O conflito que opunha Riccardo Muti a Carlo Fontana, Mauro Meli e grande parte dos trabalhadores do mais prestigiado teatro lírico italiano teve o seu epílogo no passado sábado, conforme noticia o Le Monde.
Ao cabo de 18 anos como director musical do Teatro alla Scala, Muti demite-se, alegadamente por não abdicar de seguir uma política centrada na divulgação de obras marginais ao repertório popular - recorde-se que, para abrir a última temporada, o maestro escolheu Europa Riconosciuta, ópera de Salieri, bem desconhecida do público... Esta opção não teria suscitado polémica alguma, não fora a suposta crise de audiências da ópera de Milão, crise essa que, inevitavelmente, se repercute no cada vez mais parco orçamento do teatro !
Estranha justificação, diria eu ! Se é verdade que a citada ópera de Salieri não prima pela popularidade, a restante temporada parece-me ter sido pensada para o grande público - Rinaldo, Elektra, Otello, Tannhauser, A dama de Espadas, etc.
Das últimas temporadas, destacaria o formidável Falstaff que dirigiu, com Maestri (que vimos no São Carlos, na pele de G. Germont e, mais recentemente, como Simon Boccanegra, da ópera homónima de Verdi), Frittoli (a Dona Elvira do último Don Giovanni que teve lugar no nosso teatro lírico), Flórez, entre outros. A produção desta ópera é notável, em termos plásticos, rivalizando com a que Vick dirigiu, em Covent Garden, por ocasião da reabertura da Royal Opera House.
Mais polémico foi o último Il Trovatore que o maestro italiano dirigiu no alla Scala...
Com um elenco competente, mas pouco ajustado às exigências desta ópera - Licitra superficial, Frittoli ligeira (a Leonora não é, definitivamente, adequada a esta soprano, que é uma exímia mozartiana !), Urmana pesada (já andava de olho nos papeis de soprano verdiano, que parece encarnar com um talento invulgar) e Nucci decadentíssimo -, o maestro viu-se envolto numa dispensável polémica por - imagine-se - impedir que o tenor emitisse o famoso dó de peito, que Verdi não escreveu, mas que o público se habituou a ouvir (e a exigir), no final da ária Di quella pira...
Once again, este pretexto parece-me sintomático de um desejo de mudança, cuja legitimidade não ouso discutir ! Afinal, já lá vão 18 anos...
Cá por casa, na minha discoteca pessoal, figuram algumas pérolas dirigidas por Muti que - diga-se em abono da verdade - não é dos meus maestros predilectos...
Quoi qu´il en soit, em matéria de Verdi, são dignos de referência registos como Macbeth (com Milnes e Cossotto), La Traviata (com Scotto e Kraus, ambos talentosíssimos, embora numa fase outonal...), La Forza del Destino (magistral, com Freni, Domingo e... Bruscantini !) e Nabucco, para citar os mais emblemáticas.
Menos feliz a dirigir Mozart do que Rossini ou Verdi, o maestro Muti tem o mérito de ter convencido Studer a gravar a Donna Anna, do Don Giovanni ! Aliás, parece-me que com ele partilho o fascínio por esta cantora americana, incontestavelmente a mais luminosa das vozes dos anos 90 !
Ainda no capítulo Mozartiano, dirigiu um Don Giovanni - disponível em DVD - com Allen que, durante anos, era insuperável no papel titular desta ópera.
Por fim, destaco a leitura que realizou d´As Bodas de Figaro, onde contou com uma Condessa de antologia: M. Price.
Confesso ainda que, como Muti, tenho um declarado fascínio e admiração por uma cantora praticamente desconhecida do público português: June Anderson, La June, como lhe chamam os milaneses, depois da sua arrebatadora Lucia (a fazer recordar o epíteto de Stupenda, com que distinguiram Sutherland, em 59, quando interpretou o mesmo papel, com igual sucesso).
Se não estou em erro, quando a cantora interpretou, pela primeira vez, no alla Scala, a Lucia, era Muti que dirigia a orquestra ! Milão ia sucumbindo de êxtase, depois das récitas desta ópera de Donizetti.
Há alguns anos, via-a nesse mesmo papel, em duas récitas, na Bastilha. O maestro era Campanella. Não sei como teria sido se fosse Muti a dirigi-la...
