terça-feira, 31 de julho de 2007

Bayreuth V: L'Affaire Die Meistersinger

A propósito do affaire-Katharina Wagner - cuja encenação de Os Mestres Cantores de Nuremberga tem feito correr tinta e mais tinta -, a encenadora declarou, em tom arrogante, ao estilo do patriarca da família:

Cá para nós, caro e paciente leitor, encenação que se preze deve suscitar tiradas passionais, não?!

Recordo que, por ocasião da estreia da produção de Chéreau de O Anel, em 1976 - produção comemorativa do centenário da estreia do dito O Anel -, choveram críticas absolutamente destrutivas!

Poucos anos volvidos, Chéreau ascendeu a Mestre. Doravante, a sua produção d'A Tetralogia tornou-se no cartão de visita do encenador.
Mítica obra, eis o meu veredicto, a propósito da leitura de Chéreau!


(Katharina & Wolfgang Wagner)

A veia iconoclasta da Valquíria-Kathy ainda vai dar que falar...

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Salzburgo I: Armida ossia l'apertura



Da ópera de Haydn diz-se que «(...) tienen mucho interés. Su construcción es impecable y su desarrollo formal o su intensidad expresiva también. Es por tanto una buena idea reivindicar a Haydn en casa de Mozart, con la representación de Armida, un drama heroico u ópera seria, y más si eso se hace en la apertura de una nueva época del Festival de Salzburgo

Pois bem, em Salzburgo, a abertura do Festival, com Armida, «Haydn convenció en casa de Mozart. El Festival de Salzburgo 2007 y la era Jürgen Flimm han comenzado con buen pie.»

Para o leitor não familiarizado com esta peça, deixo a minha sugestão, sem restrições!


domingo, 29 de julho de 2007

Teresa Stich-Randall (1927-2007)

As flores da lírica de outrora vão murchando, enquanto outras desabrocham...



Desta feita, foi a vez da mais redonda voz que conheci, Teresa Stich-Randall, se juntar aos eternos, neste fatídico mês de Julho de 2007 - a 17, para ser exacto -, tão prolixo em desaparecimentos de eminentes figuras.

Recordo-a como uma exímia mozartiana, sobretudo.

Relembremo-la, através destes incontornáveis documentos históricos:




O primeiro registo corresponde a um recital, gravado ao vivo em Aix, uma das suas mais dilectas casas. O segundo documento é uma compilação, de quatro cd's, essencialmente dedicados ao lied e oratória. Por fim, dois dos mais famosos Der Rosenkavalier e Falstaff, onde Stich-Randall interpreta, respectivamente, Sophie e Nanetta.

Proserpine...

... de Lully, por Hervé Niquet, constitui o fascículo 22 da colecção OS CLÁSSICOS DA ÓPERA - 400 ANOS.

Na ausência da vera face do artigo em questão, aqui fica uma imagem do maestro Nique, ladeado por Prosepine, elle-même:


sexta-feira, 27 de julho de 2007

Rosbaud: Le Mozart Aixois (I)

Regresso a Aix, como prometido!
(o maestro Hans Rosbaud)
Em 1958, em Aix, Hans Rosbaud dirigiu uma impressionante leitura de As Bodas de Fígaro, em boa hora perpetuada pela EMI France.

Mozart sempre teve lugar cativo em Aix-en-Provence.
Avesso a a histrionismos e maneirismos, o Festival de Aix cedo se afirmou pelo respeito pelas obras, pelo estilo, pela disciplina e - acima de tudo – pelo recato, sobretudo em território mozartiano! Privilegia-se a ironia, a graciosidade, a malícia subliminar e a elegância, não havendo lugar a grosserias de espécie alguma.

Na capital da Provença, foram inúmeros os nomes da lírica mozartiana que se estabeleceram. De cor, cito Berganza, Stich-Randall, Gens, Lorengar e Panerai, entre muitos, muitos outros.

O que dizer deste documento, que desde ontem me anima (ainda mais) as férias estivais?

Desde logo, a direcção de Rosbaud, plenamente mozartiana, "camerística", subtil e fina, eminentemente lírica (em desfavor do teatro – sobretudo nos dois últimos actos -, hélas!)

Rosbaud apresenta uma concepção d´As Bodas em tudo antagónica as leituras italianas – Giulini ´59 e Muti -, que se expressam pela via da dramatização jocosa, sobretudo.

Do meu ponto de vista, um pouco de picante e mais atrevimento e a coisa teria sido triunfal, justamente como a leitura absolutamente ímpar de Giulini!

