Kna está para Parsifal como Giulini para Don Giovanni.
Absolutamente incontornáveis, as duas leituras dos maestros constituem modelos: a veia pueril do primeiro e o brilho do segundo (na interpretação das respectivas óperas) provam-nos que, também na leitura musical, a metafísica e a transcendência não são miragens...
Vem esta prosa a propósito de uma recentíssima interpretação de Parsifal, que muita tinta fará correr.
Pese embora a minha incondicional admiração pelas duas leituras de Kna, de Parsifal - TELDEC 1951 e PHILIPS 1962 -, a bem da diversidade estética e da liberdade interpretativa, procuro incessantemente alternativas.
É assim que, no que à mencionada ópera de Wagner concerne, vou adicionando outras interpretações - Boulez, Barenboim e Von Karajan, por exemplo.
Procuro, assim, insurgir-me contra a idealização e o monolitismo!
Perguntará o leitor mais exigente se existe espaço para mais uma interpretação de Parsifal... Creio que sim, sem hesitar, sobretudo se se tratar da proposta de Thieleman.
A meu ver, a glória desta recente proposta radica na parelha Thielemann / Orchester der Wiener Staatsoper, em Domingo e Meier.
A leitura orquestral proporcionada pela Staatsoper de Viena é inegavelmente poética: ora diáfana e pueril, ora robusta e soleníssima, a orquestra movimenta-se com igual à vontade no recolhimento e na exaltação mística
Devo ainda destacar, neste âmbito, o genial labor das cordas - porventura as melhores do mundo... -, delicadas, majestosas e com um nível de afinação primoroso!
Domingo - que aqui interpreta o papel titular, uma vez mais - quis apagar a medíocre prestação dos mid-90´s, sob a batuta de Levine (também na casa DG): o alemão é agora mais aberto, cuidado, firme e seguro.
É verdade que o tenor insiste no arrebatamento... A envergadura vocal mantém-se inabalável, com folgo e pujança a rodos! Primoroso na exaltação e na expressão do êxtase, Domingo revela-se menos eficaz no lirismo - i.e., no lado mais pueril do herói -, pois Parsifal, apesar de inegavelmente heróico, é também inocente e casto... Há que recordá-lo!
W. Meier é a última grande Kundry da história; prova-o esta soberana interpretação. Apesar de negligenciar o lado erótico e sedutor da personagem, a Kundry desta intérprete é particularmente expressiva no domínio da insanidade, indo muito mais longe do que, por exemplo, Mödl, cuja louca Kundry (Kna´1951) atormentava o maior dos afoitos!
Como ilustração artística destas minhas considerações, destacaria, caro leitor, o final do segundo acto.
A prestação do casal Parsifal - Kundry, nesta fase da trama, é mítica: ambos ilustram com indesmentível mestria o debate entre carne e espírito.
Doravante, ela deprime-se, entregando-se à melancolia; ele faz uma magistral pirueta maníaca, tornando-se num salvador asceta, convicto e singular.
Acrescentaria duas palavras, antes de terminar, a propósito de Amfortas e Gurnemanz.
Ambas as interpretações padecem de uma relativa fragilidade artística: enquanto o Amfortas de Struckmann se revela algo translúcido, dramaticamente, o Gurmenaz de Selig padece de falta de heroicidade e autoridade. Quanto ao Klingsor de Bankl, diria que cumpre a sua missão, com relativa eficácia, sem contudo se destacar.
Posto isto, caro e fiel leitor, recomendo esta interpretação aos heterodoxos e, muito particularmente, aos amantes da orquestra da Ópera de Viena.
Absolutamente incontornáveis, as duas leituras dos maestros constituem modelos: a veia pueril do primeiro e o brilho do segundo (na interpretação das respectivas óperas) provam-nos que, também na leitura musical, a metafísica e a transcendência não são miragens...
Vem esta prosa a propósito de uma recentíssima interpretação de Parsifal, que muita tinta fará correr.
Pese embora a minha incondicional admiração pelas duas leituras de Kna, de Parsifal - TELDEC 1951 e PHILIPS 1962 -, a bem da diversidade estética e da liberdade interpretativa, procuro incessantemente alternativas.
É assim que, no que à mencionada ópera de Wagner concerne, vou adicionando outras interpretações - Boulez, Barenboim e Von Karajan, por exemplo.
Procuro, assim, insurgir-me contra a idealização e o monolitismo!
Perguntará o leitor mais exigente se existe espaço para mais uma interpretação de Parsifal... Creio que sim, sem hesitar, sobretudo se se tratar da proposta de Thieleman.
A meu ver, a glória desta recente proposta radica na parelha Thielemann / Orchester der Wiener Staatsoper, em Domingo e Meier.
A leitura orquestral proporcionada pela Staatsoper de Viena é inegavelmente poética: ora diáfana e pueril, ora robusta e soleníssima, a orquestra movimenta-se com igual à vontade no recolhimento e na exaltação mística
Devo ainda destacar, neste âmbito, o genial labor das cordas - porventura as melhores do mundo... -, delicadas, majestosas e com um nível de afinação primoroso!
Domingo - que aqui interpreta o papel titular, uma vez mais - quis apagar a medíocre prestação dos mid-90´s, sob a batuta de Levine (também na casa DG): o alemão é agora mais aberto, cuidado, firme e seguro.
É verdade que o tenor insiste no arrebatamento... A envergadura vocal mantém-se inabalável, com folgo e pujança a rodos! Primoroso na exaltação e na expressão do êxtase, Domingo revela-se menos eficaz no lirismo - i.e., no lado mais pueril do herói -, pois Parsifal, apesar de inegavelmente heróico, é também inocente e casto... Há que recordá-lo!
W. Meier é a última grande Kundry da história; prova-o esta soberana interpretação. Apesar de negligenciar o lado erótico e sedutor da personagem, a Kundry desta intérprete é particularmente expressiva no domínio da insanidade, indo muito mais longe do que, por exemplo, Mödl, cuja louca Kundry (Kna´1951) atormentava o maior dos afoitos!
Como ilustração artística destas minhas considerações, destacaria, caro leitor, o final do segundo acto.
A prestação do casal Parsifal - Kundry, nesta fase da trama, é mítica: ambos ilustram com indesmentível mestria o debate entre carne e espírito.
Doravante, ela deprime-se, entregando-se à melancolia; ele faz uma magistral pirueta maníaca, tornando-se num salvador asceta, convicto e singular.
Acrescentaria duas palavras, antes de terminar, a propósito de Amfortas e Gurnemanz.
Ambas as interpretações padecem de uma relativa fragilidade artística: enquanto o Amfortas de Struckmann se revela algo translúcido, dramaticamente, o Gurmenaz de Selig padece de falta de heroicidade e autoridade. Quanto ao Klingsor de Bankl, diria que cumpre a sua missão, com relativa eficácia, sem contudo se destacar.
Posto isto, caro e fiel leitor, recomendo esta interpretação aos heterodoxos e, muito particularmente, aos amantes da orquestra da Ópera de Viena.
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