Jamais assisti a tamanha ovação ! Estive a pontos de tomar um tranquilizante, tal não era a minha agitação ! Anderson foi a mais impressionante e convincente interprete que vi, em palco, nos dias da minha vida... A cena da loucura foi prodigiosa, pela técnica, pela interpretação... felizmente, estava com o Tiago - o meu melhor amigo -, que comigo testemunhou aquele momento histórico !
Muti escolheu-a para gravar algumas heroínas do Rossini sério, nomeadamente Elena (La Donna del Lago) - disponível em cd e dvd.
Ah ! Ia-me esquecendo... Há uma Cavalleria Rusticana, dirigida por Muti e interpretada por Meier e Cura, que merece ser vista !!! Infelizmente, só a tenho em vhs, gravada de uma noite de ópera, na 2...
Ao cabo de 18 anos como director musical do Teatro alla Scala, Muti demite-se, alegadamente por não abdicar de seguir uma política centrada na divulgação de obras marginais ao repertório popular - recorde-se que, para abrir a última temporada, o maestro escolheu Europa Riconosciuta, ópera de Salieri, bem desconhecida do público... Esta opção não teria suscitado polémica alguma, não fora a suposta crise de audiências da ópera de Milão, crise essa que, inevitavelmente, se repercute no cada vez mais parco orçamento do teatro !
Estranha justificação, diria eu ! Se é verdade que a citada ópera de Salieri não prima pela popularidade, a restante temporada parece-me ter sido pensada para o grande público - Rinaldo, Elektra, Otello, Tannhauser, A dama de Espadas, etc.
Das últimas temporadas, destacaria o formidável Falstaff que dirigiu, com Maestri (que vimos no São Carlos, na pele de G. Germont e, mais recentemente, como Simon Boccanegra, da ópera homónima de Verdi), Frittoli (a Dona Elvira do último Don Giovanni que teve lugar no nosso teatro lírico), Flórez, entre outros. A produção desta ópera é notável, em termos plásticos, rivalizando com a que Vick dirigiu, em Covent Garden, por ocasião da reabertura da Royal Opera House.
Mais polémico foi o último Il Trovatore que o maestro italiano dirigiu no alla Scala...
Com um elenco competente, mas pouco ajustado às exigências desta ópera - Licitra superficial, Frittoli ligeira (a Leonora não é, definitivamente, adequada a esta soprano, que é uma exímia mozartiana !), Urmana pesada (já andava de olho nos papeis de soprano verdiano, que parece encarnar com um talento invulgar) e Nucci decadentíssimo -, o maestro viu-se envolto numa dispensável polémica por - imagine-se - impedir que o tenor emitisse o famoso dó de peito, que Verdi não escreveu, mas que o público se habituou a ouvir (e a exigir), no final da ária Di quella pira...
Once again, este pretexto parece-me sintomático de um desejo de mudança, cuja legitimidade não ouso discutir ! Afinal, já lá vão 18 anos...
Cá por casa, na minha discoteca pessoal, figuram algumas pérolas dirigidas por Muti que - diga-se em abono da verdade - não é dos meus maestros predilectos...
Quoi qu´il en soit, em matéria de Verdi, são dignos de referência registos como Macbeth (com Milnes e Cossotto), La Traviata (com Scotto e Kraus, ambos talentosíssimos, embora numa fase outonal...), La Forza del Destino (magistral, com Freni, Domingo e... Bruscantini !) e Nabucco, para citar os mais emblemáticas.
Menos feliz a dirigir Mozart do que Rossini ou Verdi, o maestro Muti tem o mérito de ter convencido Studer a gravar a Donna Anna, do Don Giovanni ! Aliás, parece-me que com ele partilho o fascínio por esta cantora americana, incontestavelmente a mais luminosa das vozes dos anos 90 !
Ainda no capítulo Mozartiano, dirigiu um Don Giovanni - disponível em DVD - com Allen que, durante anos, era insuperável no papel titular desta ópera.
Por fim, destaco a leitura que realizou d´As Bodas de Figaro, onde contou com uma Condessa de antologia: M. Price.
Confesso ainda que, como Muti, tenho um declarado fascínio e admiração por uma cantora praticamente desconhecida do público português: June Anderson, La June, como lhe chamam os milaneses, depois da sua arrebatadora Lucia (a fazer recordar o epíteto de Stupenda, com que distinguiram Sutherland, em 59, quando interpretou o mesmo papel, com igual sucesso).