Em matéria de vozes, o maestro exigiu lirismo (essencial em Mozart), e bem!
A distribuição prima pela homogeneidade, sendo as vozes essencialmente redondas e harmoniosas.

Alguns intérpretes merecem uma particular referência, a começar por Stich-Randall – falecida há meia dúzia de dias -, que compõe uma Condessa de sonho, sem a qual mozartiano que se preze não pode passar!

Embora menos idiomática do que a Condessa de Schwarzkopf – inultrapassável na caracterização, a meu ver – a intérprete americana triunfa pelo brilho de uma emissão imaculada, sem a mais pequena fragilidade ou deslize. A voz – sublime, harmoniosa, pura, redondíssima – desenha uma mulher triste e frágil, capaz de rasgos de astúcia, quando necessário!

Pilar Lorengar – a maior surpresa desta interpretação – oferece-nos um dos mais espantosos Cherubino’s da discografia, com um timbre perfeito, radicalmente andrógino. Que proeza!

O Fígaro de Rolando Panerai abrilhanta este elenco, afirmando-se pela virilidade. Embora a caracterização seja algo convencional, o certo é que a sua interpretação convence: mescla astúcia, heroicidade e fogosidade, com inegável graça e brilho.

Termino com duas referências às maiores fragilidade desta leitura, em matéria de solistas. Falo de Rita Streich (Suzanna) e Heinz Rehfuss (Conde), ambos com um italiano de pacotilha, impregnado de um alemão indisfarçável!

Se é verdade que Rehfuss triunfa pela malícia do seu personagem – malgré tout! -, em abono da verdade há que sublinhar a extrema ligeireza da Suzanna desta interpretação!

Rita Streich foi um notável soprano ligeiro, porventura um dos mais célebres da sua geração (vide Zerbinette – Von Karajan’56, EMI). Chamavam-lhe O Rouxinol de Viena, em honra da sua virtuosidade. Porém, a personagem que nos oferece nestas As Bodas peca pela superficialidade, sem sombra de graça… e pouco inteligente! Recordo que, queira-se ou não, Suzanna é uma estratega, da mais fina espécie!

Para os amantes da disciplina e rigor, da harmonia e brilho vocal, eis o paradigma da interpretação mozartiana praticada em Aix-en Provence, live!

Bayreuth III: A Música ou para além da encenação

Quant au jeune Walther, rebelle, amoureux et fougueux, l'excellent Klaus Florian Vogt lui prête sa voix chaude de ténor lyrique, capable aussi bien de puissance et d'éclat que de couleur et d'esprit. Dommage qu'Amanda Mace (Eva) n'ait pas eu plus d'allure et de personnalité.

Choeur et Orchestre ont régalé l'auditeur. La direction de Sebastian Weigle, actuel chef d'orchestre du Liceu de Barcelone et directeur musical de l'Opéra de Francfort à partir de 2009, est un bonheur d'équilibre. Le Berlinois possède un sens inné du legato. Précis sans être sec, coloriste sans être pittoresque, il donne à la musique de Wagner une langue purement orchestrale. Son "Prélude" du troisième acte est beau à tirer des larmes.»

Bayreuth II: A (relativa) Pateada

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Les Noces Aixoises...

...em audição...
Mozart com dois denominadores comuns, de sonho: Hans Rosbaud e Teresa Stich-Randall...
O comentário virá depois.

Edgardo di Lammermoore


(EMI, 1953)

(EMI, 1955)

(EMI, 1959)


Para encurtar razões, desde já advirto o leitor que a glória desta Lucia (EMI, 1953) é… Di Stefano, o melhor Edgardo que alguma vez escutei!

Se algum dia for realizada uma séria – e não estritamente comercial – antologia do belcanto, nele figurará, por certo, a última cena do acto III desta Lucia di Lammermoore, onde G. Di Stefano se transcende, pela superlativa declamação - que roça a perfeição -, pela qualidade e brilho do fraseado, pelo lirismo, pelo arrebatamento e engagement teatral e pela luminosidade. Inigualável...

Esta Lucia foi a primeira das três oficiais que a Callas interpretou. Facilmente se percebe, escutando-a.

Discutir a identidade Callas – Lucia tornou-se um lugar-comum, sobretudo depois da segunda que a grega interpretou – sob a batuta de Von Karajan.

Em meu entender, há duas leituras possíveis do papel titular desta ópera: a mais dramática (a ser interpretada por um soprano lirico-spinto) e a "pirotécnica" (que os sopranos ligeiros se encarregam de cantar). Na primeira categoria, figuram, além da Callas, Scotto e Sills; na segunda, brilham Gruberovà, Mesplé e Jo. Sutherland fica algures entre uma e outra, posto que não é, nem ligeira, nem spinto.

