domingo, 6 de maio de 2007

A Lusa Depressividade (feita) Crónica



Leio a Pluma Caprichosa. Porque hoje é sábado.
Sem grande surpresa, a leitura do Expresso apenas me rouba meia horita.

Acho alguma graça à escrita de Clara Ferreira Alves.
A associação livre leva-a me a outras paradas…
Acho alguma graça à escrita de Vasco Pulido Valente; riu-me com a prosa de Maria Filomena Mónica.

A minha reacção diante das palavras dos três cronistas é idêntica, como idêntica é a tonalidade emocional dos três escribas. Quiçá defensivamente, divirto-me!

Em diversas ocasiões, neste espaço, tive oportunidade de explicitar uma máxima da psicopatologia da depressão: a mania e seus sucedâneos – a euforia, por exemplo - é o outro lado da depressão.

Está bem de ver que o registo predominantemente eufórico em que me coloco, diante da escrita de CFA, VPV e MFM, é uma resposta ao afecto depressivo - ora mais dissimulado, ora mais expresso - que inunda as palavras das três criaturas.

Ferreira Alves, Pulido Valente e Mónica habitam um mundo Luso-depressivo, impregnado de cinza dégradé, sempre aquém do luto, povoado de criaturas mui semelhantes: incompetentes, imbecis, incapazes, corruptos, incultos, ladrões, mandriões, malfeitores, acéfalos, parolos, pirosos, estúpidos, oportunistas, canalhas, etc., etc.

A adjectivação seguiria de bom grado, não fora a minha má-língua constitucionalmente limitada. Ninguém é perfeito.

Considero absolutamente extraordinária – e invejável! – a possibilidade de o sujeito viver da sua problemática.

Há quem viva submerso pela depressão, lentificado, incapacitado, quando não paralisado pela melancolia.
Outros há que exploram a depressividade. Vivem num mundo negro, eivado de pessimismo, considerando inexorável o destino trágico: “todos caminhamos para o abismo, Portugal está perdido, não há mudança possível”, blá, blá, blá…
Tal é o caso de Clara Ferreira Alves, Vasco Pulido Valente e Maria Filomena Mónica.

Pois bem, seja! Se a depressividade "der uns cobres", porque não?!

Se o perverso vive da pornografia, porque não há-de o depressivo viver da depressão (contando que a dita depressão o não esmague…)?

Do meu ponto de vista – procurando ser sério, no porte e nas palavras -, o que ressalta do discurso dos três cronistas é o movimento projectivo constante, ditado e movido pela depressividade. A interioridade de cada um – certamente bem afim com a psicologia depressiva (perda, pessimismo, incurabilidade, inexorabilidade do destino et ainsi de suite) -, de modo sistemático, é projectada no exterior.

Dir-me-á o leitor – não sem razão – que o terreno em que projectam o vivido depressivo é fértil. Claro que sim! É essa a diferença entre o depressivo normalo-neurótico e o psicótico melancólico. O primeiro conserva o sentido da realidade, enquanto o segundo mescla patologicamente a sua realidade com a realidade objectiva.

Evidentemente, há em Portugal – e no mundo - razões de sobra para a má língua!

O que considero espantoso é que nenhum dos três ilustres disserte sobre o prazer, o sol, o amor, a felicidade, a beleza, a diversão, o gozo!

Clara Ferreira Alves, Vasco Pulido Valente e Maria Filomena Mónica, na minha singela opinião, mais não fazem do que perpetuar um lógica depressiva lusa, literariamente inaugurada por Herculano e Garrett e sublinhada pela famigerada Geração de 70: desde então, nem o objecto, nem o mecanismo mudou, pois “Portugal continua a ser podre, estando condenado à dissolução”!

Triste destino, o do depressivo, inalterável e monótono.

Todos sabemos que a escrita – entre outras façanhas – conserva a virtude da elaboração, como a palavra o faz, aliás, para os psicanalistas.

Estranhamente, a escrita das personalidades enunciadas, de elaborativa, nada tem! Perpetua uma imutável depressividade, patológica até às entranhas.

Enunciar a perda é meio caminho para a transformação saudável. Porém, assumi-la, não chega para a mutação.

