sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Expressões narcísicas no estrelato

Na lírica, nomeadamente, o estrelato associa-se a uma expressão narcísica de dimensão invulgar: sobranceria, arrogância, omnipotência, triunfalismo, desprezo pelo labor e qualidades alheias, porte altaneiro, paralelamente à projecção de uma imagem-de-si grandiosa e invulgar.

O desamor travestido de uma pseudo-segurança e auto-confiança.



Penso na Callas, mal-amada desde o berço até às garras do Armador, que ao trocá-la reabre a imensa ferida narcísica da grega.
Camuflou com eficácia a sua dor primária, sob o manto da omnipotência: tudo cantou e interpretou, ignorando os próprios limites.



Penso, igualmente, na Gheorghiou, que recentemente declarou ao Le Monde de la Musique (com um deslate inusitado), ser a Diva da actualidade, herdeira do talento da Callas.

Que herdou da grega um frágil narcisismo, disso não duvido, quanto ao resto...

Diria tratar-se de uma identificação plenamente narcísica, dada a especularidade evidente do mecanismo e causa: uma réplica espelhada, tout court.

Penso, ainda, na Norman, na Te Kanawa, em Del Monaco, na Anderson, indubitavelmente figuras cimeiras da lírica, incontestavelmente representantes de um amor-de-si peculiar...

19 comentários:

Anónimo disse...

Que atrevimento, o da Gheorghiou !
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

A rapariga queria ser deslumbrante, mas não passa de uma deslumbrada!

Anónimo disse...

João,
Outro assunto:
Consegue neste momento logo à primeira abrir todo o mês de Fevereiro ?
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

What do you mean? Abrir todo o mês de Fevereiro? No blog, clicando em Fevereiro, é isso???

Anónimo disse...

Afinal sempre nos vai brindando com pérolas do colar de Narciso :)

Anónimo disse...

João,
Sim, é isso.
Raul

Anónimo disse...

João,
Por exwemplo, estava agora a escrever sobre o que a crítica da Gramophone dizia sobre a Norma da Gruberova, porque eu não a conheço e era nos "comments" a seguir ao disco da Emi da Schwarzkopf e de repente "caiu", perdendo tudo o que tinha escrito. Note-se que tinha chegado a esta parte do blog de Fevereiro depois de não o ter conseguido muitas e muitas vezes. Eu penso que este mês há muitas fotagrafias o que "enche"
Raul

Anónimo disse...

Voltando à Gheorghiou.
Usando uma arcaísmo medieval que me delicia: ela é uma atrevuda.
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Helena,

Coisa pouca, minha cara, coisa pouca! Gostaria de me lançar em aventuras mais ousadas. Ver-se-á!

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Sim, consigo abrir todo o mês de Fevereiro. Não está a consegui-lo?

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

O meu fabuloso MAC raramente me deixa ficar mal ;-))) Por estas bandas, abro o mês inteiro, sem problemas! Get a Mac ;) !!

Anónimo disse...

A Gheorghiu é sinistra. E eu não sou um um fã "empenhado" da Callas mas perante tal arrogância sinto-me envergonhado pela Gheorghiu.... enquanto exemplo da raça humana.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Que exagero !!!

Anónimo disse...

Meu caro J. Ildefonso,
"sinistra", "ter vergonha de",...não acha que existe um excessozinho nas suas palavras? Desculpe mas faz-me lembrar certa crítica francesa que recorre a todos os adjectivos para "marcar" qualquer interpretação que não lhe agrada. Estou a lembrar-me do mais célebre crítico francês, André Tubeuf, dizer que a voz da Tebaldi na Elisabeth de Vallois da Decca estava "un rien de sclérosé" e outro a dizer que a Fedora Barbieri era numa outra gravação obscena. É por isso que gosto mais da crítica desapaixonada dos ingleses.
Não fique zangado comigo.
Raul

Anónimo disse...

Lamento mas é exactamente o que a Gheorghiu me sugere. Confesso que me agradou a sua Traviata do Convent Garden, mas mesmo aí, se bem que vocalmente a Gheorghiu seja muito decorosa, transpareçe uma certa antipatia na sua interpretação da Violeta, que me pareçe que não tenha sido um desejo deliberado de caracterização do personagem mas sim, uma expressão involuntária do caracter da interprete. Talvez seja muito duro com ela ( e com outros) mas instintivamente desconfio de cantores que gravam um reportório e depois ao vivo cantam outro completamente diferenrte para vozes muito mais "ligeiras".
Já agora não é fácil zangar-me:-))) E com a Gheorghiu não consegue porque não lhe atribuo importância nenhuma.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Caro J. Ildefonso
Deixemos a Gheorghiou, que é "atrevuda" nos seus juízos, provavelmente uma "deslumbrada" saída da tenebrosa Roménia do Ceausescu. Eu, no meu entender, faço por separar a intérprete da sua personalidade. De outro modo não suportaria intérpretes como Renata Scotto, que teve de sair de Itália porque era impossível de aturar e que foi a minha estreia absoluta em ópera (tinha 13 anos) ao vê-la na Butterfly (era nesse momento a melhor, ou pelo menos a mais requisitada, Butterfly do mundo).
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Oh Raul, conte lá essa da Scotto! Era insuportável? Conte, conte!!

Anónimo disse...

Para já, sem pormenores, isso foi-me dito por uma italiana, muito italiana, que conhecia o meio. Mas há mais.
Para já um egocentrismo exacerbado, como por exemplo: a Callas apreciava muito a Scotto, o que se percebe, e isso era mútuo, o que outra coisa não era de esperar. Aquando dos 25 anos da morte da Callas a televisão italiana dedicou-lhe um programa e entrevistou alguns divos e divas (curiosamente a Tebaldi recusou), entre eles a Scotto, dada a admiração mútua. No entanto, durante qualquer questão posta pelo entrevistado sobre a Callas , a signora Scotto começava a resposta "é como eu" e "blá blá.." e começava a falar dela própria. Foi assim quase toda a entrevista.
Outras coisas:
Numa récita não sei onde teve quelquer problema com a Cossoto, com quem devia dividir o camarim. Ficou amuada ou zangada e foi para o camarim dos homens.
Em San Francisco cantava-se La Gioconda com ela e o Pavarotti. No fim o público reclamou o Pavarotti sozinho e ela, a protagonista, furiosa, disse em alto e bom som para todos a ouvirem que o público era "una merda" e que o teatro era também "una merda".
Também acrescento e ficou conhecido na altura. Veio a Lisboa cantar "La Sonnambula" (eu vi-a, de cair para ao lado). Como o mezzo português, que fazia de Teresa, a mãe, se aproximasse muito dela talvez abraçando-a,a Scotto para a afastar e poder estar mais à vontade para cantar, começou aos pontapés à nossa compatriota. Foi nessa altura "the talk of the town".
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Raul,

Pois é... A Scotto e o seu frágil narcisismo, tão caricaturalmente patente na hipertrofia do eu ("Eu fiz, eu isto, eu aquili)