Nesta interpretação – que remonta a 1953 -, Maria Callas desenha uma protagonista vincadamente mais melancólica do que psicótica, mais afim com a extrema tristeza do que com a loucura e insanidade.

A voz transpira frescura e jovialidade, sendo prolixa em matizes e cores, com cadenzas de sonho e pianissimi de estremecer. Os graves são aristocráticos; os agudos seguros – salvo os sobreagudos, ousados mas pouco certeiros (como sempre, aliás).

Em duas palavras, diria que esta interpretação não deixa grandes saudades, sobretudo quando comparada com as sucessoras – 1955 (live) e 1959 (estúdio). A cena da loucura – por exemplo – é algo decepcionante, faltando-lhe ressonância dramática.

O Enrico interpretado por Gobbi, nesta mesma leitura, transpira perversidade! É notável! Pouco antes encarnara o mítico Scarpia, ladeado por Callas e Di Stefano. por ocasião d'A Tosca (EMI, 1953). Só lhe fez bem!

Quanto à direcção de Serafin, pouco apresenta de recomendável: desigual, sem grande coesão, pouco atenta às necessidades dos solistas, com notória falta de sentido teatral.

Enfim, se o que o leitor procura é O Edgardo mais brilhante e convincente da discografia, é esta a sua Lucia. Senão, procure outra… Sugiro-lhe, em todo o caso, a segunda da Callas, porventura a mais equilibrada e brilhante.


Nota: a interpretação que aqui comento é a correspondente à primeira imagem (EMI, 1953), que apresenta duas "faces" alternativas (igualmente mid-price):

terça-feira, 24 de julho de 2007

Hänsel und Gretel: Abandonismo e Resiliência



À parte os aspectos estritamente musicais – são inevitáveis as influências wagnerianas! – Hänsel und Gretel tem o mérito de contrapor a RESILIÊNCIA ao inevitável ABANDONISMO.

Segundo creio, Humperdinck compôs esta ópera para crianças. Para tal, baseou-se num conto tradicional dos irmãos Grimm, que relata a história de João e Maria (na adaptação lusa).

São inúmeras as versões do dito conto, umas ligeiras, outras mais cruéis.

No essencial, contudo, deparamos com uma trama pesada: por dificuldades financeiras, um casal abandona os filhos à sua sorte, na floresta, ficando estes doravante à mercê de inúmeros perigos, até que surge o maior de todos, a bruxa.

Na versão que serviu de base a Humpendink, cingindo-nos às questões meramente psicológicas, deparamos com uma problemática essencial: o ABANDONISMO, que constitui uma das faces da dinâmica depressiva.

Logo no início da ópera, defrontamo-nos com uma imensa fragilidade parental, sobretudo no tocante à maternidade, caricaturalmente inconsistente e problemática.

Na trama, a maternidade surge representada na sua expressão mais insuficiente e/ou maligna: a progenitora das crianças balanceia, de facto, entre a mãe não-provisora e a má – mãe (à la Melanie Klein - produto da clivagem).

Se é verdade que a primeira se revela incapaz de assegurar as provisões necessárias à sobrevivência física e psíquica da criança - sendo responsável pelas precoces patologias orais, que reenviam a vivências subjectivas afins com a depressão primária ("incompletude, falha e vazio" ) -, já a segunda afirma-se pelo sadismo – é maltratante, persecutória e, no limite (vide episódio da bruxa), revela toda a destructividade através da voracidade canibalesca.

Em todo o caso, apoiada numa ou noutra representação, o que ressalta deste argumento é a mãe abandónica, a que não cuida, que se instala psiquicamente no negro informe - ou no branco vazio -, a que parte e não regressa, não tendo a mínima disponibilidade para a criança.

O mor das vezes, o abandonismo, pelo radical sofrimento que desencadeia na vítima – o abandonado -, activa mecanismos de defesa muito típicos, sendo o mais esplendoroso a idealização: “A minha mãe foi à procura de trabalho, longe, muito longe. Um dia vai voltar e vamos viver juntos, felizes. Ela vai juntar muito dinheiro e comprar-me muitos brinquedos, etc., etc.”. Infelizmente, sabemo-lo todos, raramente volta…

Por trás da idealização, esconde-se a dimensão persecutória, sendo que a primeira é proporcional à segunda: “quanto mais cabra e maléfica, mais te idealizo”.

