Segundo creio, Humperdinck compôs esta ópera para crianças. Para tal, baseou-se num conto tradicional dos irmãos Grimm, que relata a história de João e Maria (na adaptação lusa).
No essencial, contudo, deparamos com uma trama pesada: por dificuldades financeiras, um casal abandona os filhos à sua sorte, na floresta, ficando estes doravante à mercê de inúmeros perigos, até que surge o maior de todos, a bruxa.
Na versão que serviu de base a Humpendink, cingindo-nos às questões meramente psicológicas, deparamos com uma problemática essencial: o ABANDONISMO, que constitui uma das faces da dinâmica depressiva.
Logo no início da ópera, defrontamo-nos com uma imensa fragilidade parental, sobretudo no tocante à maternidade, caricaturalmente inconsistente e problemática.
Na trama, a maternidade surge representada na sua expressão mais insuficiente e/ou maligna: a progenitora das crianças balanceia, de facto, entre a mãe não-provisora e a má – mãe (à
Se é verdade que a primeira se revela incapaz de assegurar as provisões necessárias à sobrevivência física e psíquica da criança - sendo responsável pelas precoces patologias orais, que reenviam a vivências subjectivas afins com a depressão primária ("incompletude, falha e vazio" ) -, já a segunda afirma-se pelo sadismo – é maltratante, persecutória e, no limite (vide episódio da bruxa), revela toda a destructividade através da voracidade canibalesca.
Em todo o caso, apoiada numa ou noutra representação, o que ressalta deste argumento é a mãe abandónica, a que não cuida, que se instala psiquicamente no negro informe - ou no branco vazio -, a que parte e não regressa, não tendo a mínima disponibilidade para a criança.
O mor das vezes, o abandonismo, pelo radical sofrimento que desencadeia na vítima – o abandonado -, activa mecanismos de defesa muito típicos, sendo o mais esplendoroso a idealização: “A minha mãe foi à procura de trabalho, longe, muito longe. Um dia vai voltar e vamos viver juntos, felizes. Ela vai juntar muito dinheiro e comprar-me muitos brinquedos, etc., etc.”. Infelizmente, sabemo-lo todos, raramente volta…
Por trás da idealização, esconde-se a dimensão persecutória, sendo que a primeira é proporcional à segunda: “quanto mais cabra e maléfica, mais te idealizo”.
Em boa verdade, o que idealiza, nega a dimensão persecutória - volta a agressividade contra si próprio, deprimindo-se: “Preservo-te, negando que tens um lado mau”; o contraponto é bem conhecido: “Não valho nada. Sou uma merda. Não te mereço, por isso partiste…”
A História de Hänsel und Gretel não permite que se instale a economia depressiva, repudiando a idelização do objecto abandonante!
Ao invés, a dita história faz apelo à RESILIÊNCIA - conceito muito em voga nos nossos dias, que coloca a tónica na capacidade do sujeito resistir à adversidade, através dos seus próprios recursos, mesmo em condições altamente desfavoráveis.
Ora, é por via da resiliência que o filho do toxicómano não se torna em mais um toxicómano, que um descendente de um depressivo não evolui na mesma linha depressiva, que o filho do psicótico não é, necessariamente, um esquizofrénico.
De facto, o que a história de João e Maria nos mostra é a capacidade de o indivíduo odiar o maltratante, revoltar-se contra ele, trilhando um novo percurso: os meninos matam a bruxa má – supremo representante da má – mãe, a odiosa!
Nem mais, nem menos.
Cá para nós, paciente leitor, não é à toa que estas notáveis histórias se perpetuam! O que elas permitem, verdadeiramente, é que a doença não se instale, colocando-nos no trilho do crescimento psíquico saudável!
Este blogue pôs como poster uma gravação excepcional, a milhas de qualquer rival.
ResponderEliminarRaul
Raul,
ResponderEliminarNão conheço outra, mas que é boa, lá isso é:-)