Aqui há tempos, por altura do (meu subjectivíssimo) balanço operático de 2005, aludi a esta proposta de Der Fliegende Holländer.
Agora, vamos a impressões mais detalhadas!
Agora, vamos a impressões mais detalhadas!
(Der Fliegende Holländer - DG 00440 073 4041, dvd)
Nesta produção, Senta assume uma centralidade polémica e discutível, em tudo inovadora.
Desde a primeira hora, esta personagem afirma-se como epicentro de toda a trama, personagem de fronteira entre o mundo real, terreno e vil - o de Daland e seus súbditos - e o espiritual, dos valores supremos, a que o Holandês aspira ansiosamente, representando-os.
Kupfer coloca-a num registo absolutamente desrealizado, entre espírito e matéria, com um mandato impossível: consubstanciar a redenção do Holandês.
Impossível porque, invariavelmente, na psicologia wagneriana - que constitui o paradigma da problemática ultra-romântica - a morte, a tragédia e o pessimismo triunfam, num cenário marcado pela inexorabilidade da perda.
À excepção de Die Meistersinger, chez Wagner, a estrutura da trama é algo inflexível...
A este propósito, diriam os psicanalistas que a elaboração da posição depressiva constitui uma miragem, num universo marcado pela ansiedade de perda, bordejando a melancolia, que Wagner veste e adorna magistralmente, com roupagens românticas, longas, pesadas e dilacerantes.
Nesta produção, que à época fez furor e escândalo em Bayreuth - antecedendo a lógica de ruptura de Chéreau n´O Anel -, apreciei muitíssimo a dimensão plástica, que se encontra totalmente submissa ao traçado da insanidade de Senta.
O mor das vezes, esta figura paira, evitando fixar-se na terra ou no céu... A saída, que se vislumbra desde a primeira hora, é a morte, materialização possível - ainda que paradoxal...-, mas insuficiente, da almejada redenção.
Ao longo da representação, todo o cenário sofre mutações, conservando Senta a sua posição central.
As cores carregadas e o corte abrupto dos cenários sublinham um clima de asfixia e temor indesmentível...
Apenas Senta irradia luminosidade, numa clara alusão à sua missão...
A meu ver, esta produção afirma-se, ainda, pela soberba direcção de actores, absolutamente convincente.
Musicalmente, este O Navio Fantasma triunfa pela soberania - embora algo monocromática - de Simon Estes, baixo americano de aparência viril e robusta.
A voz escura e ampla irradia um colorido emocional muito próximo do desespero. A mímica, não sendo muito rica, é convincente.
(Simon Estes, na pele de Holandês)
O Daland de Salminen é primoroso dramaticamente!
Não entendo o que fez este notável baixo finlandês virar-se para Mozart, anos mais tarde, quando as suas interpretações wagnerianas se afirmavam pela excelência...
Salminen evidencia, com inegável mestria, a ganância vil e escabrosa que domina o pai de Senta. Até no riso é soberano!
(Matti Salminen, como Daland)
Quanto à Senta de Balselev... será, a meu ver, a mais paradoxal das intérpretes.
Se é verdade que triunfa na materialização da centralidade que o encenador lhe atribuíra, compondo uma insana de antologia, que domina toda a trama, vocalmente a sua prestação ronda a mediania.
A voz, que não é particularmente bela, conta com uma técnica hesitante e com meios limitados - falta de extensão e flexibilidade, sobretudo, além de um vibrato mal controlado.
Ainda assim, o seu colossal talento cénico coroam de glória a sua prestação.
As prestações de Nelsson e da orquestra pareceram-me correctas, sem mais.
Se é certo que a fluidez e a homogeneidade pautaram a prestação de ambos, certa é também uma notória falta de brilho e robustez dramática.
Em meu entender, não sendo este O Navio Fantasma primoroso no que à musicalidade concerne - haverá algum melhor do que o de Dorati (DECCA 455 904-2) ou mesmo o de Reiner (NAXOS Historical 8.110189-90), com Hotter e Varnay nos papeis titulares ? -, merece um lugar ao sol pela ousadia de uma produção absolutamente vanguardista (à época...)
***
Uma palavra de apreço a Henrique Silveira (do Crítico), pela simpática referência a este blog!
Quanto a Wagner, meu caro... temos a vida toda para dele falar...
Pode ser que nos encontremos pelas bandas de Bayreuth, Glyndebourne... ou Lisboa (por ocasião d´O Ouro do Reno, esta temporada), porque não!?
Quanto a Wagner, meu caro... temos a vida toda para dele falar...
Pode ser que nos encontremos pelas bandas de Bayreuth, Glyndebourne... ou Lisboa (por ocasião d´O Ouro do Reno, esta temporada), porque não!?
2 comentários:
Caríssimo Dissoluto,
Acha o divino Hotter em pleno no Navio Fantasma da Naxos? Eu comprei-o há um ano e arrependi-me, embora a Varnay esteja uma força da natureza.
Infelizmente não tenho opinião sobre a maior parte das outras gravações, porque não as tenho. Tenho, no entanto, o DVD da Elektra da Rysanek sobre o qual me curvo Que fabulosa caracterização a da Varnay !) Quanto à Carmen da Berganza será falha minha, mas prefiro outras (Los Angeles, Price).
Raul
Bom, o Hotter - que é um mago... - tem prestações bem mais brilhantes (Wotam, Sachs, etc.)... Mas é sempre divino, malgré tout...
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