Em boa verdade, o que idealiza, nega a dimensão persecutória - volta a agressividade contra si próprio, deprimindo-se: “Preservo-te, negando que tens um lado mau”; o contraponto é bem conhecido: “Não valho nada. Sou uma merda. Não te mereço, por isso partiste…

A História de Hänsel und Gretel não permite que se instale a economia depressiva, repudiando a idelização do objecto abandonante!

Ao invés, a dita história faz apelo à RESILIÊNCIA - conceito muito em voga nos nossos dias, que coloca a tónica na capacidade do sujeito resistir à adversidade, através dos seus próprios recursos, mesmo em condições altamente desfavoráveis.

Ora, é por via da resiliência que o filho do toxicómano não se torna em mais um toxicómano, que um descendente de um depressivo não evolui na mesma linha depressiva, que o filho do psicótico não é, necessariamente, um esquizofrénico.

De facto, o que a história de João e Maria nos mostra é a capacidade de o indivíduo odiar o maltratante, revoltar-se contra ele, trilhando um novo percurso: os meninos matam a bruxa má – supremo representante da má – mãe, a odiosa!
Nem mais, nem menos.

Cá para nós, paciente leitor, não é à toa que estas notáveis histórias se perpetuam! O que elas permitem, verdadeiramente, é que a doença não se instale, colocando-nos no trilho do crescimento psíquico saudável!

Festival d'Aix VIII - O Rapto do Serralho



O segundo mais célebre singspiel de Mozart anima Aix, recriando a atmosfera original do festival.
A dupla de encenadores Jérôme Deschamps & Macha Makeïeff aposta na simplicidade, sublinhando a comédia.

Os saudosistas agradecem!

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Do azedume...

...adorei a tua reflexão, DL ;-)
Há tempos, dissertei sobre a questão, ao meu jeito. A tua reflexão deveria ser lida e assimilada por meia blogosfera, que camufla a infelicidade com azedume!
Cada um goza como pode...

Salzburg'07: antevisões



Jürgen Flimm será, doravante, o novo director do Festival de Salzburgo.

«From the 1960s until his death in 1989, Herbert von Karajan, the Austrian maestro of maestros, traded on his personal glamour to create the glittering cosmopolitan franchise as it exists today. Gerard Mortier, the Belgian impresario and provocateur, shook up the decade from 1992 to 2001, fencing merrily with the news media, politicians and the public every step of the way. Then came the composer Peter Ruzicka, an Invisible Man from Germany, who in his first four seasons showcased music suppressed by the Nazis.»

Em linhas gerais, eis as suas propostas para a edição deste ano do célebre evento artístico:

«Mr. Flimm’s first thought for the festival was Weber’s “Freischütz.” “It’s one of those strange German stories of two men who can’t get along without each other,” he said, “just like Faust and Mephistopheles, who has no job unless he steals Faust’s soul.” At the same time, Mr. Flimm wanted operas that would be both new to the festival and pleasing to conductors at the top of his wish list.

Daniel Barenboim asked for Tchaikovsky’s “Yevgeny Onegin.” If the connections to Weber’s world of spells and superstition are not instantly apparent, Mr. Flimm offers a justification for the choice. “What,” he asked, “is more irrational than the sound of a gunshot in a duel?”

Berlioz’s rarely heard “Benvenuto Cellini” attracted Mr. Flimm as a parable of the limits of human striving and the necessity of grace, a power that leaves reason in the dust. Valery Gergiev took the bait.

And as a counterweight to all that Romanticism, Mr. Flimm hit on Haydn’s “Armida.” “It’s all about crusaders heading for the Holy Land, getting caught there, unable to get out,” he said, “We see the same thing happening today.”

True to his rule that the artistic director must abstain from directing individual shows, Mr. Flimm has entrusted the operas to rising directors as yet unfamiliar to Salzburg: Andrea Breth (“Onegin”), Christof Loy (“Armida”), Falk Richter (“Freischütz”) and Philipp Stölzl (“Cellini”). Even the boss isn’t sure quite what to expect.»

domingo, 22 de julho de 2007

La Rondine. do Verismo e do Amor



La Rondine é uma peça lírica criada por G. Puccini, quando o compositor se encontrava em plena maturidde artística. Seguiram-se-lhe Il Trittico e Turandot, esta última concluída e estreada postumamente.


Estranhamente, La Rondine goza de pouca divulgação junto do público, ao ponto de ser considerada uma ópera periférica!


Pessoalmente, pelo profundo lirismo que encerra, situo-a ao nível de uma La Bohème. Numa e noutra se exalta o amor profundo, carnal e terreno, depurado dos excessos do romantismo, que o reservava à esfera da aristocracia.


