(DECCA 467 049-2 )
Na lírica, o maneirismo nada mais é do que um plus, absolutamente gratuito, que o intérprete decide acrescentar - seja no tocante à decoração melódica (a não confundir com ornamentação ou coloratura), seja no que se refere à postura cénica. Trata-se, assim, de personalizar o que se interpreta, desvirtuando o texto e / a melodia, com o propósito puro e simples de brilhar.
A meu ver, trata-se de um exercício narcísico, inscrito num jogo de afirmação-de-si. Se quisermos, o maneirismo é um jogo de poder entre o intérprete e a obra, jogo esse em que o primeiro procura ofuscar e subvalorizar a dita obra, desvirtuando-a.
Ora, neste registo, Fleming surpreende, pela pior das razões.
Sucintamente, Renée Fleming mantém a sanidade vocal.
A voz - de uma beleza etérea -, cintila: o vibrato revela um controlo estupendo, de onde resulta uma pureza cristalina na emissão.
A leitura dramática, invariavelmente, é pobre, tanto mais que a grande maioria das árias aqui presentes provém de papéis que a artista nunca interpretou cenicamente. Para quem, já de si, revela dificuldade em enriquecer dramaticamente as personagens interpretadas. . .
A excepção a esta fragilidade é a Manon, que Fleming interpretou sobejamente em diferentes cenas líricas mundiais - Met e Bastille, além de outras. No caso desta personagem, Fleming é exímia, construíndo uma Manon arrebatada, frágil e dorida, com uma apreciável espessura dramática.
Bom, até aqui, nada de novo.
O pior deste registo reside, justamente, nos intermináveis maneirismos da artista, que a seu bel- prazer prolonga notas (altera outras!!!), acrescenta cadenzas, floreia e ornamente, sem revelar respeito algum pelas partituras - já para não mencionar os textos.
6 comentários:
Ouvi recentemente a Fleming no D. Giovanni do MET e conheçi uma antora que não conheçia! Todos os registros que conheçia da cantora mostravam uma voz lindissima, uma técnica apurada e uma apatia dramática preocupante em alguém tão dotado ou então pareçiam-me puramente "lúdicos" e inconsistentes dramáticamente uma espécie de composição vocal.... um pouco de Schwarzkopf, um pouco de della Casa e porque não um pouco de Caballé?
Fiquei a saber que em determinadas circunstançias a Fleming pode ser uma cantora muitissimo excitante e vou investigar as suas gravações à procura de outros exemplos.... infelizmente a maioria dos seus registros pareçem tão comerciais.... e "produzidos" que desmotivam qualquer um:-)))
J. Ildefonso.
O valor de uma cantora vê-se bem numa representação ao vivo. No estúdio, se não está bem, volta atrás ou vai descansar para repousar a voz.
Raul
O D. Giovanni que referi é o d.v.d. do Met ao vivo. A Fleming pareçe-me uma extraordinária cantora em termos puramente técnicos mas muito preguiçosa em termos interpretativos. Talvez precise dum maestro que a estimule, ou de parceiros com quem sinta cumplicidade, não sei.... os resultados às vezes são desesperantes de tão prosaicos com tanta materia prima.
J. Ildefonso.
Caro João,
Se procuras uma Fleming inspirada, disciplinada e melódica, experimenta o Così, dirigido pelo Solti... Depois dir-me-ás ;-)))
Em Mozart, na actualidade, é do melhorio, juntamente coma discreta Isokoski!
João,
A fragilidade dramática da Fleming perto da treta da encenação não é nada!
A encenação deste Don Giovanni - com Terfel e Fleming - é do mais convencional que alguma vez vi, no pior dos sentidos!
Tem razão a encenação é terrivelmente convencional. Especialmente o final do primeiro acto perfeitamente anti-Mozartiano no seu estaticismo.... Mesmo assim a Fleming consegue entusiasmar no seus solos.... talvez exactamente porque são solos... tendo em conta a mediocridade da encenação:-))))
J. Ildefonso.
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