sexta-feira, 27 de julho de 2007

Rosbaud: Le Mozart Aixois (I)

Regresso a Aix, como prometido!
(o maestro Hans Rosbaud)
Em 1958, em Aix, Hans Rosbaud dirigiu uma impressionante leitura de As Bodas de Fígaro, em boa hora perpetuada pela EMI France.

Mozart sempre teve lugar cativo em Aix-en-Provence.
Avesso a a histrionismos e maneirismos, o Festival de Aix cedo se afirmou pelo respeito pelas obras, pelo estilo, pela disciplina e - acima de tudo – pelo recato, sobretudo em território mozartiano! Privilegia-se a ironia, a graciosidade, a malícia subliminar e a elegância, não havendo lugar a grosserias de espécie alguma.

Na capital da Provença, foram inúmeros os nomes da lírica mozartiana que se estabeleceram. De cor, cito Berganza, Stich-Randall, Gens, Lorengar e Panerai, entre muitos, muitos outros.

O que dizer deste documento, que desde ontem me anima (ainda mais) as férias estivais?

Desde logo, a direcção de Rosbaud, plenamente mozartiana, "camerística", subtil e fina, eminentemente lírica (em desfavor do teatro – sobretudo nos dois últimos actos -, hélas!)

Rosbaud apresenta uma concepção d´As Bodas em tudo antagónica as leituras italianas – Giulini ´59 e Muti -, que se expressam pela via da dramatização jocosa, sobretudo.

Do meu ponto de vista, um pouco de picante e mais atrevimento e a coisa teria sido triunfal, justamente como a leitura absolutamente ímpar de Giulini!

Em matéria de vozes, o maestro exigiu lirismo (essencial em Mozart), e bem!
A distribuição prima pela homogeneidade, sendo as vozes essencialmente redondas e harmoniosas.

Alguns intérpretes merecem uma particular referência, a começar por Stich-Randall – falecida há meia dúzia de dias -, que compõe uma Condessa de sonho, sem a qual mozartiano que se preze não pode passar!

Embora menos idiomática do que a Condessa de Schwarzkopf – inultrapassável na caracterização, a meu ver – a intérprete americana triunfa pelo brilho de uma emissão imaculada, sem a mais pequena fragilidade ou deslize. A voz – sublime, harmoniosa, pura, redondíssima – desenha uma mulher triste e frágil, capaz de rasgos de astúcia, quando necessário!

Pilar Lorengar – a maior surpresa desta interpretação – oferece-nos um dos mais espantosos Cherubino’s da discografia, com um timbre perfeito, radicalmente andrógino. Que proeza!

O Fígaro de Rolando Panerai abrilhanta este elenco, afirmando-se pela virilidade. Embora a caracterização seja algo convencional, o certo é que a sua interpretação convence: mescla astúcia, heroicidade e fogosidade, com inegável graça e brilho.

Termino com duas referências às maiores fragilidade desta leitura, em matéria de solistas. Falo de Rita Streich (Suzanna) e Heinz Rehfuss (Conde), ambos com um italiano de pacotilha, impregnado de um alemão indisfarçável!

Se é verdade que Rehfuss triunfa pela malícia do seu personagem – malgré tout! -, em abono da verdade há que sublinhar a extrema ligeireza da Suzanna desta interpretação!

Rita Streich foi um notável soprano ligeiro, porventura um dos mais célebres da sua geração (vide Zerbinette – Von Karajan’56, EMI). Chamavam-lhe O Rouxinol de Viena, em honra da sua virtuosidade. Porém, a personagem que nos oferece nestas As Bodas peca pela superficialidade, sem sombra de graça… e pouco inteligente! Recordo que, queira-se ou não, Suzanna é uma estratega, da mais fina espécie!

Para os amantes da disciplina e rigor, da harmonia e brilho vocal, eis o paradigma da interpretação mozartiana praticada em Aix-en Provence, live!

1 comentário:

  1. O quê!? A Teresa Stich-Randall morreu e a imprensa americana não deu o relevo que deu à morte da Sills, cantora muitíssimo inferior, mas, claro está intérprete do sonho americano, coisa que a bela Teresa não era com o seu porte aristocrático. Teresa Stich-Randall foi, como referiu o João, uma grande mozartiana e não só.
    Pilar Lorengar, espanhola, prófuga para o mundo germânico, foi igulamente uma notável mozartiana. Deixou uma Traviata e muitas outras gravações, especialmente de música coral-sinfónica.
    Eu vim a uns dois meses do 25 de Abril a correr de Tancos, onde tirava um curso de Minas e Armadilhas(!), para ver Pilar Lorengar na Missa Solene de Beethoven num Coliseu esgotado.
    Raul

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