A grande virtude do Verismo – de que a lírica pucciniana constitui o paradigma – reside, justamente, no estatuto conferido ao povo, que doravante ocupa o centro da trama.


O universo verista conta com tísicas e putas, perversos e desumanos, proscritos e excomungados, entre outros, sendo animado por sentimentos e vivências que o romantismo se esforçara por reprimir. O ódio conquista o seu espaço, a miséria sobe ao palco e a decadência triunfa.


La Rondine
(à semelhança de La Bohème, aliás) versa sobre um amor singelo e absolutamente humano, mundano até ao âmago.


Ambas as óperas apresentam uma semelhança adicional: as personagens principais apoiam-se em egos auxiliares – outras personagens, secundárias, que dão suporte às primárias. Assim, em La Bohème, Mimi socorre-se de Musetta e Rudolfo de Marcello, enquanto que, em La Rondine, Magda se sustenta em Lisette.


Não existiria lírica sem amores desavindos, posto que de amores perfeitos não reza a ópera! Com ou sem exageros, o amor é etéreo e (com frequência) passageiro…


Ora, no caso do Verismo – e, sublinho, La Rondine é uma ópera verista! – o amor e suas vicissitudes encontram-se subordinados aos ditames da (dura e cruel) realidade: as amadas sucumbem à tísica, os amados enamoram-se de mulheres dignas, destroem-se uniões – antes mesmo de se consumarem -, quando se revelam passados comprometedores, etc., etc.


Sem surpresa, nesta ópera de Puccini, desde início, adivinha-se um desenlace trágico. Magda é uma andorinha, condenada à errância.


Nesta extraordinária interpretação, sublinho o engagement de Gheorghiu e Alagna, plenamente entregues à paixão e amor, que vivem e expressam com invulgar fulgor e arrebatamento: Angela Gheorghiu, pela força dramática da sua leitura interpretativa, faz-nos esquecer as suas fragilidades técnicas (pianissimi titubeantes); Alagna, cristalino e imensamente lírico, traça-nos um Ruggero de coração cheio e palpitante.


Os que amam e conhecem a verdadeira paixão rever-se-ão, sem sombra de dúvida, nas magistrais leituras propostas pelo par lírico dos anos 1990! O que o dito par fez depois – e, sobretudo, à côté -, é coisa de mexericos e tricas que a lírica ignora!


Que se dê a mão à palmatória! Serei o único??

O Anel dos WAGNER ossia A WAGNERIOSE



Ironicamente, o maior legado de Richard Wagner (para além das suas sublimes criações líricas, obviamente) – o Festival de Bayreuth, que tem lugar no Festspielehaus – constitui o elemento desencadeador da WAGNERIOSE: a desmedida ambição pelo poder, a inveja e a rivalidade desmedida, que enlaçam os herdeiros de Richard sequiosos por conquistarem a direcção do dito festival, nada mais é que uma repetição da trama de Der Ring des Nibelungen!


Der Ring é, no essencial, uma metáfora sobre the dark side of the human nature – aquele que procuramos reprimir -, mais afim com a inveja, destrutividade e ambição desmesurada.


Artisticamente, Richard Wagner recriou um lado da sua mente. Se quisermos, foi por via da Identificação Projectiva que Der Ring viu a luz do dia!


O que os seus herdeiros nos oferecem, através desta pouco edificante luta pelo poder, é uma mera ilustração da problemática wagneriana.


Prosaicamente, diria tratar-se de uma representação esplendorosa da patologia da repetição (ou trangeracional, como preferirmos)!

sábado, 21 de julho de 2007

Férias...

... as possíveis são ocre, as ideais, azul-turquesa.


sexta-feira, 20 de julho de 2007

O Diário (de Notícias) de Rusalka

A escassos números do final, eis as veras faces do fascículo 21 da colecção OS CLÁSSICOS DA ÓPERA – 400 ANOS:



Trata-se de uma Rusalka dos anos 1950, que constitui uma referência na interpretação desta peça.

Obviamente, os apreciadores do som digital optarão pela celebérrima (e indispensável!) interpretação de Mackerras, que conta com Fleming e Heppener nos principais papeis.



Por mim, continuo adepto da pluralidade, pouco dado que sou a amores exclusivos, no capítulo das interpretações artísticas ;-)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

La Divina: 30 anos depois...

Pessoalmente, a Callas foi a maior intérprete lírico – dramática feminina de que há registo. La Divina continua sem concorrência em Norma, Violetta (La Traviata), Lucia e Tosca.

