quinta-feira, 26 de julho de 2007

Edgardo di Lammermoore


(EMI, 1953)

(EMI, 1955)

(EMI, 1959)


Para encurtar razões, desde já advirto o leitor que a glória desta Lucia (EMI, 1953) é… Di Stefano, o melhor Edgardo que alguma vez escutei!

Se algum dia for realizada uma séria – e não estritamente comercial – antologia do belcanto, nele figurará, por certo, a última cena do acto III desta Lucia di Lammermoore, onde G. Di Stefano se transcende, pela superlativa declamação - que roça a perfeição -, pela qualidade e brilho do fraseado, pelo lirismo, pelo arrebatamento e engagement teatral e pela luminosidade. Inigualável...

Esta Lucia foi a primeira das três oficiais que a Callas interpretou. Facilmente se percebe, escutando-a.

Discutir a identidade Callas – Lucia tornou-se um lugar-comum, sobretudo depois da segunda que a grega interpretou – sob a batuta de Von Karajan.

Em meu entender, há duas leituras possíveis do papel titular desta ópera: a mais dramática (a ser interpretada por um soprano lirico-spinto) e a "pirotécnica" (que os sopranos ligeiros se encarregam de cantar). Na primeira categoria, figuram, além da Callas, Scotto e Sills; na segunda, brilham Gruberovà, Mesplé e Jo. Sutherland fica algures entre uma e outra, posto que não é, nem ligeira, nem spinto.

Nesta interpretação – que remonta a 1953 -, Maria Callas desenha uma protagonista vincadamente mais melancólica do que psicótica, mais afim com a extrema tristeza do que com a loucura e insanidade.

A voz transpira frescura e jovialidade, sendo prolixa em matizes e cores, com cadenzas de sonho e pianissimi de estremecer. Os graves são aristocráticos; os agudos seguros – salvo os sobreagudos, ousados mas pouco certeiros (como sempre, aliás).

Em duas palavras, diria que esta interpretação não deixa grandes saudades, sobretudo quando comparada com as sucessoras – 1955 (live) e 1959 (estúdio). A cena da loucura – por exemplo – é algo decepcionante, faltando-lhe ressonância dramática.

O Enrico interpretado por Gobbi, nesta mesma leitura, transpira perversidade! É notável! Pouco antes encarnara o mítico Scarpia, ladeado por Callas e Di Stefano. por ocasião d'A Tosca (EMI, 1953). Só lhe fez bem!

Quanto à direcção de Serafin, pouco apresenta de recomendável: desigual, sem grande coesão, pouco atenta às necessidades dos solistas, com notória falta de sentido teatral.

Enfim, se o que o leitor procura é O Edgardo mais brilhante e convincente da discografia, é esta a sua Lucia. Senão, procure outra… Sugiro-lhe, em todo o caso, a segunda da Callas, porventura a mais equilibrada e brilhante.


Nota: a interpretação que aqui comento é a correspondente à primeira imagem (EMI, 1953), que apresenta duas "faces" alternativas (igualmente mid-price):

5 comentários:

  1. A.S.
    Como estou com problemas com o computador este meu comentário vai por partes.
    Estas três gravações merecem-me um comentário.
    A primeira é histórica, pois veio mostrar ao mundo dos melómenos como se deve cantar esta joia extrema do bel-canto. Citando Jonh Ardoin no seu «Callas Lagcy» esta interpretação deve ter enfurecido todos os sopranos ligeiros tipo Lily Pons, pois doravante a Lucia não seria sob o ponto de vista interpretativo a mesma. Giuseppe di Stefano é, como diz o João, sem dúvida nenhuma o Edgardo da discografia. Tito Gobbi é também muito grande principalmente nos duetos com a Callas.
    Raul

    ResponderEliminar
  2. A segunda gravação é a Lucia das Lucia. Tudo já foi dito no superlativo sobre esta interpretação. A dupla Callas/Karajan é única e não há adjectivos que a classifiquem. Di Stefano continua a ser o Edgardo, talves ainda mais heroico nesta gravação , talvez por ser ao vivo. Rolando Panerai, grande canbarítono, mostra aqui uma faceta desta personagem na maior parte das vezes esquecida: a juventude e o destemor que lhe é própria.
    Raul

    ResponderEliminar
  3. A terceira gravação mostra com grande evidência o declínio vocálico da Callas. A Cena da Loucura, muito além das possibilidades canoras no momento, é por vezes um mero exercício de aquecimento. Acontece, a meu ver, uma coisa interessante: dramaticamente é excepcional, sendo a personaqgem analisada ao mais ínfimo pormenor pelo que se torna «pesada» demais para tão jovem criatura. Vale, no entanto, ouvir com muita atenção a referida Cena da Loucura para percebermos melhor o sentido de cada palavra . Quanto a Ferrucio Tagliavini e a Piero Cappucilli, há melhor na discografia.
    Raul

    «Corrigenda» nos comentários anteriores:
    melómanos por melómenos
    jóia por joia
    John por Jonh
    Legacy por Lagcy
    heróico por heroico
    barítono por canbarítono

    ResponderEliminar
  4. Olá Raúl.

    Aparentemente a Toti del Monte, que era uma boa cantora e tinha interpretado muitas vezes e com grande exito a Lucia, ao escutar a Callas confessou que nunca tinha compreendido o personagem até então! É bonita esta história porque demonstra a modéstia duma famosa cantora ao ser ultrapassada estilisticamente e histrionicamente por uma colega e também porque demonstra a intelegencia da Toti del Monte porque reconheçe perfeitamente essa "revolução" interpretativa da Callas. A Callas com a sua excepcional técnica e peculiar voz permite recuperar o papél da tradicional atribuição a sopranos ligeiros com um leque expressivo muito limitado e uma concepção meramente "virtuosistica" da escrita vocal.

    J. Ildefonso.

    ResponderEliminar
  5. Conheço bem essa história da Totti del Monte e, ao que parece, disse-o com lágrimas nos olhos.
    Raul

    ResponderEliminar