Em degustação, ossia Férias - IV



47 anos depois do milagre original, em Salzburgo (a 31 de Julho de 1962), eis que, algures no mundo, a 31 de Julho de 2009, o sublime e inusitado acontecimento se repete!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A Bijuteria do Reno

Enquanto, por estas bandas longínquas, aguardo ansiosamente pelos primeiros ecos de Bayreuth, contento-me (?) com O Anel alternativo que Gergiev anda a exibir por esse mundo fora.

Segundo consta, este O Ouro do Reno triunfa vocalmente, sendo uma decepção, em termos plásticos e teatrais:

«Despite much radiant Russian singing, with Evgeny Ulanov's Donner and Zlata Bulycheva's Erda both outstanding, this is a woefully unimaginative production, totally lacking in theatricality. Gergiev is famed for his compulsion to control everything he touches, but alas, he's no Diaghilev

Herbert


Se méritos dignos de referência há, neste Otello, inevitavelmente os mesmos prendem-se com a direcção divina de Von Karajan, a par da prestação da sumptuosa Filarmónica de Viena – a minha orquestra de eleição, desde há muito. Pelas razões descritas, não hesito em designar esta interpretação de Otello pelo nome próprio de Von Karajan, ossia Herbert.

Von Karajan e a Wiener Philharmoniker proporcionam a leitura orquestral de Otello mais impressionante que conheço (e privo com cerca de uma dezena, de Furtwängler a Toscanini, de Serafin a Solti): dramática, poética, fina e grandiosa. A prestação da orquestra – das cordas, particularmente -, é o que se sabe: um verdadeiro milagre, na afinação, profundidade e imensa poesia que desenham.

Relativamente aos intérpretes, "a coisa pia" de outro modo.

Del Monaco foi o protagonista de Otello dos idos 1950 e inícios da década de 1960. Há envergadura dramática na sua interpretação e spinto a rodos. Falta-lhe volume, sobretudo. O timbre é belo e heróico, mas um tanto magro.

A Desdemona de Tebaldi peca por uma discreta insegurança, própria da época da carreira do grande soprano. Dócil e elegante, Tebaldi compõe uma Dedemona convencional.

Protti é um Jago inespecífico, insuficientemente perverso e intriguista. Gobbi – anos depois – veio a criar o Jago supremo, sob a batuta de Serafin: corrosivo e maligno, de uma perversão diabólica.

Pese embora a prestação e limitações dos solistas, o acto III desta interpretação transpira drama e calor teatral, servido por vozes de assinalável qualidade - vide os confrontos Otello / Desdemona e Iago / Otello.

Caso o leitor procure o melhor Otello orquestral, este é o seu objecto de desejo. Se pretende um conjunto de solistas de grande envergadura dramática e teatral, Vickers será o protagonista – ou Vinay, ou ainda Domingo -, Studer a Desdemona de eleição – a par de Freni, Scotto ou Rysanek – e Gobbi – como disse, sem sombra de rival – o maior Jago da discografia.

Por Karajan, indubitavelmente.

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(4/5)

Best of Operaedemaisinteresses - 2009

Este ano tem andado bem parco em matéria de lendas líricas.

Contudo, dada a qualidade deste Guglielmo Tell, resolvi incluí-lo na lista dos Best of''09, que o leitor atento encontrará, algures nas colunas da direita...

Platina!


(DECCA 475 7723)

Esta extraordinária composição constitui um marco na lírica, ladeando Don Giovanni, Os Mestres Cantores de Nuremberga, Aïda e O Cavaleiro da Rosa, apenas para citar algumas das peças que constituem, unanimemente, o top 10 da ópera.

Guilherme Tell é uma epopeia, que relata a independência da confederação helvética, remontando ao século XIII. Tell é, evidentemente, o herói da peça, cuja bravura aglutina em seu redor o crescente desejo de insurreição e independência da Suíça de então.

A música é monumental, heróica e grandiosa, de uma beleza avassaladora. Guilherme Tell é uma obra extensa e plenamente conseguida, contendo a marca indelével do bel canto. Perto dela, a opera seria de Rossini é uma curiosidade – Tancredi, Semiramide, La donna del Lago, Maometto II e Zelmira, de entre as mais célebres.
A versão que aqui comento é a italiana – não só desconheço a original (composta em francês), como não a possuo, hélas!


