Um Debussy etéreo e diáfano, como se quer. Um Mahler morno – já de si, os lieder de Mahler entediam-me... o defeito será meu. Strauss notável e um apoteótico Poulenc, pleno de teatralidade e graça; brilhante!
Começou como terminou: deslumbrante, num francês magnífico.
Em estado de graça, Kozéna, belíssima, exibiu o seu elegante estado interessante.
Se eu fosse maestro, emigrava para Berlim, à procura da minha diva, if you see what I mean...
Ass Simão Galamba de Almeida
10 comentários:
Obrigada pelo post, gostei de saber que foi bom :-)
Caro João
Embora não tenha o privilégio de o conhecer pessoalmente, permita-me o informalismo, com que o trato nesta minha segunda intervenção no seu Blog (primeiro comentário feito a propósito de Eugene Onegin a que também assisti no MET, datado de 13 de Agosto de 2007, e que, suponho, não tenha lido).
Mais uma vez o felicito pela sua tenacidade e perseverança em manter um empreendimento tão louvável e digno dos maiores encómios, quanto é este seu “cantinho de opiniões”.
Tendo lido a suas considerações sobre o recital da Magdalena Kozena, realizado ontem, dia 10 de Março no Grande Auditório da Gulbenkian, e, não podendo estar mais em desacordo com o teor das mesmas, com o devido respeito pela saudável diversidade de opiniões, não resisto em expender os considerandos que se seguem.
Saliento desde logo, que sou um fervoroso admirador dos dotes vocais e interpretativos da Mezzo Checa, que considero pela sua singularidade, ímpares no actual panorama lírico.
Tenho para mim, que Kozena é uma interprete exepcional no domínio da chamada música antiga, nas cantatas de Bach, na Ópera de Haendel ,Gluck e Mozart.
Bem diferente, para além dos recursos vocais, é possuír cumulativamente as competências do ponto de vista estilistico e da apropriação do “Zeitgeist” (espírito do tempo inerente às obras a interpretar), que permitam abordar um determinado repertório, com o qual Kozena, manifestamente, não está familiarizada, e que lhe é, no presente momento, claramente inacessível.
Com efeito, foi demonstrado à saciedade que, actualmente, Kozena não está à altura de um tal cometimento, quer na Chansons de Debussy ou Poulenc, quer, muito menos, no Lieder Romântico de Richard Strauss ou Gustave Mahler.
Acredito que para Kozena, a interpretação deste tipo de repertório se afigure como mais uma desafio aliciante, ao qual até poderá, concomitantemente, corresponder um especial afecto em matéria de gosto pessoal.
Mas de boas intenções está o inferno cheio. Este insensato atrevimento de Kozena, suscita-me segundos maus pensamentos, porquanto admito que, por traz de tão inusitadas opções, esteja “o dedinho” do enorme músico que é Sir Simon Rattle, cujo ecletismo de gosto e pensamento, possa ter influenciado as mais recentes escolhas da cantora, não cuidando de aferir das suas efectivas limitações. Se assim é, só posso concluir, que, de facto, o amor é cego.
Voltando ao objecto do recital ora em causa, se em Debussy a interpretação de Kozena nada de bom augurou, em Mahler o saldo final foi verdadeiramente catastrófico.
Admito que a sua confessada insensibilidade à generalidade dos ciclos de Lieder de Mahler , o não tenha desperto para as proporções que assumiu o desastre interpretativo de Kozena. No que a mim me diz respeito, sendo indefectível admirador da música de Mahler, a qual venero com a reverencia que julgo devida, nunca tal me poderia passar despercebido.
A hecatombe interpretativa nos Ruckert Lieder, fundada numa insustentável leveza da interiorização dos textos de Friedrich Ruckert, inviabilizaram de todo a revelação dos mais profundos e recônditos estados de alma que caracterizam o ser humano na sua dor de viver como o referia Schopenhauer, e que fazem parte do universo da música e pensamento malheriano. Como bem sabe, Freund considerou de entre os seus psicanalizados, Mahler como sendo uma das mais enigmáticas e fascinantes personalidades.
Sem saudosismos, porque entendo que cada tempo tem os seus predestinados, não posso deixar de sustentar as reservas ora colocadas, na lembrança de referências incontornáveis nesta matéria, como sejam, entre outras, Kathleen Ferrier, Jessye Norman e sobretudo a inultrapassável Dame Janet Baker.
