segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

Forever Mattila !

Conheci e comecei a interessar-me por esta interprete através das opiniões de Jorge Calado, no Expresso, já há alguns anos.

A carreira desta cantora está recheada de mestria, inteligência, um invulgar talento interpretativo e muita, muita prudência !

Mattila é, em minha opinião, a lírico spinto - a caminho do dramático - mais talentosa da sua geração.

Espantosamente, Karita Mattila alia aquilo que - de acordo com a categorização dos psis -, em abstracto, é inconciliável: nela coexiste um controlo emocional portentoso e uma infinita capacidade histriónica, atributos que se materializam numa actriz de génio !

Falo de controlo, visto que, como poucos interpretes, estima o seu instrumento vocal, preservando-o. ! Efectivamente, é raro ultrapassar as cinquenta récitas anuais !

A carreira de um cantor lírico atinge o apogeu cerca dos 40, 45 anos, sendo visíveis - salvo excepções - sinais de declínio vocal daí em diante...

A inteligência dos cantores revela-se - entre outras - na forma como preparam a carreira... Rysanek cantou a Chrysothemis - da Elektra, de Strauss - no início da carreira, o papel titular da mesma ópera perto dos 50 anos e, de forma deslumbrante, literalmente, acabou os dias encarnando a terrífica Klytämnestra ! Soube auscultar a voz ! Ouviu-a e passou para o registo mezzo, quando tal se tornou oportuno... O talento cénico encarregou-se do resto ! (as três encarnações da Elektra estão reunidas num cd da ORFEO - C 504 991 B).

Noutro quadrante, Vickers, que, na primeira fase da carreira, cantou o Otello com um virilidade e densidade apenas comparável às interpretações de Vinay, abordou Tristão e Siegmund mais tarde e... terminou, como ninguém, a interpretar Britten ! O Peter Grimes do cantor canadiano é duma riqueza tremenda (Phillips´78)...

Mattila tem, se não me engano, 46 anos, não sendo visíveis quaisquer sinais de fadiga vocal !
Ao que me disse, em breve, tenciona encarnar a mais mítica das figuras femininas que Wagner alguma vez compôs: Isolda...
Convenhamos que ousar interpretar esta figura, perto dos cinquenta anos, é - senão imprudente - de uma ousadia sem limites ! Pelo que consta, foi a sábia Rysanek que lhe vaticinou este destino (Jorge Calado dixit).
Em 2009, se o boato tiver consistência, estarei no ROHCV a assistir à promissora Isolda !

A primeira vez que a vi foi na Bastille, há cerca de 4 anos.
Paris há muito que se havia rendido aos encantos da bela finlandesa... Cantara - pelo que pude ler - uma prodigiosa Elsa (do Lohengrin, de Wagner), numa polémica e ousada produção, que muita tinta fez correr... A insanidade da personagem era exuberante !

Dizia eu que a vi há quatro anos... A ópera não me cativava em particular - A Dama de Espadas. Confesso que fui assistir à récita, apenas e só, pelo nome em cartaz. Se a descreviam de forma tão rendida - e, neste capítulo, os parisienses não se deslumbram por dá cá aquela nota -, havia que arriscar !
Desde a primeira entrada em cena que Karita Mattila me fascinou ! Nunca havia ouvido uma lírico-spinto tão potente !
A voz era, em simultâneo, pura, densa e robusta ! É difícil imaginar-se uma voz assim... Sem esforço algum, a emissão era estonteante ! A crítica francesa - muito em particular a da, justamente, famigerada DIAPASON - aponta-lhe falhas na emissão...
Mas foi no domínio interpretativo que a cantora mais deu cartas, damas, espadas e muito, muito ouro ! O domínio do papel era absoluto ! A Lisa de Mattila - embora amputada e desenquadrada - está presente num magnífico recital, que inaugurou o contrato que a interprete firmou com a editora Erato - 8573 85785 2.

Na mesma temporada, numa versão insólita e inusitada do Otello de Verdi, compôs uma Desdemona portentosa, talvez demasiado robusta, a ponto de - ironicamente - ter asfixiado o peculiar Cura, cuja potência contrasta com a habilidade teatral ! O quarto acto - onde a frágil Desdemona tem o seu momento de glória teatral - foi pungente... A candura interpretativa, a doçura eram únicas, embora, como disse, a potência destoasse um pouco...

Desde então, não mais parei de seguir esta genial figura !

No Met - onde é rainha absoluta, tendo (apenas) como rival a talentosa Fleming -, Mattila, nos anos 90, já foi D.Elvira - papel que marcou o seu début na sala nova-iorquina -, Eva - dos Meistersinger, de Wagner - (papel que gravara, sob a direcção de Solti, em inícios dos anos 90 - DECCA 452 606 2 -, tendo a DG editado, muito recentemente, uma interpretação onde a cantora encarna a mesma personagem, ao lado do prodigioso Ben Heppner), Leonora, do Fidelio (igualmente disponível em dvd, da mesa casa e ladeada pelo citado Heppner).

(continua)

2 comentários:

Teresa disse...

Caro João, eu vou vê-la cantar o papel de Arabella - finalmente! -no Châtelet, no próximo mês de Maio. Mal posso esperar.

Il Dissoluto Punito disse...

A Arabella da Mattila é notável ! Via-a, no mesmo Châtelet... Estava ladeada de Barbara Bonney e do imenso Thomas Hampson ! A produção era portentosa ! De uma grandiosidade sem limites ! A escadaria... Bom... apesar de já a ter visto, fico a roer-me de inveja...
Agora, genial, genial, pleno de erotismo, sensualidade e volúpia... foi a Salome que a Mattila cantou no Met, há pouco menos de uma ano !
Nunca imaginei ver nada assim... Um orgasmo interminável ! Falarei mais desta encarnação da grande finlandesa, num outro post !

Um abraço, Teresa