Ainda assim, será por via da palavra que a mudança se anuncia, no divã, com o analista.

Pobre é, pois, o discurso dos três, porque monolítico, apesar da graça episódica que lhes reconheço (paradoxalmente!).

Posto que não sou (apenas) depressivo, conservo a esperança de, um dia, ver Clara Ferreira Alves, Vasco Pulido Valente e Maria Filomena Mónia – e bem assim, alguns ilustres (muitos!) da blogosfera, que evacuam a respectiva depressvidade em tudo e todos, apenas reconhecendo a merdificação nos outros! – dissertarem sobre o verde, o sol, a felicidade, o enamoramento…

A Lusa Felicidade poderá, também, ser crónica. Um dia…

9 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem visto. E o Miguel Sousa Tavares?
Raul

Anónimo disse...

Olhe, depressivo depressivo, fiquei eu ontem com a encenação da Italiana em S. Carlos. Dos cantores não falo. Só me lembro que há vinte anos me diverti imenso com a prata da casa, com excepção de Lindoro e Mustafá!
É caso para dizer, que virem de Aix en'Provence causarem-nos depressões (e com esta são duas. A primeira uma flauta de má memória) o melhor é ficarmos com as nossas.

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

O MST é de outra linha, mais afim com a paranóia; parece-me. Subjacente ao seu discurso, o mor das vezes, está a tese da urdidura...

Il Dissoluto Punito disse...

Xico,

Não me diga!
Por acaso, as fotos deram-me a ideia de uma produção mais pró merdoso... Mas os intérpretes também são maus???
Dir-lhe-ei, quinta-feira

Anónimo disse...

Por razões pessoais só pude ir ontem com o 2º enlenco. A 10 irá ouvir o 1º enlenco que ouvi na rádio. Pareceu-me este último um pouco melhor.
A Isabella do 2º com um timbre bonito, mas com dificuldades no tempo e com duas notas agudas absolutamente gritadas. O resto fizeram os possíveis mas sempre com dificuldades para a velocidade da música. A orquestra fez o que pôde para não abafar!
Cenário, figurinos e encenação...um pavor!
Recomenda-se ao coro masculino do S. Carlos o ginásio. Foi hilariante vê-los em tronco nu!...

Anónimo disse...

Acabei de chegar de São Carlos: assisti ao primeiro elenco. Concordo com a análise do Xico. Quanto à Isabella (Kate Aldrich), pessoalmente, foi quem salvou o desastre. Timbre cheio, redondo, muito belo e com aparente facilidade na emissão...e já agora, um deleite para a vista =)))) Uma pequena nota à encenação: as poucas gargalhadas que o público soltou deveram-se, não à acção da ópera em si, mas a opções externas, como a participação do maestro ou o recurso a expressões em português (ex.: "OBRIGADO").

Filipe

Anónimo disse...

Eu também fui ver a Italiana! A Isabela tem uma voz bonita e boa técnica mas a voz é pequena, pequena e regra geral o papel pareçe-me muito grave para a Kate Aldrich! O Mustafa pareçe-me excelente, boa voz, técnica exemplar e muito divertido. O tenor é adequado mas grita um pouco os secundários são razoaveis com a excepção da Paula Morna Dória que é grotesca. A encenação é competente os cenários muito feios e o guarda roupa um pouco pindérico.... no entanto é muito melhor do que o Rossini que o Sr. Pinamontti nos seviu até agora.
Na minha humilde openião.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Sem dúvida, o tenor foi um bocado gritante. Mustafa era engraçado, mas volto a repetir, a graça pareceu-me corriqueira e pouco inteligente. Penso que, quando bem encenado, Rossini é um pouco mais sofisticado do que como foi retratado hoje à tarde.

Filipe

Anónimo disse...

Sim também acho que a intenção do Rossini era mais elaborada.... aliás o humor a que assistimos era nitidamente "americano"! Infelizmente o público hoje regrediu ao ponto de achar que uma comédia é "atirar tortas à cara doutra pessoa" como nos primitivos filmes mudos!
Obviamente neste caso resta-nos a música e o Lorenzo Regazzo que realmente me entusiasmou muitissimo!

J. Ildefonso.

J. Ildefonso.