Este registo conta com uma direcção (o jovem Chailly) majestosa, brilhante e imensamente expressiva. Os solistas são de primeira água: os conterrâneos belcantistas Freni – então jovem lirico-spinto, graças a Von Karajan – e Pavarotti, Milnes e Ghiaurov.

Milnes (Tell), de timbre esbelto e singular, compõe um herói movido pelo orgulho e valentia. A cena da flecha – acto III – constitui a sua coroa de glória. O protagonista concebido por Sherill Milnes mescla a mais triunfal ousadia e valentia, com a singeleza e eloquência do amor por Jemy, seu filho. Comovedor…

Pavarotti (Arnoldo), dilacera-se neuroticamente entre o amor à pátria e família e a paixão pela aristocrata Matilde. A voz – quiçá na sua plenitude – é um sonho: luminosa, de agudos certeiros e cristalinos, amplos e de uma generosidade arrebatadora.

Freni habita a sua Matilde com uma fragilidade, à la fois, humana e aristocrata, feminina e dócil como só ela. Em águas bel cantistas – onde foi gerada, recorde-se – Mirella Freni revela uma disciplina e técnica impressionantes, agrilhoando a sua personagem aos supremos valores da lealdade e rectidão.

Embora o Gualtiero de Ghiaurov seja uma figura periférica nesta peça, a autoridade do baixo ecoa desta a primeira linha.


Termino com um conselho: experimente o leitor escutar e re-escutar o acto II…
Atente à progressão dramática, ao deslumbramento de uma melodia tão lírica, quanto heróica, à beleza do canto! Os enlaces e desenlaces de Arnoldo e Matilde (o que dizer da sua Selva Opaca?!) constituem peças estruturais da antologia da ópera oitocentista.

Guilherme Tell é uma obra fundamental, indispensável em qualquer colecção de ópera, sendo a presente interpretação (porventura) a que mais distintamente a homenageia. Aliás, esta leitura está para a música lírica como o Don Giovanni de Giulini (1959).
E mais não preciso de dizer.


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(5/5)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Mortier: le départ

A Era Mortier terminou, envolta em polémica, como se pretende – pelo menos, pretende o próprio, que faz da polémica o seu nutriente fundamental.


Doravante, G. Mortier criará polémica em Madrid. Começa com Weil e termina com Messiaen. Gostos, enfim.

Aprecio Mahagonny, tal como Saint François d'Assises, devo advertir!

Em jeito de balanço, eis a opinião de Mortier, lui-même, de malas aviadas para o Real:

"INTERVIEW - Le directeur de l'Opéra national de Paris quitte son poste aujourd'hui. Nicolas Joel le remplacera en septembre.Dans sa réunion du 15 juin dernier, le conseil d'administration de l'Opéra national de Paris a approuvé le bilan du mandat de Gerard Mortier et félicité ce dernier pour ses résultats, avec un taux de remplissage de 92,5 % pour le lyrique et 88,7 % pour le ballet, et un autofinancement passé de 39 à 45 %. Nombreux sont ceux, pourtant, qui se réjouissent du départ de celui qui a dérangé pendant cinq ans leurs habitudes en matière d'art lyrique. L'occasion de faire le point avec une personnalité controversée, avant son envol vers le Teatro Real de Madrid.

LE FIGARO. - Vous êtes souvent ressenti comme un provocateur, qui aime choquer le bourgeois.
Gerard MORTIER. - C'est un grand malentendu. J'ai une passion, je cherche à la faire partager. Mon but n'est pas de brutaliser le spectateur, je crois profondément à ce que je fais. Cela ne veut pas dire que je réussis à chaque fois : j'ai sur mon bureau en permanence cette phrase de Beckett, «Échouez, échouez à nouveau, mais échouez mieux». En tout cas, lors du cocktail de départ donné par les membres de l'Association pour le rayonnement de l'Opéra de Paris, ces derniers m'ont dit qu'ils avaient été heureux d'être bousculés par moi, même s'ils n'ont pas toujours tout compris. Il faut accepter de ne pas comprendre : comprend-on tout quand on lit Rimbaud ?