Se não estou em erro, quando a cantora interpretou, pela primeira vez, no alla Scala, a Lucia, era Muti que dirigia a orquestra ! Milão ia sucumbindo de êxtase, depois das récitas desta ópera de Donizetti.
Há alguns anos, via-a nesse mesmo papel, em duas récitas, na Bastilha. O maestro era Campanella. Não sei como teria sido se fosse Muti a dirigi-la...
Jamais assisti a tamanha ovação ! Estive a pontos de tomar um tranquilizante, tal não era a minha agitação ! Anderson foi a mais impressionante e convincente interprete que vi, em palco, nos dias da minha vida... A cena da loucura foi prodigiosa, pela técnica, pela interpretação... felizmente, estava com o Tiago - o meu melhor amigo -, que comigo testemunhou aquele momento histórico !
Muti escolheu-a para gravar algumas heroínas do Rossini sério, nomeadamente Elena (La Donna del Lago) - disponível em cd e dvd.
Ah ! Ia-me esquecendo... Há uma Cavalleria Rusticana, dirigida por Muti e interpretada por Meier e Cura, que merece ser vista !!! Infelizmente, só a tenho em vhs, gravada de uma noite de ópera, na 2...
8 comentários:
João,
Acho o Falstaff do Maestri muitíssimo bom. Aliás, vi o Simon Boccanegra por ele no San Carlos e achei-o um perfeito barítono verdiano, lembrando-me ás vezes a voz de Tito Gobbi.
Raul
Raul,
Faço minhas as suas palavras! E não viu o Giorgio Germont do Maestri? Não é possível! Foi immmmenso
João,
Não, não vi. Como poderia vê-lo vivendo onde vivo. SE não for por alturas do Natal, como foi o Simon Boccanegra, ou Ano Novo Chinês, é impossível ir a S. Carlos.
Raul
Não resisto a fazer um comentário à proibição que Mutti fez ao roliço tenor em cantar o "dó de peito" no Il Trovatore. O que Mutti fez foi um favor ao público e, sobretudo, Liccitra. Para quem não se lembra, nessa mesma altura, o tenor cantou o papel em São Carlos. Assisti ao ensaio-geral e depois à récita transmitida pela Antena 2. Ele bem fez força no difragma e nas cordas vocais, mas a nota teimava em não sair, caramba!...
Não resisti...mas, efectivamente, não suporto o artificialismo do estrelato atribuído a este cantor.
Bem haja pelo seu excelente blogue.
Caro Anónimo (Filipe?)
Também assisti a duas récitas dessa produção, uma com Licitra e a outro com um tenor russo, tão promissor quanto decepcionante...
Verdadeiramente, Licitra não me fascinou... Mas, diante da decepção geral, logo o Sabichão Jorge Calado se apressou a apelidar tudo e todos de tontos e incultos, patati, patatá, pois que, por ocasião da estreia de Bergonzi no São Carlos, o mesmo sucedera, ou seja, o cantor não fascinou - os incultos, onde eu me encontraria, se fosse vivo, à época, claro está ;-)))
Caro Dissoluto: andava a rondar os seus textos antigos e voltei, pelos vistos, a visitar este que não me lembrava já ter comentado...no tempo em que ainda era anónimo. =)))
O caro Dissoluto deve ser de facto um excelente psicólogo...como é que percebeu que era eu? Não tinha assinado devido a uma característica minha que já devem ter reparado: distracção.
Aproveito para corroborar a opinião do nosso caro Raul quanto ao Falstaff de Maestri, bem como a "maestria" com que o mesmo cantor interpretou o Germont, na Traviata em São Carlos que tive o privilégio de assistir.
Filipe
Filipe,
Sou um psi muito intuitivo!
Falstaff, para mim,, na actualidade é sinónimo de... TERFEL!
Sem dúvida. Tenho a gravação da DG dirigida pelo meu querido Abbado e gostava de comprar o DVD dirido, salvo erro, pelo meu também amantíssimo Haitink. Acho porém que o Falstaff lucra com cantores mais velhos...Se o Terfel é fanomenal agora, daqui a uns anos será divinal!
Filipe
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