Calixto Bieito é, nos nossos dias, um dos mais célebres encenadores, particularmente no tocante à ópera. Ainda assim, não me recordo de ter assistido a trabalhos seus, nem ao vivo, nem via dvd.
Em todo o caso, dada a envergadura da criatura, li com atenção esta entrevista, recentemente concedida ao El Pais.
Entediaram-me as considerações em torno do carácter de Wagner. Embora o encenador não utilize a minha nomenclatura, são feitas referências ao infinito narcisismo de Wagner, e bem assim à sua perversidade – aqui para nós, esta decorre, justamente do carácter narcísico! A moral do narcísico é A sua - a única que conta - sendo que o outro (e respectivo código de conduta) é, invariavelmente, menosprezado!
Verdadeiramente, incomodam-me a hipersensibilidade de grande parte dos apreciadores de música ao sui generis carácter de Richard Wagner! É como se o nosso próprio narcisismo fosse posto em causa pelo do criador... A meu ver, é aí que está o ponto!
Ou será que temos dificuldade em tolerar a ideia de genialidade que os trabalhos de Wagner contêm? A inveja – que é apenas mais um sentimento dos humanos, entre tantos outros! – tem destas coisas... Ataca-se a criatura, por inveja da criação!
Estranhamente, vejo mais linhas consagradas à personalidade de Wagner do que às suas criações líricas. A falha pode ser minha...
Pessoalmente, a conduta - e personalidade - de Richard Wagner é absolutamente da ordem do fait divers. Admiro muitíssimo a sua lírica, sendo o resto perfeitamente acessório.
Bom... adiante!
Pese embora este repisar do repisado, Calixto Bieito tece algumas considerações interessantes sobre a actualidade do drama contido em O Navio Fantasma, cuja encenação está prestes a estrear em território alemão.
«Un ejecutivo que ha perdido la identidad, los valores, la fe. Tuve una sensación muy fuerte no hace mucho cuando me sentí durante dos días perdido en dos aeropuertos europeos porque habían cancelado mis vuelos. Sólo tenía ganas de que alguien se me acercara y me dijera si quería tomar algo caliente. Y pensé que El holandés podría estar mucho más próximo a esto que a un ser vagando como un espectro por los mares en busca de la redención del amor de una mujer.
P. ¿Trata de humanizar al fantasma que es el holandés?
R. Sí, lo humanizo. Estoy haciendo una producción en la que me centro en el personaje del holandés por encima de los demás. Y lo veo en esta especie de purgatorio pseudodepresivo y melancólico al que la sociedad actual echa a los que considera como residuos económicos, personas inservibles que crea la economía actual. Entonces leí La corrupción del carácter, de Richard Sennett, y vi al holandés de la ópera en ese ejecutivo que ha perdido sus referencias, que busca esperanza, solidaridad, ternura y amor. Trato de mostrar de una forma humana el mito del personaje.»
Pois bem! Nem mais, nem menos! Bieito tocou no busílis!
A verdade é que, no meu entender, a nossa atenção tende a fixar-se no manifesto, evitando o contacto com o latente!
Dito de outro modo, exacerbamos o "envelope" – a megalomania narcísica, a grandiosidade e soberba de Wagner -, escapando à "mensagem" nele guardada – a dor depressiva mais horrenda, secundária ao desamparo primário - o que dilacera, tudo condicionando: a identidade, a possibilidade de vinculação, actual e futura...
As defesas narcísicas do criador de Bayreuth – génio, sem mais – são proporcionais à fragilidade do senhor, fragilidade essa bem afim com a ansiedade de perda, que constitui o traço fundamental da organização borderline (patologia lmite).
O Holandês Errante mais não é que o representante supremo do desamparo, no sentido psicopatológico, o que nada tem: condenado à errância, desamado... sem vínculos alguns... Com uma identidade difusa, seriamente comprometida - Quem sou? De onde vim? A quem pertenço? -, escravo eterno da instabilidade.
Há dor mais insuportável que esta?
Posto isto, que cesse a obsessão com o Pavão Wagneriano! É que há muito mais por trás dessa aparência!
A dor primária - expressão de um narcisismo primário, que se apoia no modelo relacional mãe-bebé, nutrido no seio da relação precoce -, por vezes, leva-nos a desviar o olhar. A empatia com a mesma é complexa...
(Calixto Bieito)
Posto isto, fiel e paciente leitor, mentiria se dissesse que o trabalho do encenador catalão não me interessa! Seguirei, atentamente, a sua trajectória, doravante.
Em todo o caso, dada a envergadura da criatura, li com atenção esta entrevista, recentemente concedida ao El Pais.
Entediaram-me as considerações em torno do carácter de Wagner. Embora o encenador não utilize a minha nomenclatura, são feitas referências ao infinito narcisismo de Wagner, e bem assim à sua perversidade – aqui para nós, esta decorre, justamente do carácter narcísico! A moral do narcísico é A sua - a única que conta - sendo que o outro (e respectivo código de conduta) é, invariavelmente, menosprezado!
Verdadeiramente, incomodam-me a hipersensibilidade de grande parte dos apreciadores de música ao sui generis carácter de Richard Wagner! É como se o nosso próprio narcisismo fosse posto em causa pelo do criador... A meu ver, é aí que está o ponto!
