terça-feira, 24 de outubro de 2006

Volver - Repetir, Perpetuar ou a Patologia da Trangeracionalidade: um olhar psicanalítico



Assisti ontem a Volver, de Pedro Almodovar, obra recentemente estreada entre nós.

Há muito anos que sigo a produção deste singular cineasta espanhol, quiçá o mais histriónico e divertido do momento.

Em Almodovar, antes de mais, fascina-me o humor e a graça desconcertantes.

Não querendo alongar-me em demasia, considero que este filme do cineasta merece uma reflexão psicanalítica, dado conter aspectos de inquestionável valor psicopatológico, a saber: REPETIÇÃO / TRANGERACIONALIDADE, a par de uma característico enfoque sobre o MASCULINO.

Começo por remeter o leitor para a sinopse de Volver, assinada pelo próprio Pedro Almodovar.

Na minha prosaica leitura, esta obra versa sobre três gerações de mulheres que perpetuam uma mesma problemática...

Almodovar conta-nos uma história dominada pelo feminino - materno, história essa que ilustra a patologia da repetição: Raimunda, ainda adolescente, fora violada pelo próprio pai, nascendo da relação incestuosa uma filha. Esta é perfilhada pelo homem com quem Raimunda se casa. Entretanto, a verdadeira filiação da jovem menina é mantida em segredo pelo casal.

A jovem rapariga, agora adolescente, faz brotar no padrasto um crescente desejo libidinoso, com contornos obviamente incestuosos.

A história repete-se, sendo que o final da mesma conta com uma variação: a jovem adolescente assassina o padrasto, pondo assim termo às suas investidas sexuais.
Prontamente, num gesto de duvidoso altruísmo, Raimunda assume a autoria do crime.

Obviamente, o gesto de Raimunda - aparentemente protector, dado que pretende retirar a mácula da filha - deve ser visto a um nível mais ousado!

Ao assumir a autoria do crime, Raimunda vinga a honra manchada: triunfa fantasmaticamente sobre o pai - pedrasta.
A filha - símbolo sumo do ódio pelo pai - constitui, agora, a derradeira e mais eficaz arma de Raimunda, cumprindo um destino inexorável: mata, de facto, o padrasto, assassinando por via fantasmática o próprio pai, que por artes perversas era, simultaneamente, o pai da própria mãe...

Tempos volvidos, após o regresso da mãe de Raimunda, vem a saber-se que, afinal, o pai desta fora assassinado, de facto, pela mulher, ultrajada por sucessivas infidelidades com as conterrâneas.

A meu ver, o próprio regresso da matriarca da família merece uma reflexão, pois que se encontra envolto num clima de omnipotência...

A matriarca regressa, depois de "morta", como que por obra da ressurreição!
Todos a consideravam morta. Todos! Pois bem... Eis que a dominadora figura - a grande Carmen Maura -, em toda a sua omnipotência, não só triunfa sobre a morte, como sobre o marido: este perece, assassinado pela mulher que, uma vez mais, o descobrira nos braços de outra.

Dito isto, o que resta do MASCULINO, pobre sombra diante de tamanho universo?

Curiosamente - ou talvez não, arrisco eu... -, Almodovar esboça um universo masculino / paterno paradoxal, ainda que periférico, para não dizer (muito) secundário.

De facto, invariavelmente, neste filme, o masculino aparece identificado ao hediondo - pederasta - incestuoso, ao abandonico (vide Sole - irmã de Raimunda -, personificação do masoquismo depressivo, largada pelo marido), mas sempre num clima dominado pela castração: os homens que não violam, partem e desistem, movidos pelo infortúnio da desventura - o dono do restaurante, por exemplo -, perdem o emprego, fraquejam diante do álcool...

Lamentavelmente, não há espaço para uma representação psíquica do masculino pleno, nesta criação de Pedro Almodovar, pois aquele encontra-se submerso num ambiente dominado pelo feminismo, na sua expressão mais perturbada, que se firma, afirma, triunfa e brilha por via da dissolução do paterno, do masculino, do homem, enfim.

Volver - o título do filme -, no meu entender, mais não é do que uma revisitação!
Volver condensa, de forma simultaneamente eloquente e literária, mas igualmente prosaica, a patologia da repetição.

Volver - voltar, regressar - rima com (eterno) retorno, com repetição de uma mesma história, de um mesmo destino. Como tive ocasião de explicitar, se quisermos, rima com trangeracionalidade: o trauma repete-se, em várias gerações, perpetuando-se o ciclo do vício...

2 comentários:

Anónimo disse...

Dois comentários muito atrasados, pois só agora vi o filme, de que gostei muito:
- " pederastia" ? Não percebo. A não ser que tenha a ver com o significado da palavra "desejo pelo mais novo", mas no filme são de sexo diferente !
- Não acha a Carmen Maura muito parecida com a Leonie Rysanek ?
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Em termos psicopatológicos, pederasta é o que mantém relações sexuais com menores, independenetemente do sexo.
Quanto à nossa querida Léo... Será semelhante à Carmen Maura, mas mais bonita! O que uma tinha de genial na ópera, a outra tem como actriz!!!