Para as editoras, Maria Callas sempre foi um filão inesgotável, que exploram (por vezes) de modo pouco criterioso e despudorado – quando não vergonhoso (vide EMI, que comercializa remake, em cima de remake, em cima de remake... mudando apenas os "embrulhos"!).

A 16 de Setembro comemoram-se (?) trinta anos sobre o seu trágico e precoce falecimento. Na sua terra natal, o Festival de Atenas presta-lhe a primeira de muitas homenagens, que se verão replicadas, um pouco por todo o mundo.

Pela minha parte, a maior homenagem que se lhe pode prestar apenas requer um simples prato de gira-discos (ou um singelo leitor de cd): assim se perpetua um dos maiores talentos da história.

É simples, barato e eficaz!

domingo, 15 de julho de 2007

Da Naftalina

Um grupo de assinantes habitués do Teatro Real (Madrid) organizou uma petição, com vista a pôr cobro às liberdades interpretativas de algumas encenações, nomeadamente – pasme-se! – por atentarem contra a moral católica!

Pela parte que me toca, dado que a arte é sinonimo de liberdade, (sendo esta a essência daquela), creio que esse bando de defensores de discursos monolíticos, amantes de verdades unas e oficiais, devem merecer o nosso profundo desprezo. Tão só.



Josep Pons, com firmeza e inegável astúcia, põe na ordem a corja de almas bafientas:

«(…) "Puesto que lo más importante es la libertad, tenemos que respetar a todo aquél que quiera opinar", explica. "Pero también el arte necesita libertad. No se le pueden poner condiciones a una obra, y es mucho más escandalosa una petición de censura que unas imágenes atrevidas en el escenario. Si un montaje no gusta, el espectador se puede levantar e irse. Y si no gusta la programación, te puedes dar de baja". "Además", añade, "existe una diferencia entre el lenguaje, el teatro y la ópera. En el teatro, peticiones de este tipo por parte de sectores del público no existen", explica.»

Pelos vistos, também além fronteiras existem saudosistas dos tempos do desprezível botas (com minúscula) e do horripilante generalinho!
Por certo, serão bons chefes de família, amantes da naftalina, admiradores da cultura da repressão, etc., etc.

Olho para estes movimentos de reabilitação do bafio e caruncho como modas passageiras, puras expressões de um chic de trazer por casa...

(uma das) NORMA, d'après Prêtre & Caballé

Em 1971, George Prêtre conduziu uma das primeiras Norma encarnadas por La Caballé.

Nesta interpretação, a intérprete catalã encontra-se ladeada por Cossotto, Merolla e Vinco.

Trata-se de uma gravação captada ao vivo, em Turim, que a DYNAMIC havia já editado.

Esta Norma corresponde ao 20º fascículo da colecção OS CLÁSSICOS DA ÓPERA – 400, que semanalmente referencio e enalteço, neste blog!

Infelizmente, caro, paciente e fiel leitor, desta feita, encontro-me privado de revelar a verdadeira identidade (a ler como A Capa) desta Norma, pois não a ncontro em parte alguma…

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Proms'07

O feérico evento tem início hoje, em Londres!
Os puristas, os ortodoxos e os snobs - todos, sem excepção - odeiam os promenaders.

O povo, sábio, regozija!

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Festival d'Aix VI - As Bodas de Fígaro (& a Naftalina Crítica)



Eis o veredicto do Le Monde sobre Les Noces aixoises:

«Est-ce d'avoir instauré Wagner et sa Tétralogie en terre mozartienne ? A Aix-en-Provence, décidément, Wolfgang Amadeus n'est plus à la noce, et le chef britannique Daniel Harding, grand fossoyeur mozartien, lui fait bon an mal an, de Cosi fan tutte en Noces de Figaro, de bien tristes funérailles. On ne va pas pleurer sur le temps révolu des Teresa Stich-Randall et Berganza, des Gabriel Bacquier, des Graziella Sciutti, mais a-t-on entendu depuis longtemps à Aix une voix mozartienne digne de ce nom ?»

Tratar-se-á de uma maldição!? Ousar Wagner em território mozartiano – porventura o maior, em terras de França – pagou-se caro!

Da récita – e restante produção – nada digo, pois não estava sur place.

Quanto à crítica… é de uma pedantice típica e previsível: mescla-se sobranceria, desdém, desprezo e altaneirice-de-trazer-por-casa!
Déjà vu, déjà vu...

Aqui entre nós, fiel leitor, arrisco: a signatária da critica deve ser do tempo-da-outra-senhora, certamente profere, amiúda, expressões do estilo “Já não se fazem coisas como antigamente” e, está bem de ver, cheira a naftalina!!

