sábado, 7 de julho de 2007

Sie ist ein Ungeheuer (deine Tochter)*


(DG 00440 073 4339)


Neste registo, Karl Böhm (direcção) e Götz Friederich (encenação) reúnem-se em Strauss, a propósito de Salome.
Anos mais tarde, a mesma dupla veio a fazer história, também em Strauss, graças a esta incontornável Elektra.

Não creio que a presente encenação alcance, nem por sombras, a magnitude da de Elektra.

No caso desta Salome, Friedrich segue uma linha mais explícita e evidente, caracterizando a luxúria e decadência por via do hiper-realismo plástico: tudo está como deve ser, nada sendo sugerido, sem alusões, nem metáforas.
Em meu entender, falta ousadia e arrojo a esta concepção cénica.

Do meu ponto de vista, são três os grandes argumentos em favor desta interpretação, que enumero por ordem crescente: o Herodes de Hans Biber, a Herodias de Astrid Varnay e a Salome de Teresa Stratas.

Biber é absolutamente pathético, personificando a decadência de forma esplendorosa: gordo, untuoso, atontalhado e acobardado. Vocalmente notável, este intérprete triunfa pela riqueza cénica.

Varnay encontra em Herodias a génese da sua histórica Klytämnestra – a da já mencionada Elektra.
Menos exposta vocalmente do que na futura Klytämnestra, por razões óbvias (o papel não tem um terço da envergadura vocal do da mãe de Elektra), Varnay compõe, neste registo, uma rainha horrenda, maliciosa e calculista, aqui e ali atormentada pela língua de Jochanaan.

Por fim, Stratas revela-nos a Salome absoluta, porventura definitiva, ultrapassando a imensa Malfitano, cenicamente (vocalmente, nem se fala!).

Teresa Stratas, desde logo, conta com um inquestionável plus, que destroça as demais concorrentes: é uma bela mulher, jovial e elegante, encontrando-se por altura deste registo na flor da idade.

Vocalmente, Stratas revela uma segurança espantosa.

Porém, em minha opinião, é no capítulo da interpretação que Stratas faz história.
A sua Salome revela infinitas subtilezas, tantas quantas as da personagem (re) criada por Wilde: adolescente caprichosa, vulcânica e sedutora, de início, crescentemente perversa e maliciosa, até ao apogeu da insanidade absoluta, que culmina com a sua morte, no final da ópera.

Creio que a evolução do olhar da personagem, que a grande intérprete canadiana aqui compõe, deveria ser alvo de um cuidado estudo teatral e psicológico. É de antologia!
De facto, é por via do olhar que Stratas se exprime, primordialmente.

Os olhos desta Salome fascinam-nos, desde início, pela languidez, cedo cedendo ao peso da lascívia. Contudo, é por ocasião do final da Dança dos Sete Véus que a transformação mais radical se instala: doravante, o olhar que outrora seduzira, verga-se à insanidade, exprimindo uma tenebrosa desrealização e autismo.

O único senão da caracterização desta intérprete radica numa demasiada contenção da libido...
Pessoalmente, preferia vê-la mais solta e expressiva, mais ousada e animalesca...
Deve ser cá um desejo meu...

Quanto aos demais intervenientes – Weikl e Böhm, inclusive -, dir-se-ia que não ultrapassam o convencionalismo.
Aliás, Salome sempre foi o calcanhar-de-Aquiles de Karl Böhm, cujo registo áudio deixa muito a desejar...

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Até à próxima infidelidade, caro leitor!

*A tua filha é um monstro.

3 comentários:

  1. Do que diz da Stratas eu não podia estar mais de acordo. Talvez só um bocadinho mais de volume, mas de tudo o resto eu subscrevo o que diz. João, eu sei que não gosta, mas tente visualizar uma das suas Neddas e veja como a Stratas se aproxima da Giuletta Masina de La Strada de Fellini.
    Raul

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  2. Raul.

    Não percebo essa das Neddas... Não gosto de quê?

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  3. A personagem Nedda dos Palhaços.
    Raul

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