quarta-feira, 1 de agosto de 2007

La Callas, de Ponchielli

La Gioconda, de Amilcare Ponchielli, é uma ópera impregnada de aspectos ultra-românticas, com alguns laivos de verismo. À la grand opera français, há vozes para todos os registos – do soprano ao contralto, do tenor ao baixo -, ballet qb e coros omnipresentes.

Musicalmente, a ópera contém alguns aspectos interessantes, sendo que os mais destacados – nomeadamente a demanda de um soprano dramático di agilitá, potente, de voz ampla, com agudos certeiros e encorpados e graves majestosos - reenviam às características dos papeis da linha spinto; já em termos de trama, a peça é de uma inverosimilhança dificilmente suportável, bem ao jeito romântico!


A interpretação que ora comento de La Gioconda, do meu ponto de vista, contém pouco de recomendável, para além da magistral leitura d’A Callas, e da direcção de Votto – teatral e majestosa.

Apesar do elenco contar com nomes de grande peso da lírica italiana dos anos 1950, em boa verdade, os intérpretes proporcionam-nos leituras pouco interessantes.

A Laura de Barbieri é mais Azucena do que fêmea; Poggi compõe um Enzo lírico-ligeiro, em vez de verdadeiramente spinto e viril; Neri oferece-nos um Alvise banal e Silveri encarna um Barnaba muito superficial.

Quanto à Gioconda de Maria Callas… é digna de um tratado de interpretação!
O papel titular é de uma envergadura tremenda, relembrando Norma, ou Isolda. A todo o instante, requer-se uma alternância entre lirismo, agilidade e envergadura dramática.

Callas contava com escassos 29 anos, por ocasião desta gravação – a primeira oficial, de toda a sua carreira, captada em estúdio. Poucos anos antes – em 1947 -, estreara-se em Itália, na Arena di Verona, justamente com La Gioconda.

A composição da personagem revela um sentido dramático absolutamente impressionante, combinando vulnerabilidade, candura, ódio, abnegação e destrutividade.

A voz, olímpica, matiza infinitamente as facetas que a actriz explora. Desde logo, ressalta a imensa amplitude vocal, que cobre agudos pueris e luminosos, a par de graves imponente, escuros e profundos. A técnica (ainda) muito sólida, apenas deixava vislumbrar o eterno calcanhar-de-Aquiles de Maria Callas: a frágil sustentação dos agudos, dos pianissimi.

Chamo a atenção do leitor para a progressão dramática do último acto que a intérprete nos oferece, a tal ponto robusta e complexa que aniquila por completo as demais figuras!

Enfim, uma vez mais, Maria Callas insiste no seu cavalo-de-batalha: uma interpretação muito rica, altamente complexa, multifacetada, teatral, sem meias-tintas, nem compromissos, sem pudor, nem contenção. Com ela, as mulheres amam e odeiam, com as vísceras. A brutalidade é plenamente vivida, com pathos!
Foi por esta via que se tornou lendária e fez escola, pois em matéria de técnica, todos sabemos quão frágil era.

Posto isto, caro e paciente leitor, adquirir esta La Gioconda permitir-lhe-á privar com a interpretação total e absoluta do papel-titular, sem qualquer tipo de precauções!

Assumidamente desconhecendo outras leituras do papel, arrisco considerar a d’A Callas como definitiva.

Dir-me-ão…

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Dissoluto,
Como era de deduzir de um anterior comentário não posso concordar consigo ao não recomendar esta gravação pelo acompanhantes da Callas. Tudo é cantado com excelentes vozes, num estilo cem por cento italiano.
Sobre a heroína só é superada pela Callas de 1959, cujos acompanhantes, embora com dois grandes cantores (Cossoto, Cappuccilli)são no seu conjunto inferiores ao desta gravação.
Se não existisse a Callas, a inultrapassável Gioconda (uma das suas grandes identificações), eu escolheria a única gravação em estúdio da Cerquetti, cujo acompanhamento, como já referi nesse comentário anterior, não tem rival na discografia.
Mais modernamente eu não hesitaria: Cabballé/Pavarotti.
Raul