"Ópera en el Cine", em Madrid

Na última temporada, o Met – já com sangue novo na direcção, com preocupações assumidamente mais afins com a multiplicação do vil metal, do que com critérios artísticos (pois crise oblige) – descobriu o ovo de Colombo: teledifundir récitas para inúmeros cinemas dos Estados Unidos.
E por que não?!

A escolha da primeira récita não podia ser mais infeliz (digo-o impregnado de subjectivismo): Madama Butterfly, difundida em Time Square.

A mais pirosa das óperas projectada no mais deplorável recanto nova-iorquino.
Enfim, a combinação parece perfeita...

Pois bem, eis que o periférico Teatro Real (de Madrid) resolve repetir a proeza, projectando récitas da mesma ópera, un peu par tout... Até a protagonista é a mesma, Gallardo-Dômas de sua graça!

Eis a síntese da notícia (do El Pais): «(...) "Ópera en el Cine" para emitir vía satélite las representaciones en 20 salas españolas que disponen de tecnología digital.»

As boas experiências (?) serão para repetir?

(Caros co-bloggers Raul, João e Filipe: o verão lisboeta chegou, e com ele as quentes polémicas ;-)))
ALARMI!!)

domingo, 8 de julho de 2007

Jantar Operaedemaisinteresses...

...com o Raul, João Ildefonso e Filipe.

Quinta-feira, está disponível, para os três?



Aguardo novas vossas!

Ass. João

Ringnuts ou Wagnolaters

Wagneriano que sou, confesso rever-me, em absoluto, na seguinte categoria:

«CERTAIN class of operagoers, sometimes known as Ringnuts or Wagnolaters, is to classical music what Deadheads or Phish followers are to rock — except that they’re more apt to stay in four-star hotels and sip white wine than to sleep in their vans and pass the bong.

They obsess about Wagner’s “Ring” cycle and will travel anywhere to see a production, but especially to Bayreuth, in Germany, home of the theater Wagner designed for himself. You see them every five or six years in New York, Seattle, Chicago, Berlin. They can quote extensively from the operas — not just “Ho-jo-to-ho!” but whole chunks of actual German — and will debate for hours the virtues of, say, Patrice Chéreau’s 1976 centennial production,(…)»

É verdade, sim senhor. Não posso estar mais de acordo!

Infelizmente, não poderei estar presente no «(…) the Lincoln Center Festival, where the Kirov Opera is landing with a production that has been on the road, on and off, for four years.»



Que pena...

A dada altura deste divertido artigo do The New York Times, um dos Ringnuts ou Wagnolaters declara, não sem uma imensa graça que «(…)“One evening at a ‘Ring’ is like 10 years of psychoanalysis, except it’s cheaper and much more pleasant.”»

Lá mais agradável, será; concedo. Mais barato, com toda a certeza!
O que me inquieta é que vou na segunda tranche de análise – didáctica, a presente, é certo! -, já lá vão 10 anos e… continuo um wagneriano aficionado, Ringnuts ou Wagnolaters, as you wish!

sábado, 7 de julho de 2007

Sie ist ein Ungeheuer (deine Tochter)*


(DG 00440 073 4339)


Neste registo, Karl Böhm (direcção) e Götz Friederich (encenação) reúnem-se em Strauss, a propósito de Salome.
Anos mais tarde, a mesma dupla veio a fazer história, também em Strauss, graças a esta incontornável Elektra.

Não creio que a presente encenação alcance, nem por sombras, a magnitude da de Elektra.

No caso desta Salome, Friedrich segue uma linha mais explícita e evidente, caracterizando a luxúria e decadência por via do hiper-realismo plástico: tudo está como deve ser, nada sendo sugerido, sem alusões, nem metáforas.
Em meu entender, falta ousadia e arrojo a esta concepção cénica.

Do meu ponto de vista, são três os grandes argumentos em favor desta interpretação, que enumero por ordem crescente: o Herodes de Hans Biber, a Herodias de Astrid Varnay e a Salome de Teresa Stratas.

Biber é absolutamente pathético, personificando a decadência de forma esplendorosa: gordo, untuoso, atontalhado e acobardado. Vocalmente notável, este intérprete triunfa pela riqueza cénica.

Varnay encontra em Herodias a génese da sua histórica Klytämnestra – a da já mencionada Elektra.
Menos exposta vocalmente do que na futura Klytämnestra, por razões óbvias (o papel não tem um terço da envergadura vocal do da mãe de Elektra), Varnay compõe, neste registo, uma rainha horrenda, maliciosa e calculista, aqui e ali atormentada pela língua de Jochanaan.

