quarta-feira, 8 de abril de 2009

Da Perversão menor e MAIOR no cinema

Certo público – educado, exigente e instruído - e determinada crítica – ousada e vanguardista - idolatram filmes que, sob a cosmética de valores tão abjectos como a compaixão, sacrifício, abnegação e quejandos, ocultam e propagam a dinâmica perversa.

De cor, recordo Breaking the Waves (Lars Von Trier, 1996). Esta exaltação à perversão assenta numa trama horrenda: Bess e Jan, um jovem casal, abruptamente encontram-se privados de manter um relacionamento sexual, dado que Jan – o marido – fica tetraplégico, na sequência de um acidente. Doravante, Bess é incitada pelo marido a manter vida sexual com outros homens, obrigando-se a relatar os detalhes das suas aventuras ao próprio marido. Pior ainda: a dócil e inocente rapariga crê, por via da sua conduta, contribuir para a recuperação do amado marido, irreversivelmente castrado.

Quanto amor, quanta paixão! Tamanha abnegação e espírito de sacrifício...


Tal não será o caso de Leaving Las Vegas (Mike Figgis, 1995), filme medíocre e oubliable, apenas merecedor da nossa atenção pelo notável desempenho de Nicolas Cage.

Neste filme, o alcoólico, deprimido e auto-destrutivo Ben envolve-se com Sera, uma puta, altamente perversa, totalmente escravizada pelo sado-masoquismo.

Sem entrar em detalhes, à vol d’oiseau, diga-se que Sera, "disposta a auxiliar" Ben, acolhe-o em casa, comprometendo-se a não interferir no processo autodestrutivo de Ben. De permeio, oferece-lhe uns miminhos – uma garrafa requintada de viagem... – e borrifa-se com whiskie, a fim de suscitar o desejo do farrapo Ben. No final da trama, lá consegue que o pobre homem, moribundo, jazendo no leito da morte, a fornique.

Já não se fazem amores destes, eloquentes e sublimes?!


Perverso por perverso... venha o Grande Bunuel, que retrata a perversão de modo sublime, cirúrgico e sem moralismos de espécie alguma – vide Tristana, Esse obscuro objecto do desejo e Belle de Jour.



(Tristana)


(Esse obscuro objecto do desejo)


(Belle de Jour)

4 comentários:

Anónimo disse...

A compaixão, sacrifício, abnegação são valores abjectos?!
Deve ser erro de leitura, meu, obviamente.
Abjecto é a manipulação, o desprezo, a indiferença, a impossibilidade de cada um se assumir tal como é porque a ausência de sentido de si próprio impede a assumpção da dignidade humana, porque foi continuada e repetidamente violentado/a para que a desestruturação resultasse na aceitação "normal" da permanente humilhação.
Por alguma razão a criança humana leva mais tempo do que a cria dos outros animais a crescer e a amadurecer.Tem muito mais que aprender.
A maior parte daquilo que precisamos para sabermos ser adultos maduros provém mais da cultura que do instinto. Nós precisamos de um longo período de educação e de formação antes de podermos valer-nos a nós próprios e tomar decisões pessoais.
E lamentavelmente com tantas pessoas a destruição do sentido de si próprio é o que têm com mais abundância.
Em África onde me desloco em trabalho com regularidade costumam dizer "Um pessoa torna-se pessoa através de outras pessoas".
Talvez que os referidos filmes tentem (mesmo sem grande sucesso demonstrar isso mesmo).
Maria Helena

Il Dissoluto Punito disse...

Maria Helena,

São valores que pressupõem uma grande assimetria entre as pessoas, daí o meu desagrado! A ideia das assimetrias repugna-me!

Anónimo disse...

Pressupõem assimetrias ou maturidade?
A riqueza humana não está, também, na diversidade?
O ter-me sacrificado pelas minhas filhas e/ou pelos cuidados aos meus pais doentes com abnegação, não a quem lhe é retirado alguma coisa, mas porque a condição humana pressupõe uma escala de valores humanos que assim se completam para uma integral realização é abjecto?
O partilhar o pouco que tenho à mesa com outros que nada têm por assimetrias económicas, sociais, financeiras por humana misericórdia é abjecto? Um Páscoa feliz.
Maria Helena

mr. LG disse...

Nunca vi estas maravilhosas obras-primas, confesso-o… :-( e devia prestar-lhes maior atenção… torno a confessá-lo! …
E não discorrerei muito sobre elas… não me vou armar aqui em sabido e doutorado num cinema que, apesar de considerado essencialíssimo para a 7ª arte, não é o meu forte…
Estava a explorar, de novo, o seu Blog, caro Dissoluto, e deparei-me com um ponto de partida para excelentes Posts e conversas:
22 de Janeiro de 2008 – This Land Is Mine (1943) de Jean Renoir.
Também uma falha minha na 7ªarte… infelizmente nunca o vi. Rói-me mais a curiosidade por este, do que a arte de Buñuel.
Ora aí está um bom começo para começar a postar no “seu cinema”…
Ah!... Hitchcocks, Wylers, Fords, Langs, Cukors, Leans, Carnés, Rays… onde é que vocês estão na mente do nosso caro Dissoluto??... ;-)
Do seu sempre,
LG