sexta-feira, 10 de março de 2006

Expressões d´a Falha (II)


(RCA 09026 68920 2)

Este recital de la Rysanek constitui uma raridade, dado que é integralmente preenchido por árias de ópera italiana (verdiana e verista).

Leonie Rysanek foi, porventura, a mais reputada straussiana da sua geração, brilhando com ninguém no papel de Imperatriz. Míticas, de igual modo, foram as suas Marschallin, Salomé, para não mencionar os três papeis femininos da Elektra, que interpretou em momentos diferentes da sua carreira.

Ora, o presente registo compreende parte substancial do repertório italiano que a grande senhora interpretou. Deste repertório específico, destacaria duas encarnações absolutamente transcendentes, que constituíram pedras de toque da sua carreira internacional; falo da Lady Macbeth - que interpretou no Met, em substituição da Callas, que recusara alternar este papel, em 1958, com o de Violeta - e de Desdemona.

O repertório deste cd, tendo um mesmo denominador comum - o italiano -, é assaz dispare, dado que cobre o spinto puro - Lady Macbeth, Leonora (d´A Força do Destino), Amélia e Aïda -, o lírico - Desdemona e Madalena (Andrea Chénier) - e o dramático - Tosca, Turandot e Santuzza.
Ecletismo mais eclético, não há!

Este cd tem o mérito de revelar de forma absolutamente fidedigna o talento e limites da intérprete, sendo que os segundos se esbatem...

Leonie Rysanek revela, aqui - tal como em cena, a avaliar pelo espólio existente -, uma técnica falível e particular, à la Callas: emissão sustentada a custo, com flutuações e oscilações (particularmente visível numa linha melódica insegura), agudos algo estridentes, médios encorpados e graves bem apoiados.

Paralelamente, aqui e ali, emerge um italiano algo parasitado pelo seu alemão materno (vide a declamação de Madalena, em particular)...

Mas, mas... tudo se dilui diante do seu extraordinário talento interpretativo!

Rysanek entrega-se em absoluto ao jogo dramático, sem pudor, nem limites.
Não hesito um segundo em apelidar a sua caracterização de imperial: possui uma inusitada capacidade de dar sentido ao heroísmo de Aïda, à dor asfixiante de Amélia, à insanidade altaneira de Lady Macbeth, ao sofrimento de Madalena; à côté, pincela uma Desdemona pueril e dócil, mas aristocrática, uma princesa Turandot fria e orgulhosa...

O calor abunda nas suas personagens, sendo a vitalidade das mesmas de uma convicção transparente!
Respiram, revitalizando-se, a cada instante! Nelas pulsa o sangue, fervilha a humanidade...

Que regalo! Que talento!

Para quem conhece o Strauss e o Wagner de la Rysanek, recomendo vivamente este recital italiano, dada a elevadíssima qualidade das composições dramáticas aqui presentes, sobretudo.

10 comentários:

Anónimo disse...

