Nem tudo são rosas, está bem de ver!
Contudo, mantenho o meu entusiasmo inicial, quanto à qualidade destas Le Nozze di Figaro.
(DG 073 4245)
Evidentemente, os tempi arrastados de Harnoncourt, por vezes, roçam o maneirismo... Pessoalmente, o ritmo e toada desta magnífica peça lírica convocam uma celeridade esfuziante, à la Gardiner.
A meu ver, são inúmeros os pontos de interesse destas As Bodas de Figaro, a começar pela encenação e qualidade dos intérpretes.
A encenação esforça-se, do meu ponto de vista, por revelar a distorção, perversidade e (imensa) mácula que subjazem à trama. Habitualmente, as mise-en-scène d´A Louca Jornada traçam um universo algo pueril e diáfano. Pois bem, Claus Guth, neste trabalho bem orquestrado de encenação, investe na ousadia camuflada, sem nunca cair na vulgaridade.
O motor da trama é Cherubino – ora anjo, ora demónio -, que manipula a seu bel-prazer os cordelinhos de uma teia de relações muito complexas, que se interpenetram e cruzam, por vezes de modo brutal...
O cenário, tão grandioso e amplo quanto desnudo e deteriorado, serve de pano de fundo para a explicitação dos aspectos menos nobres dos vínculos que unem os personagens.
Sempre numa lógica de sugestão – contrária, portanto, à exibição crua -, como disse, do universo relacional d’As Bodas, neste trabalho, sobressaem dimensões mais animalescas da natureza humana (habitualmente reprimidas, leia-se anuladas da representação...): uma condessa lânguida e sexualmente ávida, um conde perverso, um Fígaro atontalhado, um Bártolo sacana até ao âmago...
Vocal e artisticamente, reina o brilho e equilíbrio, apesar de alguns reparos.
Ildebrando d’Arcangelo – a mais bela voz de baixo desde há décadas, lírica e viril, fluida e densa – compõe um Fígaro notável, senhor de uma perfeita articulação, bem aberta e explícita. Os recitativos são graciosos, pontuados por humor e ironia.
Ouvi-o, pela primeira vez, por via de Gardiner, como Leporello (ARCHIV 445 8702). Deslumbro-me pelo timbre! Anos e anos volvidos, D’Arcangelo (re)abraça a glória!!!
O Conde de Skovhus seria perfeito – na linha do filho-da-puta, perverso e aristocrata -, não fora o indisfarçável acento, que lhe parasita o italiano...
Netrebko padece do mal de sempre: uma dicção tão trôpega quanto incompreensível! Sinon, compõe uma Susanna radiosa e sagaz, algo convencional, apesar da graciosidade.
Brilhantes, brilhantes, são a Condessa de Röschmann e o Cherubino de Schäfer. A primeira revela uma linha melódica imaculada, absolutamente controlada, de uma pureza notável, que inunda de melancolia... e voracidade. Já o personagem de Christine Schäer triunfa pela androginia alcançada, tão inusitada, quanto desejável!
Caro leitor, apesar dos reparos, se procura uma interpretação de inegável qualidade, cénica, artística e vocal, eis as suas As Bodas de Fígaro! Ainda assim, advirto-o para a viciosa direcção de Harnoncourt – porventura o maior calcanhar de Aquiles desta leitura! -, cujas liberdades, por vezes, exasperam o mais tolerante espectador...
É certo que este artigo não destrona as faustosas Le Nozze de Giulini, nem as (primeiras) de Von Karajan, muito menos as de Kleiber! Mas, seguramente, os amantes da ousadia, irão descobrir nas ditas algo de cintilante e irresistível...
Só os doentiamente saudosistas consideram que Salzburgo já não é o que era!
Contudo, mantenho o meu entusiasmo inicial, quanto à qualidade destas Le Nozze di Figaro.
(DG 073 4245)
Evidentemente, os tempi arrastados de Harnoncourt, por vezes, roçam o maneirismo... Pessoalmente, o ritmo e toada desta magnífica peça lírica convocam uma celeridade esfuziante, à la Gardiner.
A meu ver, são inúmeros os pontos de interesse destas As Bodas de Figaro, a começar pela encenação e qualidade dos intérpretes.
A encenação esforça-se, do meu ponto de vista, por revelar a distorção, perversidade e (imensa) mácula que subjazem à trama. Habitualmente, as mise-en-scène d´A Louca Jornada traçam um universo algo pueril e diáfano. Pois bem, Claus Guth, neste trabalho bem orquestrado de encenação, investe na ousadia camuflada, sem nunca cair na vulgaridade.
O motor da trama é Cherubino – ora anjo, ora demónio -, que manipula a seu bel-prazer os cordelinhos de uma teia de relações muito complexas, que se interpenetram e cruzam, por vezes de modo brutal...
O cenário, tão grandioso e amplo quanto desnudo e deteriorado, serve de pano de fundo para a explicitação dos aspectos menos nobres dos vínculos que unem os personagens.
Sempre numa lógica de sugestão – contrária, portanto, à exibição crua -, como disse, do universo relacional d’As Bodas, neste trabalho, sobressaem dimensões mais animalescas da natureza humana (habitualmente reprimidas, leia-se anuladas da representação...): uma condessa lânguida e sexualmente ávida, um conde perverso, um Fígaro atontalhado, um Bártolo sacana até ao âmago...
Vocal e artisticamente, reina o brilho e equilíbrio, apesar de alguns reparos.
Ildebrando d’Arcangelo – a mais bela voz de baixo desde há décadas, lírica e viril, fluida e densa – compõe um Fígaro notável, senhor de uma perfeita articulação, bem aberta e explícita. Os recitativos são graciosos, pontuados por humor e ironia.
Ouvi-o, pela primeira vez, por via de Gardiner, como Leporello (ARCHIV 445 8702). Deslumbro-me pelo timbre! Anos e anos volvidos, D’Arcangelo (re)abraça a glória!!!
O Conde de Skovhus seria perfeito – na linha do filho-da-puta, perverso e aristocrata -, não fora o indisfarçável acento, que lhe parasita o italiano...
Netrebko padece do mal de sempre: uma dicção tão trôpega quanto incompreensível! Sinon, compõe uma Susanna radiosa e sagaz, algo convencional, apesar da graciosidade.
Brilhantes, brilhantes, são a Condessa de Röschmann e o Cherubino de Schäfer. A primeira revela uma linha melódica imaculada, absolutamente controlada, de uma pureza notável, que inunda de melancolia... e voracidade. Já o personagem de Christine Schäer triunfa pela androginia alcançada, tão inusitada, quanto desejável!
Caro leitor, apesar dos reparos, se procura uma interpretação de inegável qualidade, cénica, artística e vocal, eis as suas As Bodas de Fígaro! Ainda assim, advirto-o para a viciosa direcção de Harnoncourt – porventura o maior calcanhar de Aquiles desta leitura! -, cujas liberdades, por vezes, exasperam o mais tolerante espectador...
É certo que este artigo não destrona as faustosas Le Nozze de Giulini, nem as (primeiras) de Von Karajan, muito menos as de Kleiber! Mas, seguramente, os amantes da ousadia, irão descobrir nas ditas algo de cintilante e irresistível...
Só os doentiamente saudosistas consideram que Salzburgo já não é o que era!
1 comentário:
ainda bem q se trata de uma boa interpretaçao porque tenho andado a namora-la e agora posso ter certeza de q se trata de uma boa aquisiçao.
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