A propósito da sua alegada falta de “pre-disposição” para a fruição dos Lieder de Mahler, permita-me sugerir-lhe a audição atenta de outros três ciclos, os Lieder aus Des Knaben Wunderhorn, o Kindertotenlieder e o Lieder eines fahrenden Gesellen, os quais conjuntamente com o Ruckert Lieder, constituem a meu ver, a quinta essência do canto.
Na segunda parte do recital, Kozena demonstrou indisfarçáveis insuficiências na abordagem de Strauss, sendo incapaz de realçar a vertente mais lírica da voz, atributo indispensável à interpretação da música vocal deste compositor, sendo por demais evidente a inépcia na criação de “ambientes e atmosferas adequadas”.
Sem querer mais uma vez recorrer a bons exemplos do passado, fico-me por cantoras contemporâneas, eméritas intérpretes straussianas, com as quais, Kozena neste particular nicho de repertório, actualmente, não pode ombrear, nomeadamente, Nina Stemme, Soile Isokoski ou Renne Fleming.
Quando em Poulenc se julgaria poder haver uma oportunidade para uma hipotética redenção, eis que, a graciosidade, leveza e humor intrínseco às melódies, tudo é obnubilado por notória incompreensão interpretativa na apropriação do sentido do texto, agravado por algumas indisfarçáveis falhas de emissão. Perdoe-se-me a nostalgia, mas é inevitável que nos lembremos de Gérard Souzay, o arquétipo do intérprete ideal de Poulenc.
“Last but not the least”, se, sobre o essencial, ficam feitos os reparos devidos, quando ao acessório, que, em condições normais nem sequer deveria ser objecto de eventuais considerações, não posso escamotear uma outra evidência, Kozena inequivocamente uma bela mulher (beleza exponenciada pela sua actual gravidez), apresentou-se com a mais pirosa e pífia das imagens, à la Laura Dern enquanto personagem de alguns filmes de David Lynch. Que diabo! será que os seus consultores de imagem não a aconselham, imperdoável, num tempo, numa época, em que a imagem é parte indissociável da projecção do cantor.
À guisa de conclusão, diria que para este filme nada contribuiu o pianista Malcom Martineau, cuja colaboração junto dos mais diversos grandes intérpretes, atesta sempre uma sensibilidade e requinte superlativo.
À saída da Gulbenkian veio-me inevitavelmente à lembrança um outro infeliz recital, realizado há anos no Teatro Nacional de São Carlos, que teve como protagonista o tenor mexicano Rámon Vargas, pelo qual nutro especial admiração, apreciação que julgo também comungar (reteve por certo o inolvidável desempenho no papel do Conde Lensky no Eugene Onegin no Met encenado por Robert Carsen). Nesse recital o tenor decidiu atrever-se interpretar o belíssimo ciclo de Lieder Frauenliebe und-Leben de Robert Schumann, só podia ter sido como foi, um desastre total.
João, calculava que ia, mas os desencontros são assim mesmo. Fica para a próxima.
Boa viagem.
P.S. Ainda bem que o país é livre e que podemos ter opiniões diversas.
Gi,
Não agradeça...
Miguel,
Li o seu comentário, de há muito. Deveria ter-lhe dito algo... desculpe!
Quanto à Kozená, visivelmente, as nossas opiniões divergem! É saudável!
Cumprimentos
Paulo,
Como disse no teu espaço, fica para a próxima :-)))
Parece que também apreciaste a prestação da Senhora, com as devidas reticências, não?
Um abraço
Sim, João. Com as devidas reticências, foi um belo recital.
Lembro-me do referido recital do Vargas e confirmo o desastre! A Kozena não comento porque não assisti mas posso também confirmar os seus conheçidos dotes em Handel onde ofuscou o David Daniels também na Gulbenkian. Nessa ocasião estava vestida de plástico verde. Muito moderno e adequado para um filme de ficção cientifica.
J. Ildefonso.
Não podendo infelizmente comentar o recital, aliás tivesse assistido estaria provavelmente na mesma situação, concordo que a avaliar pela fotografia a escolha do traje poderia ter sido melhor. Aliás a comparação entre as duas fotos é bastante cruel ...
Os Kindertotenlieder pela dupla Ferrier / Walther, editados pela EMI, são inqualificáveis no sentido positivo da palavra, sendo uma experiência única de audiofilia, para mim, que não falo alemão. À parte disto, sou um incondicional de Mahler e tudo começou com uma simples cassete, em Moçambique (!), na tropa, com o Adagio da Sinfonia número 9, para mim, o ponto mais alto da criação malheriana, só comparável ao primeiro andamento da nona de Beethoven.
RAUL
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