Leonie Rysanek foi uma enorme cantora a quem injustamente as editoras discográgicas negligenciaram. Que me lembre a Desdémona, a Imperatriz, a Lady, a Aridne, a Leonore beethoveniana, a Sieglinde e este disco de árias italianas, onde a cantora se introduz a si própria. Felizmente as gravações ao vivo são muitas e que são completadas pelo Video da sua fabulosa Elektra (a única vez que a interpretou, mas que sempre considerou o papel maior de todo o Strauss, ela, como muito bem o João diz, a grande straussiana, sem dúvida a mais completa, e que pelas suas próprias palavras nunca o abordou enquanto a "Birgit" o cantou -- que grande lição de carácter)e outros tetemunhos videográficos: Ortruda, Herodias, que também gravou, e recitais . De tudo isto acrescentoque é escandaloso que nunca tenha sido convidada para gravar a frágil Chrysothemis, ela foi a maior do seu tempo e talvez de que há memória.
Essa fragilidade que tão bem vestia associava-se a uma feminilidade extrema, que é tão bela e que de momento só encontro em Gwyneth Jones. Estraços de carácter a grande artista deixava transparecer nas suas entrevistas, nas suas representações e de certa maneira nas suas gravações.
Vienense de gema, e, por isso, segundo ela, positiva, não concordava com a visão decadente da Marshallin da Schwarzkopf, o que não deixa de ser um juízo interessante. Era também dela uma outra opinião relevante. Para a Rysanek a personagem Tosca, quando a interpretava em palco, sentia-a sempre como a de uma mulher mais velha que o seu amante e daí a sua insegurança.
Foi uma grande injustiça dos deuses que esta grande artista, após quase cinco décadas de carreira gloriosa, quando começava a gozar uma "reforma" merecida, tivesse sido arrancada à Vida. Se há Eternidade, que repouse em paz, que bem o merece pelo que de satisfação deu aos melómanos deste planeta.
Quanto á voz da Rysanek, que no fundo é o que mais interessa, já tudo foi dito pelo João. Embora a grande cantora de reportório germânico não estivesse a um tão grande nível no italiano (estou a pensar na Elisabeth Rethberg, a cantora número um do Toscanini e da Flagstad)foi, dado o seu temperamento dramático, uma muito credível intérprete. Faltava-lhe talvez uma certa "italianitá", especialmente nas partes onde se exigia uma escola belcantista (não se pode ter tudo), de que resultava uma "agilitá" totalmente ausente. Tudo isto era compensado pela grande voz, os seus excelentes graves e, como já disse, o dramatismo da sua voz. De tudo isto penso, no entanto, que a posse deste CD, embora não indispensável, é, no entanto,uma excelente aquisição.
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Concordando consigo, destacaria, ainda, duas interpretações fabulosas, que não referiu:

- Salome, sob a direcção de Böh, live from Vienna;
- árias da Elektra. onde encarna as três figuras femininas, em trêm momentos distintos da sua carreira.

Anónimo disse...

João,
Não possuo a Salomé da Rysanek, mas sei que ao ser censurada, como projecto e por causa da idade, pelo Karajan, cortou relações com ele. Nunca a ouvi, mas acredito plenamente que deve ser uma grande Salomé.
Quanto à gravação das três personagens da Elektra, ela está incluída no que eu referi nas gravações ao vivo. Nada mais se pode pedir da grande straussiana, incluindo a Klytemnestra; acontece mesmo que nos duetos com a Nilsson, para meu espanto, a voz da Rysanek chega a sobrepor-se à voz da Nilsson, talvez por causa de colocação de microfones (talvez sim, talvez não). Não sei se o João possui uma Elektra filmada do Met com ambas ? A Nilsson com 62 anos só lá para o fim da ópera faz lembrar quem era, mas a Rysanek com 56 está fabulosa. A interpretação cénica de ambas é avassaladora.
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

O que eu não daria para ter essa ELEKTRA...

Anónimo disse...

João,
Conhece alguém que tenha um aparelho de LaserDisc ?
Eu digo isto porque eu lembro-me que os LaserDisc não tiveram muita divulgação em Portugal, como em toda a Europa, quando aqui pelas minhas paragens, que serve primordialmente o mercado americano e japonês, comprávamos LaserDisc como hoje se compram DVDs. Tenho mais de uma centena de LaserDisc e agora se o meu aparelho se estragar tenho de tentar ver se arranjo um em segunda mão porque já não se fabricam. Isto é uma grande chatice porque foi um grande investimento para agora ser posto em causa. Desculpe o dasabafo.
Raul

Anónimo disse...

Já me esquecia. Esta Electra foi primeiramente editada em videocassete.
Raul

Anónimo disse...

SE faço a pergunta se o João conhece alguém com um aprelho de Laserdisc é porque esta Elekra com a Nilsson <> Rysanek está em LaserDisc ?
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Infelimente, a minha resposta é negativa... não conheço...

Anónimo disse...

Ora aí está uma boa razão para conhecer estas paragens e vê-lo na minha casa.
Raul

Anónimo disse...

hi,
i am peter from vienna.
i saw leonie rysanek in most of her roles in vienna.i love her.
i have a dvd from her salome in japan,bad quality but she was great.
my mail is
peter.kudrna at chello.at
pls german or english
best wishes peter