Eis, numa fórmula condensada - necessariamente redutora - a síntese da minha opinião sobre a audição, à vol d´oiseau, da mais recente La Traviata, proposta pela DG.
O Festival de Salzburgo de 2005 contou com uma nova produção de La Traviata, dirigida por Rizzi, com um elenco super-star - Netrebko, Villazón e Hampson.
Segundo rezam as crónicas, o sucesso foi tal que, num rasgo do mais puro altruísmo, a yellow label empreendeu esforços hercúleos, com vista a proporcionar aos fieis compradores uma amostra da dita produção.
Tretas e mais tretas! A DECCA, em 1995, a propósito de uma nova produção da opera homónima, em Covent Garden (esteticamente deslumbrante, reconheça-se!), com Gheorghiu - então belíssima... -, recorreu ao mesmo argumento, absolutamente falacioso e infundado, a meu ver.
É certo que, na respeitável opinião de Ivan A. Alexandre (cf. crónica in DIAPASON - Nº 529, Outubro de 2005) -, a récita foi arrebatadora, sobretudo pela qualidade da produção e pela prestação da dupla Netrebko / Villazón.
Para o bem e para o mal, o conhecimento que tenho da citada produção deu-se via CD, via obviamente lacónica e implacável (sobretudo quando se trata de uma gravação live, como é o caso desta La Traviata), reconheço...
É esta a vil e prosaica condição de um melómano remediado...
Encurtando as considerações preliminares - que já o verbo vai longo -, dediquei parte da tarde a escutar os high-lights da prometida La Traviata da saison...
O que dizer dos (muitos) fragmentos escutados?
Anna Netrebko, jovem soprano russa, de invulgar beleza (que transpira fogosidade e lascívia...), encarna uma Violetta desabitada, fria, insensível, teatralmente mal assimilada, sem o mais pequeno resquício de coloração emocional, voilà!
Senhora de uma técnica frágil e inconsistente, apesar de ousada no ataque das notas agudas do acto I - que aborda com heroicidade, arrojo e despudor -, Netrebko estampa-se no último acto, multiplicando-se as notas ratées. Além do mais, os graves são frágeis, a dicção é deficiente - consoantes inaudíveis, pronúncia desadequada, bordejando a incompreensão -, a respiração é ofegante, mal apoiada e em notório esforço... enfim, lamentável!
Nos antípodas da construção de Anna Netrebko, Villazón compõe um Alfredo notoriamente mais sólido, ainda que convencional, na abordagem psicológica. O timbre radiosos socorre-se de uma emissão quente e cativante, mas desmesuradamente latina e um pouco exagerada, na minha opinião.
Para infelicidade nossa, o Giorgio Germont que Thomas Hampson nos oferece foi talhado à medida da prestação de Netrebko: fugaz, translúcido, superficial, a custo exibe a sua bela voz de barítono. Todos sabemos que Hampson peca pela fragilidade das prestações cénicas (que contrastam com os magníficos dotes vocais do intérprete), mas há limites inultrapassáveis!!!
Não querendo ser radical na minha apreciação, desaconselho, sem pudor algum, esta interpretação, que me parece pecar pela falta de seriedade e profissionalismo, socorrendo-se vergonhosamente do marketing para ser difundida.
Salzburgo - que aguarda melhores dias, desde há alguns anos, diga-se em abono da verdade - conta com um extenso catálogo de gravações históricas, de inegável qualidade, que jamais viram a luz do dia! Porque razão decidiu a DG comercializar esta materialização do embuste?
7 comentários:
As crianças raramente se enganam, em matéria de (bom) gosto !
Temos, portanto, mais um admirador de Terfel! O meu filho será educado na mesma linha! Acho que o Falstaff - em dvd - e o Figaro (Gardiner), no mesmo formato, são um bom começo! Go on, caríssima!
