sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Salzburgo III - Eugénio Baremboim



Devo confessar - com respeito e... sobranceria - que o elenco deste Eugen Onegin não me fascinou.

Em Fevereiro deste mesmo ano, no Met, assistira a uma récita desta ópera, com um elenco absolutamente extraordinário: Fleming, Hvorostovsky e Vargas. Deslumbrante!

Dir-me-ão - não sem razão - que nada escrevi sobre o assunto... Assim foi. Não me apeteceu partilhar aquele prazer com mais ninguém, além da minha mulher.

Ainda assim, a récita a que assisti pecava pela mise-en-scène, de um minimalismo algo excessivo e despropositado. Nada que tenha que ver com a encenação deste Eugen Onegin, de Salzburgo, como segue:


«On ne sait pourquoi la première image (récurrente à chaque début d'acte) de son spectacle touche infiniment, alors qu'elle pourrait n'être qu'une de ces vignettes chic et choc dont abondent les mises en scène d'aujourd'hui quand elles ne succombent au trash : Eugène Onéguine, en manteau et chapeau, est assis dans la pénombre, dos au public, face à un écran de télévision où défile un paysage désolé qui s'éloigne indéfiniment, filmé depuis l'arrière d'un train. Tout est dit et, pourtant, tout dans ce spectacle très abouti donne sa place à la rumination du spectateur.

Certes, Andrea Breth semble penser, comme beaucoup d'entre nous, que la vie est "une suite d'espoirs à propos de choses qui ne se produisent jamais", comme dit le poète Yeats ; certes, sa Russie est celle des femmes rougeaudes et rustaudes en blouses de Tergal, celle de la fin de partie du communisme dans des provinces reculées où l'alcoolisme permet aux humains d'oublier un instant leur propre vulgarité. Monsieur Triquet, le Français chic et galant perdu là, a une maladie de peau qui le démange au-dessus des chaussettes, et, à la façon dont il reluque Tatiana, à laquelle il adresse des couplets ridicules, on sent qu'Andrea Breth a compris la connotation grivoise de son patronyme.

Mais c'est avec une finesse incroyable qu'elle magnifie le propos : la dernière scène n'a jamais montré à ce point d'incandescence l'hésitation bouleversée de Tatiana, lorsque Onéguine, qui avait refusé cruellement sa déclaration d'amour fou trois ans plus tôt, se jette à ses pieds. Entre-temps, Tatiana a fait un mariage d'amour sage avec un militaire qui a tout quitté pour elle, le comte Gremine. Là aussi, Andrea Breth montre un Gremine inédit à l'opéra, dans une vraie relation tendre avec Tatiana : non point barbon satisfait par la conquête d'une jeunette, mais homme mûr qui dit cette chose si réconfortante : "L'amour est à prendre à tout âge."

La subtilité de ce spectacle est à débusquer dans les "plis" de ce qui est montré : par exemple, dans l'attitude terrorisée du jeune garçon gauche qui assiste Onéguine lors du duel avec Lensky sans comprendre, ou plutôt en comprenant tout de cette folie morbide qu'est la jalousie. Ce travail scénique est tramé de ce genre de magnifiques détails qui tirent les larmes et dont on se souviendra longtemps.

On peut en revanche se demander si le spectacle n'aurait pas bénéficié d'un cadre plus intime, car Andrea Breth semble succomber à la technologie de cette grande salle et abuse des effets impressionnants de "tournette". En tout cas, voici une artiste qui sait diriger les chanteurs et utiliser à plein les ressources du spectaculaire.»

Bem vista a coisa, parece que, além da louvável encenação, a estrela da noite foi Danny Baremboim. Seja!

1 comentário:

Miguel disse...

Caro João
Embora não tenha o prazer de o conhecer pessoalmente, permita-me que o trate com o informalismo de quem julga ter afinidades de gosto consigo, as quais, por si só, permitem a dispensa de um tratamento mais distanciado, habitualmente usado numa primeira troca de impressões.
Com efeito, partilho de uma paixão pela Ópera que admito ser em tudo idêntica à sua.
Talvez não tão focalizada, porquanto talvez mais abrangente, a dita paixão estende-se à generalidade dos vários géneros/formas da chamada música erudita, como sejam a música de camâra, a sinfónica a sacra o lied etc.
Do meu universo passional, faz também parte o Jazz, a nova música erudita surgida no dealbar do século passado, cuja importância relativa, em muito influenciou e influencia diversos músicos da tradição erudita ocidental.
Feito este pequeno preâmbulo de apresentação, justifico esta minha primeira intervenção no seu Blog que acompanho há já muito tempo,
motivado pela coincidência de, sem o sabermos, como é óbvio, termos assistido a uma inolvidável récita do Eugen Onegin no MET, no pretérito mês de Fevereiro.
Com efeito, numa deslocação melómana prepositada e programada com a devida antecedência à Big Aple, tive oportunidade única de fruir a citada ópera, assim como uma outra récita do Simão Bocanegra.
Do Eugene Onegin, faço meus os encómios que proferiu na sua apreciação, devido ao elenco excepcional, à brilhante direcção de Gergiev, a que acrescento uma notável, porque belíssima e poética encenação de Robert Carson, a qual pelos vistos não lhe terá agradado.
Fundamento este meu considerando, com o requintado despojamento,traduzido numa visão estilizada da representação da realidade, opcção que Carson defendeu com a ajuda de um primoroso desenho de luzes, que caracteriza com precisão e rigor dramaturgicos os vários ambientes/ atmosferas, sem necessidade do recurso à profusão de diversos cenários e acessórios de palco, considerados despiciendos a meu ver.
À adopção da tradicional opulência habitual dos decors/cenários utilizados na maioria das produções do Met, tão ao jeito do gosto comum, optou Carson por uma visão desnuda de evidências redundantes, deixando ao inefável e indizível que se pressente, mas não se reproduz, toda a poética de uma ambiência mágica.
Realço ainda, a magistral movimentação de massas em palco (coro), feita com uma mestria só ao alcançe de quem domina as artes de palco.
Como paradigma da apreciação que faço da encenação deste Eugene Onegin, permito-me destacar entre outras "notáveis páginas", a célebre cena do duelo, marcada por uma simplicidade desarmente de processos, em que o aludido despojamento de cena, conjugado com um desenho de luz belíssimo, cria um dos momentos mais patéticos (na verdadeira acepção de dramático/comovente) a que tenho assistido num palco.
Por fim, nada tendo a ver com o desempenho específico do papel de Tatiana neste Eugene Onigin, que, como é habitual, foi deslumbrante, permitam-me que também assuma o gosto preferencial por esta diva, que, provocatoriamente reputo como "The Voice" (o Sinatra que me desculpe), inigualável por qualquer outra das cantoras líricas vivas. Se vos disserem que a Fleming é apenas uma bela mulher, detentora de uma belíssima voz, embora ligeira e superficial na interpretação e na caracterização das personagens, não acreditem, trata-se de uma intérprete e actriz do mais elevado gabarito, com uma mais valia em relação a toda a concorrência, uma voz divinal, pela beleza de emissão e variedade da paleta tímbrica.

Um abraço