Salome (Richard Strauss) esteve a cargo de seis grandes intérpretes: Rysanek, Behrens, Caballé, Stratas, Studer e Malfitano.


(NVC ARTS 9031-73827-2)

Comercialmente, Malfitano é a única a ter perpetuado a sua singular interpretação em registo vídeo, em duas ocasiões. O presente dvd corresponde à sua primeira Salome, captada ao vivo, em 1990, em Berlim.

A encenação desta produção roça a mediocridade e mau gosto, maugrado o realismo e qualidade de alguns elementos (nomeadamente o guarda-roupa). Os cenários indignos – porventura toleráveis num teatro de província – dão conta de uma estética cega e trôpega. A direcção de actores é amadora – Simon Estes esbraceja de modo confrangedor e estéril e Malfitano oscila entre o patético (na acepção mais pejorativa da coisa) e o eloquente (cena final), teatralmente falando.

Malfitano impõe-se pela solidez vocal – ainda aquém da estridência evidenciada na magnífica produção de Bondy, de 1992 -, compondo uma personagem credível, mas algo inconsistente. A cena d’A Dança dos Sete Véus – cuja coreografia é horrenda… -, e que termina com um nu integral, é deplorável: Salome é sinónimo de decadência, mas não ao ponto a que Malfitano a revela!

Simon Estes segue o trilho da protagonista, impondo-se pela voz. Quanto à figura e interpretação, é difícil imaginar algo pior. Haverá alguma mulher na face da terra que deseje ardentemente um João Baptista orangotango, desprovido de carisma, barrigudo e que esbraceje sem o mínimo de sentido?

Para consolo, restam-nos a Herodias de Rysanek (outrora uma protagonista de antologia) e o Heródes de Hiestermann, ambos magistrais na expressão da decadência, na sua acepção mais ampla: psicológica, moral, física e estética.

Sinopoli, que registou uma das mais sublimes Salome que conheço, propõe-nos, desta feita, uma interessantíssima leitura, eminentemente dramática e catastrófica.


A decadência e sua representação não têm necessariamente de se impor pela via do mau gosto!

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(2/5)

6 comentários:

Anónimo disse...

Tenho esta Salomé e não podia estar mais de acordo. Vale pela Herodias e pelo Herodes, o que obviamente não chega. Nunca ouvi a tão afamada Salomé pela Studer. Falha minha. Eu gosto muito das "minhas" outras Salomés: Inge Borkh (e Keilberth e Hotter), Birgit Nilsson e Montsserat Caballé.

Hugo Santos disse...

Caro Raul, decerto que já terá ouvido a Salome da Studer em estúdio, dirigida pelo mesmo Sinopoli. Seguramente, a melhor gravação moderna desta ópera.

José Quintela Soares disse...

Penso que a Malfitano ficará na história de "Salome" não tanto pelas suas qualidades interpretativas do papel, mas pela ousadia de se ter despido.
Julgo que sem necessidade.
É uma tentação para os encenadores desta ópera, e como vimos em tempos recentes, nem Mattila resistiu...

Anónimo disse...

Caro Hugo,
É verdade e "sinto-me tão mal" perante o facto que, quando numa próxima vez entrar numa loja de cds, compro-a. Juro.

Hugo Santos disse...

Não perca tempo, Raul. Compre já. :)

Anónimo disse...

Rual aproveite que Fnac está com grandes descontos e essa Salomé está a um optimo preço!Passei por lá hoje e lembrei-me logo de si.