Já agora, Myhiraeth, no que concerno aos posts, tens absoluta liberdade para dissertar! Não só te agradeço, como rogo que mantenhas as tuas visitas, sempre agradáveis :-))
(não havia compreendido a tirada da poesia...)
Bom, vou gerar controversia, mas de qualquer forma deixarei aqui a minha opiniao.
Depois dessa opera ser produzida tantas e tantas vezes, acho completamtne valido utilizar a criatividade e genialidade humana para trazer frescor a obra e produzir esta maravilhosa obra de forma original.
Esta producao foi baseada em simbolos e psicologa. O relogio somboliza o tempo de vida que resta a Violetta; o vermelho de seu vestido, o pecado e a seducao (ela era um prostituta oras!!!) e estampado por camelias, ja que a obra foi baseada no romance "A Dama das Camelias" de Alexandre Dumas.
O final da aria "Sempre Libera", em que Alfredo retorna, e um simbolo dele atormentando seus pensamentos e seu coracao - na realidade ele nao estava no local. O mesmo com o pai de Alfredo, a observar tudo de cima do "muro", representando assim a influencia dele na vida do casal. E ps cenarios sao elegantes, possuem estilo.
Mas concordo que a Violetta interpretada por Netrebko e muito vulgar as vezes; faltou o romantismo original da heroina.
Tambem acredito que mudancas assim podem ate ser cruciais para manter a opera viva. Claro, nao acredito que producoes modernas venham a substituir as montagens tradicionais - so trazem mais frescor a elas.
Pessoalmente tambem prefiro que a obra seja montada com cenarios e figurinos do seculo XIX, mas abro minha mente para a criatividade.
Ha, tambem, casos em que a "modernizacao" de operas as transformou num desastre - mas nao acredito que seja o caso desta montagem em si.
E quanto ao marketing - bem, custa muuuuuito dinheiro fazer videos, e as gravadoras precisam de retorno. Mas concordo que e triste ver como a Arte esta se tornando algo tao comercial hoje em dia, infelizmente. A maioria dos DVDs de opera, e tb CDs, demoram anos e anos para tirarem as gravadoras do vermelho. O CD da opera Rusalka, gravada por Fleming, mesmo sendo um sucesso, ainda precisa vender muuuuuuito para comecar a trazer lucros. E sem lucros, nao ha capital para novas gravacoes e lancamentos.
Bom, so minha opiniao.
E acho muito interessante ouvir o que as outras pessoas tambem tem a dizer!
Parabens ao dono deste blog, pelas ideias, maneira de expressar suas opinioes e explorar assuntos relacionados a esta suprema arte que e a Opera.
Welcome! Folgo muito em receber a preceito os meus leitores!
Sabe, não conhecço a produção desta última La Travaita, a não ser pelas suas palavras... além do que a DIAPASON descreve. Tudo leva a crer que é uma óptima produção, pena é que seja tão mediocremente interpretada!
Um abraço e volte sempre,
João
A sua crítica contrasta bastante com o entusiasmo generalizado provocado pela Netrebko em Salzburgo. As que li em Espanha eram particularmente divertidas porque apenas deixavam ver isso: o extasiado entusiasmo...
As hormonas também contam no (predominantemente masculino) ofício da crítica musical e no mercado da clássica, imagino.
Mas, Teresa, ela é de uma beleza deslumbrante... C´est tout! Rien que ça...
Provavelmente, a minha opinião seria outra se a tivese visto, em cena :-)))
Falando a sério, não se espera de um cantor lírico que tenha uma bela figura! Embora haja exemplos de belas mulheres (e homens!) com inquestionáveis dotes artísticos: Te Kanawa, e o recentemente falecido Corelli. Não concorda?
Sempre giosta de café?
Um beijo,
João
Pela parte que me toca, se à genialidade vocal e interpretativa, tivermos uma bela mulher... Tanto melhor! Fico-me por LA MATTILA... pela lascívia vocal, cénica e demais...
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