Um final de férias apoteótico, com este Pelléas et Mélisande.
Em 2000, vivia eu em Paris, onde estudava, quando o Théâtre des Champs-Élysées levou à cena uma interpretação da referida ópera de Debussy.
Bernard Hatink dirigiu uma histórica leitura, em versão de concerto - hélas! -, desta magistral criação lírica.
Na época, os meus conhecimentos operáticos eram bem mais modestos do que presentemente. Ainda assim, conhecia a ópera, via Claudio Abbado (DG).
Sai da récita - a première, a 14 de Março - com uma sensação estranha. Apreciei a produção, sem mais.
Anos volvidos sobre aquela noite, ousei re-escutar a proposta de Haitink.
No barrocal algarvio, onde me encontro a passar férias, regressei à noite original, dela saindo absolutamente invadido por uma sensação de plenitude.
O Pelléas et Mélisande de Haitink é magistral!
Esta ópera, mais do que qualquer outra que conheça, confere ao simbolismo um estatuto ímpar: tudo é sugerido, tudo é representado por via indirecta, nada sendo explícito.
Tal como no trabalho de sonho, nesta composição de Debussy, o deslocamento assume um papel preponderante: por exemplo, os estados de alma dos protagonistas são explicitados pelos elementos da natureza, que os representam de forma poética e eloquente.
O próprio clima de mistério e temor em que a ópera está envolta chega até nós por via indirecta, como que filtrado.
Sensação é a palavra-chave.
Pois bem, Haitink, com este trabalho, evidencia a sua profunda cumplicidade com Claude Debussy: limitando-se a sugerir, desperta no espectador sensações e impressões.
A música de Debussy, avessa a rupturas e cortes, é fluida, produzindo uma saborosa impressão ondulante de continuidade.
Haitink, na sua direcção, sublinha a dimensão diáfana da partitura.
Ao lado do maestro, Von Otter, absolutamente camaleónica - ora Octávio, ora Sesto, ora Ariodante, ora Carmen -, cria uma Mélisande de sonho, pueril, misteriosa e etérea.
Fiquei estarrecido com o seu sentido dramático, que no Acto V atinge a glória!
Naouri, na pele de Golaud, compõe uma soberba figura. O timbre é belíssimo!
A meu ver, seria perfeito, não fora a declamação, que se pretende mais elegante, aberta e explícita.
Bizarramente, a circunstância de ser francês não constitui uma mais-valia, face aos dois colegas estrangeiros - Von Otter e Holzmair -, cujos acentos tocam as raias da poesia!
O Pélleas de Holzmair vai-se firmando, ao longo da récita, terminando de forma magnífica: a declamação é envolvente, impregnada de sentimento e emoção; o estilo é nobre, com linhagem.
Quanto aos demais intérpretes, com as respectivas prestações, nada mais fazem do que acentuar o carácter diáfano e fortemente sugestivo da mais extraordinária e singular peça lírica francesa.
Por Haitink, sobretudo, por Von Otter, Holzmair e Naouri, mas acima de tudo por um Debussy em estado puro, gloriosamente servido: sugestivo e impressivo até ao âmago.
Em 2000, vivia eu em Paris, onde estudava, quando o Théâtre des Champs-Élysées levou à cena uma interpretação da referida ópera de Debussy.
Bernard Hatink dirigiu uma histórica leitura, em versão de concerto - hélas! -, desta magistral criação lírica.
Na época, os meus conhecimentos operáticos eram bem mais modestos do que presentemente. Ainda assim, conhecia a ópera, via Claudio Abbado (DG).
Sai da récita - a première, a 14 de Março - com uma sensação estranha. Apreciei a produção, sem mais.
Anos volvidos sobre aquela noite, ousei re-escutar a proposta de Haitink.
No barrocal algarvio, onde me encontro a passar férias, regressei à noite original, dela saindo absolutamente invadido por uma sensação de plenitude.
O Pelléas et Mélisande de Haitink é magistral!
Esta ópera, mais do que qualquer outra que conheça, confere ao simbolismo um estatuto ímpar: tudo é sugerido, tudo é representado por via indirecta, nada sendo explícito.
Tal como no trabalho de sonho, nesta composição de Debussy, o deslocamento assume um papel preponderante: por exemplo, os estados de alma dos protagonistas são explicitados pelos elementos da natureza, que os representam de forma poética e eloquente.
O próprio clima de mistério e temor em que a ópera está envolta chega até nós por via indirecta, como que filtrado.
Sensação é a palavra-chave.
Pois bem, Haitink, com este trabalho, evidencia a sua profunda cumplicidade com Claude Debussy: limitando-se a sugerir, desperta no espectador sensações e impressões.
A música de Debussy, avessa a rupturas e cortes, é fluida, produzindo uma saborosa impressão ondulante de continuidade.
Haitink, na sua direcção, sublinha a dimensão diáfana da partitura.
Ao lado do maestro, Von Otter, absolutamente camaleónica - ora Octávio, ora Sesto, ora Ariodante, ora Carmen -, cria uma Mélisande de sonho, pueril, misteriosa e etérea.
Fiquei estarrecido com o seu sentido dramático, que no Acto V atinge a glória!
Naouri, na pele de Golaud, compõe uma soberba figura. O timbre é belíssimo!
A meu ver, seria perfeito, não fora a declamação, que se pretende mais elegante, aberta e explícita.
Bizarramente, a circunstância de ser francês não constitui uma mais-valia, face aos dois colegas estrangeiros - Von Otter e Holzmair -, cujos acentos tocam as raias da poesia!
O Pélleas de Holzmair vai-se firmando, ao longo da récita, terminando de forma magnífica: a declamação é envolvente, impregnada de sentimento e emoção; o estilo é nobre, com linhagem.
Quanto aos demais intérpretes, com as respectivas prestações, nada mais fazem do que acentuar o carácter diáfano e fortemente sugestivo da mais extraordinária e singular peça lírica francesa.
Por Haitink, sobretudo, por Von Otter, Holzmair e Naouri, mas acima de tudo por um Debussy em estado puro, gloriosamente servido: sugestivo e impressivo até ao âmago.
Obrigatório! Incontornável, fiel leitor!
(NAÏVE V 4923)
Sem comentários:
Enviar um comentário