quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Do maneirismo...

Numa época tão prolixa em maneirismo vocais e / ou dramáticos, eis um dos mais caricaturais exemplos:

(DECCA 467 049-2 )


Na lírica, o maneirismo nada mais é do que um plus, absolutamente gratuito, que o intérprete decide acrescentar - seja no tocante à decoração melódica (a não confundir com ornamentação ou coloratura), seja no que se refere à postura cénica. Trata-se, assim, de personalizar o que se interpreta, desvirtuando o texto e / a melodia, com o propósito puro e simples de brilhar.

A meu ver, trata-se de um exercício narcísico, inscrito num jogo de afirmação-de-si. Se quisermos, o maneirismo é um jogo de poder entre o intérprete e a obra, jogo esse em que o primeiro procura ofuscar e subvalorizar a dita obra, desvirtuando-a.

Ora, neste registo, Fleming surpreende, pela pior das razões.

Sucintamente, Renée Fleming mantém a sanidade vocal.
A voz - de uma beleza etérea -, cintila: o vibrato revela um controlo estupendo, de onde resulta uma pureza cristalina na emissão.

A leitura dramática, invariavelmente, é pobre, tanto mais que a grande maioria das árias aqui presentes provém de papéis que a artista nunca interpretou cenicamente. Para quem, já de si, revela dificuldade em enriquecer dramaticamente as personagens interpretadas. . .

A excepção a esta fragilidade é a Manon, que Fleming interpretou sobejamente em diferentes cenas líricas mundiais - Met e Bastille, além de outras. No caso desta personagem, Fleming é exímia, construíndo uma Manon arrebatada, frágil e dorida, com uma apreciável espessura dramática.

Bom, até aqui, nada de novo.

O pior deste registo reside, justamente, nos intermináveis maneirismos da artista, que a seu bel- prazer prolonga notas (altera outras!!!), acrescenta cadenzas, floreia e ornamente, sem revelar respeito algum pelas partituras - já para não mencionar os textos.

6 comentários:

Anónimo disse...

Ouvi recentemente a Fleming no D. Giovanni do MET e conheçi uma antora que não conheçia! Todos os registros que conheçia da cantora mostravam uma voz lindissima, uma técnica apurada e uma apatia dramática preocupante em alguém tão dotado ou então pareçiam-me puramente "lúdicos" e inconsistentes dramáticamente uma espécie de composição vocal.... um pouco de Schwarzkopf, um pouco de della Casa e porque não um pouco de Caballé?
Fiquei a saber que em determinadas circunstançias a Fleming pode ser uma cantora muitissimo excitante e vou investigar as suas gravações à procura de outros exemplos.... infelizmente a maioria dos seus registros pareçem tão comerciais.... e "produzidos" que desmotivam qualquer um:-)))

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

O valor de uma cantora vê-se bem numa representação ao vivo. No estúdio, se não está bem, volta atrás ou vai descansar para repousar a voz.
Raul

Anónimo disse...

O D. Giovanni que referi é o d.v.d. do Met ao vivo. A Fleming pareçe-me uma extraordinária cantora em termos puramente técnicos mas muito preguiçosa em termos interpretativos. Talvez precise dum maestro que a estimule, ou de parceiros com quem sinta cumplicidade, não sei.... os resultados às vezes são desesperantes de tão prosaicos com tanta materia prima.

J. Ildefonso.

Il Dissoluto Punito disse...

Caro João,

Se procuras uma Fleming inspirada, disciplinada e melódica, experimenta o Così, dirigido pelo Solti... Depois dir-me-ás ;-)))

Em Mozart, na actualidade, é do melhorio, juntamente coma discreta Isokoski!

Il Dissoluto Punito disse...

João,

A fragilidade dramática da Fleming perto da treta da encenação não é nada!
A encenação deste Don Giovanni - com Terfel e Fleming - é do mais convencional que alguma vez vi, no pior dos sentidos!

Anónimo disse...

Tem razão a encenação é terrivelmente convencional. Especialmente o final do primeiro acto perfeitamente anti-Mozartiano no seu estaticismo.... Mesmo assim a Fleming consegue entusiasmar no seus solos.... talvez exactamente porque são solos... tendo em conta a mediocridade da encenação:-))))

J. Ildefonso.