Ou será que temos dificuldade em tolerar a ideia de genialidade que os trabalhos de Wagner contêm? A inveja – que é apenas mais um sentimento dos humanos, entre tantos outros! – tem destas coisas... Ataca-se a criatura, por inveja da criação!
Estranhamente, vejo mais linhas consagradas à personalidade de Wagner do que às suas criações líricas. A falha pode ser minha...
Pessoalmente, a conduta - e personalidade - de Richard Wagner é absolutamente da ordem do fait divers. Admiro muitíssimo a sua lírica, sendo o resto perfeitamente acessório.
Bom... adiante!
Pese embora este repisar do repisado, Calixto Bieito tece algumas considerações interessantes sobre a actualidade do drama contido em O Navio Fantasma, cuja encenação está prestes a estrear em território alemão.
«Un ejecutivo que ha perdido la identidad, los valores, la fe. Tuve una sensación muy fuerte no hace mucho cuando me sentí durante dos días perdido en dos aeropuertos europeos porque habían cancelado mis vuelos. Sólo tenía ganas de que alguien se me acercara y me dijera si quería tomar algo caliente. Y pensé que El holandés podría estar mucho más próximo a esto que a un ser vagando como un espectro por los mares en busca de la redención del amor de una mujer.
P. ¿Trata de humanizar al fantasma que es el holandés?
R. Sí, lo humanizo. Estoy haciendo una producción en la que me centro en el personaje del holandés por encima de los demás. Y lo veo en esta especie de purgatorio pseudodepresivo y melancólico al que la sociedad actual echa a los que considera como residuos económicos, personas inservibles que crea la economía actual. Entonces leí La corrupción del carácter, de Richard Sennett, y vi al holandés de la ópera en ese ejecutivo que ha perdido sus referencias, que busca esperanza, solidaridad, ternura y amor. Trato de mostrar de una forma humana el mito del personaje.»
Pois bem! Nem mais, nem menos! Bieito tocou no busílis!
A verdade é que, no meu entender, a nossa atenção tende a fixar-se no manifesto, evitando o contacto com o latente!
Dito de outro modo, exacerbamos o "envelope" – a megalomania narcísica, a grandiosidade e soberba de Wagner -, escapando à "mensagem" nele guardada – a dor depressiva mais horrenda, secundária ao desamparo primário - o que dilacera, tudo condicionando: a identidade, a possibilidade de vinculação, actual e futura...
As defesas narcísicas do criador de Bayreuth – génio, sem mais – são proporcionais à fragilidade do senhor, fragilidade essa bem afim com a ansiedade de perda, que constitui o traço fundamental da organização borderline (patologia lmite).
O Holandês Errante mais não é que o representante supremo do desamparo, no sentido psicopatológico, o que nada tem: condenado à errância, desamado... sem vínculos alguns... Com uma identidade difusa, seriamente comprometida - Quem sou? De onde vim? A quem pertenço? -, escravo eterno da instabilidade.
Há dor mais insuportável que esta?
Posto isto, que cesse a obsessão com o Pavão Wagneriano! É que há muito mais por trás dessa aparência!
A dor primária - expressão de um narcisismo primário, que se apoia no modelo relacional mãe-bebé, nutrido no seio da relação precoce -, por vezes, leva-nos a desviar o olhar. A empatia com a mesma é complexa...
(Calixto Bieito)
Posto isto, fiel e paciente leitor, mentiria se dissesse que o trabalho do encenador catalão não me interessa! Seguirei, atentamente, a sua trajectória, doravante.
5 comentários:
Wagner seria narcisista. Mas e Calixto Bieito? Também nunca assisti a encenações suas mas, pelo que sei, gosta muito de mostrar a sua própria visão das obras, sempre diferente da do autor, claro está.
Independentemente do interesse que o seu trabalho de encenação possa ter (como não o conheço, não o discuto), parece-me mais um caso de exacerbação do ego. Já estamos habituados à entronização de encenadores que se consideram maiores que as obras. Mas nada como ir ver ao vivo para tirar conclusões.
(Para já, parece-me abusivo um narcisista dizer de Wagner "No me gusta todo ese autobombo fabricado por él mismo y por su entorno. Detesto a los artistas que acaban convertidos en dioses." e terminar a entrevista assim: "cada vez las broncas son menos intensas. Lo que significa que me estoy haciendo mayor o que la gente se está acostumbrando a mí.")
Por outro lado este "mal", colocar à frente da obra do compositor ou do interprete uma qualquer sua característica psicológica como se isso alterasse a sua obra é um mal que não aflige somente a análise de Wagner. Pessoalmente considero isto completamente errado ...
Fernando,
Não percebi nada... Importa-se de explicar, de novo?
Possivelmente expliquei-me mal. O que estava a tentar dizer é que muitas vezes na análise de uma qualquer obra se pretende sobrepor à mesma uma qualquer característica do compositor seja ela do foro psicológico ou comportamental como se a obra em si não pudesse ter características às vezes completamente e voluntariamente antagónicas às do próprio compositor. Ou seja para mim importa pouco que Wagner seja narcisista, o que me interessa é a música de Wagner e essa dificilmente possui esse epíteto. Por outras palavras embora seja útil em alguns casos situar a obra num determinado contexto da vida do compositor não devemos - penso eu - diminuir ou aumentar a grandiosidade da obra por tal facto .
Paulo,
Tudo o que diz está tão certo que, se me permite, subscrevo as suas palavras.
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