domingo, 26 de agosto de 2007

Ladrões de bicicletas

Ladrões de bicicleta é, seguramente, dos mais belos filmes a que assisti.



Do meu ponto de vista, esta película constitui uma esplendorosa ilustração da Castração, tal como Freud a definiu. Aliás, se algum movimento artístico prestou homenagem à Freudiana, por via do enaltecimento da dita Castração, inequivocamente, tal movimento foi o neo-realismo italiano.

No essencial, a Castração – que Frued define no contexto do complexo de Édipo - mais não é do que uma metáfora sobre a impotência, os limites do humano. Prosaicamente, a Castração define o humano-neurótico, como a omnipotência caracteriza o funcionamento narcísico: o reconhecimento do limite, a assunção da incapacidade – que organizam e estruturam o psiquismo do normalo-neurótico – encontram na omnipotência narcísica – autarcia, toute-puissance - o seu contrário.

Ao nível manifesto, de facto, o que as obras de Viscontti – Ossessione, Rocco e os seus irmãos, Belissima –, Rossellini – Roma, cidade aberta - e De Sica – Ladrões de bicicletas – retratam é, fundamentalmente, a adversidade poliforme, ditada pela guerra e capitalismo desumano.

Já no plano latente – cuja leitura implica uma depuração radical do manifesto -, o discurso assume outros contornos, posto que o homem – o homem do povo, entenda-se - é colocado no trilho da incapacidade: vítima de um sistema (capitalista, evidentemente) desumano e frio, o plebeu surge na sua condição mais desprotegida, incapaz de escapar ao destino, destino forçosamente adverso e inexorável.

Ora, em Ladrões de bicicletas, o olhar de De Sica sublinha a impotência de um homem do povo: a realidade plenamente adversa cerceia as aspirações de Antonio, que pretende, apenas, laborar e, por essa via, expressar a sua condição de homem, activo, produtivo, viril e leader.

O roubo da bicicleta – haverá exemplo mais eloquente da "apropriação [indevida] dos meios de produção", que tanto excitou uma certa esquerda (à época pertinente, hoje tão caduca)? – constitui, na película, a condenação derradeira do herói à impossibilidade de agir e produzir, impossibilidade tributária da suma incapacidade, bem entendido.

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