sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Édipo chez Visconti



Em Ossessione, Visconti brinda-nos com uma revisitação da situação edipiana, tal como Freud a concebeu (a partir de Sófocles).

Dir-me-á o leitor que a trama do filme foi decalcada de O carteiro toca sempre duas vezes. Indubitavelmente! Ainda assim, não mudo uma vírgula à leitura psicanalítica da citada trama, seja ela proveniente de Ossessione ou d’O carteiro toca sempre duas vezes. Senão, vejamos a coisa pelo prisma da ciência freudiana.

Desde logo, o amor de Gino por Giovanna contém a marca do interdito, posto que a jovem se encontra unida a Bragana, homem substancialmente mais velho. Bragana representa o pai edipiano, poderoso – castrador (por via da autoridade que encerra: o dono, o proprietário, o representante da lei, do interdito) e afectuoso – acolhedor (que recebe Gino em sua casa, oferecendo-lhe protecção, guarida e trabalho).

O pai - Bragana é produto da ambivalência: ama-se e odeia-se, suscitando, em simultâneo, um desejo de proximidade – identificação e um ódio brutal, cujo anseio parricida constitui o exemplo sumo.

A própria entrada em cena de Gino - que vem da estrada, penetrando na casa do casal - comporta uma óbvia alusão à cena primitiva, que mais não é do que o desejo infantil de penetrar e / ou assistir na / à intimidade do casal parental.

A união de Gino a Giovanna – de Édipo a Jocasta, melhor dito - será, neste quadro, a concretização do desejo proibido: a união incestuosa, apenas tornada possível pelo parricídio.

Obviamente, a morte do progenitor não facilita a união proscrita, antes a condenando! A culpabilidade secundário ao(s) crime(s) – o incesto e o parricídio -, na película, determina a sua dissolução: Gino, num rasgo exogâmico, abandona Giovanna, unindo-se à prostituta. Tarde de mais...

O castigo supremo – a morte da mãe-amada, no acidente de automóvel, e o subsequente ajuste de contas com a lei-paterna -, constitui a marca da castração (que na tragédia se materializa no vazamento dos olhos, pelo próprio Édipo).

Segundo consta, a personagem Spagnuolo constitui uma das maiores liberdades de Visconti, dado que, em Ossessione aquele adquire uma centralidade e espessura em tudo estranhas ao original.

Spagnuolo – que no filme representa a orientação homo – oferece-se a Gino como alternativa ao amor interdito.

A conflitualidade dos amores interditos – o incestuoso (sobretudo) e o homo, alternativo – sublinha, pois, a dimensão neurótica da personagem Gino, irremediavelmente agrilhoado a uma tenaz luta entre desejo e defesa contra a realização do mesmo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente!

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Adorei.
Até coloquei nos meus scraps sobre o filme de visconti.
Meu email é anne.bancroft1931@gmail.com