Por fim, Stratas revela-nos a Salome absoluta, porventura definitiva, ultrapassando a imensa Malfitano, cenicamente (vocalmente, nem se fala!).

Teresa Stratas, desde logo, conta com um inquestionável plus, que destroça as demais concorrentes: é uma bela mulher, jovial e elegante, encontrando-se por altura deste registo na flor da idade.

Vocalmente, Stratas revela uma segurança espantosa.

Porém, em minha opinião, é no capítulo da interpretação que Stratas faz história.
A sua Salome revela infinitas subtilezas, tantas quantas as da personagem (re) criada por Wilde: adolescente caprichosa, vulcânica e sedutora, de início, crescentemente perversa e maliciosa, até ao apogeu da insanidade absoluta, que culmina com a sua morte, no final da ópera.

Creio que a evolução do olhar da personagem, que a grande intérprete canadiana aqui compõe, deveria ser alvo de um cuidado estudo teatral e psicológico. É de antologia!
De facto, é por via do olhar que Stratas se exprime, primordialmente.

Os olhos desta Salome fascinam-nos, desde início, pela languidez, cedo cedendo ao peso da lascívia. Contudo, é por ocasião do final da Dança dos Sete Véus que a transformação mais radical se instala: doravante, o olhar que outrora seduzira, verga-se à insanidade, exprimindo uma tenebrosa desrealização e autismo.

O único senão da caracterização desta intérprete radica numa demasiada contenção da libido...
Pessoalmente, preferia vê-la mais solta e expressiva, mais ousada e animalesca...
Deve ser cá um desejo meu...

Quanto aos demais intervenientes – Weikl e Böhm, inclusive -, dir-se-ia que não ultrapassam o convencionalismo.
Aliás, Salome sempre foi o calcanhar-de-Aquiles de Karl Böhm, cujo registo áudio deixa muito a desejar...

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Até à próxima infidelidade, caro leitor!

*A tua filha é um monstro.

Disse-me um passarinho...

... que está para breve a saída desta Tosca!



Terfel, Malfitano e Margison, sob a batuta de Chailly?!

Promete, não?

Ver-se-á!

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Régine Crespin: 1927 - 2007

Esta manhã, acordei com uma sms estranha: o Raul comunicou-me o falecimento de Régine CRESPIN. Minutos depois, seguiu-se outra mensagem (da mesma fonte), questionando a veracidade da má nova.
Por momentos, respirei de alivio.

Infelizmente, caro Raul, tinha razão a primeira nova: elle s’est éteinte mercredi soir, à Paris.



Nunca fui grande admirador da Senhora, até ao dia em que escutei a sua Brünnhilde - seguramente a mais lírica de todas -, para não mencionar a elegante e altaneira Sieglinde. Em Wagner, Crespin triunfou, ainda, como Elsa e – sobretudo – Kundry, que Wieland Wagner enalteceu.

Consta que no repertório francês – Berlioz, n'Os Troianos, nomeadamente – era emblemática.

Paralelamente, graças à sua versatilidade, alternava o repertório lírico puro – Marechala – com o spinto – Leonora (O Trovador) e com o dramático italiano – Tosca.

Regresso a Wagner – o meu território preferido para a grande soprano francesa -, para recomendar duas antologias:



(n' A Valquíria de Von Karajan - à esquerda -, Crespin interpreta
Brünnhilde, enquanto que na de Solti - à direita -, Régine Crespin veste a pela de Sieglinde)

Há bem pouco tempo, por ocasião do seu 80º aniversário, a EMI editou esta colectânea, que apenas se encontra disponível em território francês (ou aqui, em alternativa):



Termino com os sucintos (por ora, espero!) testemunhos do Le Fígaro e The New York Times deste trágico desaparecimento, não sem antes sublinhar a circunstância de a imprensa francesa se escusar a redigir uma linha de homenagem a Beverly Sills, também ela desaparecida esta semana (como aqui se noticiou)!

Pura sobranceria, ignorância lamentável ou simples desrespeito?

O artigo de homenagem do The New York Times a Régine Crespin, além de uma bofetada de luva branca na imprensa francesa, é revelador da supremacia do jornal americano, que se projecta à escala planetária, contrariamente à semi-europeia presse française, vítima de uma petulância pequenina (e não imagina o leitor o quanto me custa esta verdade, dado que sou assumidamente francófono...).

Au revoir, Chère Dame Régine Crespin...