On vous reproche de faire passer vos goûts avant la diversité des programmes.
Ce n'est pas une question de goût mais de conception de l'opéra. Je sais qu'il me suffit de programmer La Bohème ou Tosca pour remplir ma salle, mais je ne m'y résigne pas. Je me demande d'abord quel ouvrage peut m'apprendre quelque chose sur notre société. Richard Strauss n'est pas au premier rang de mes goûts, mais je sais que je dois le jouer. À Madrid, je commencerai ma première saison par le Mahagonny de Kurt Weill, réflexion sur le modèle économique qui est en crise aujourd'hui. Et je la terminerai par Saint François d'Assises. Ainsi, nous aurons les deux pôles du monde contemporain : le matérialisme et la spiritualité. C'est ainsi que je conçois une saison, même s'il m'arrive de faire des entorses pour satisfaire des artistes : j'ai fait Werther à la demande de Rolando Villazon et Susan Graham, je vais monter la Fanciulla del West de Puccini car Eva-Maria Westbroek m'a supplié de la faire, alors que je déteste ces œuvres.

Vous visez donc la réflexion davantage que le divertissement ?
La réflexion est essentielle : Le sommeil de la raison engendre des monstres, dit le tableau de Goya dont j'ai la reproduction dans mon bureau. Et puis un théâtre d'opéra n'est pas une institution d'amusement, surtout avec l'argent public. J'ai une mission : on ne peut pas faire Broadway avec 100 millions de subventions.

Gardez-vous des regrets ou des frustrations de votre passage à Paris ?
Le cauchemar, ce fut l'annulation de la première d'Adriana Mater de Kaija Saariaho pour cause de grève, alors que je n'ai pas eu durant mon mandat une seule grève due à des raisons internes mais seulement à des mouvements nationaux (intermittents, retraites). J'aurais aimé jouer Les Soldats de Zimmermann, mais c'est trop lourd à monter dans un théâtre où l'on pratique l'alternance des spectacles. Moïse et Aaron de Schoenberg et les Maîtres chanteurs de Wagner m'auraient tenu à cœur mais le personnage principal y est le chœur et celui de l'Opéra de Paris n'était pas tout à fait au niveau. Sinon, la grande blessure restera l'accueil fait à Sylvain Cambreling, alors qu'il est reconnu en Allemagne comme un grand chef.

Et des satisfactions ?
Avoir fait passer la moyenne d'âge des spectateurs de 56 à 42 ans. Voir l'Orchestre de l'Opéra unanimement reconnu comme le meilleur de France. Avoir créé une identité théâtrale forte avec quelques metteurs en scène comme Marthaler, qui était déjà connu, ou Warlikowski et Tcherniakov, que je suis fier d'avoir révélés au public.

On a parfois l'impression que vous ne supportez pas la contradiction…
Ce n'est pas vrai, j'aime la discussion et ne m'y dérobe jamais. Mais c'est un fait : je réagis viscéralement quand je ne comprends pas une appréciation. Par exemple, vous aimez les symphonies de Bruckner dirigées par Philippe Herreweghe, et ça, je ne peux pas l'admettre venant de vous qui connaissez comme moi ce compositeur ! C'est plus fort que moi."

sábado, 25 de julho de 2009

Declaração de Intenções



Nestas férias – prometo, contra o expectável –, em operaedemaisinteresses.blogspot.com, apenas haverá espaço para o bel canto italiano (Rossini e Bellini), Verdi e P
uccini.

Nada de Wagner e Mozart, nem ouvi-lo.
Dei-me conta, ultimamente, que andava a subestimar a lírica italiana. Não pode ser!


Noutro quadrante, em termos literários, andarei por Virginia Woolf, Tennessee Williams e Sade (cujos Os Infortúnios da Virtude não consigo terminar...).


Net - Salzburgo e Bayreuth - não faltará. À falta de melhor via de acesso aos festivais...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

(mais) Leituras para as Férias


(Um Eléctrico chamado Desejo e outras peças, de Tennessee Williams. Tradução de Helena Briga Nogueira. Relógio D'Água)

Inevitavelmente.

Além de Um Eléctrico Chamado Desejo, esta obra contém a peça em que se apoiou o último filme que me fascinou, ossia Gata em Telhado de Zinco Quente.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tosca - Arena di Verona

Uma leitora disponibiliza 4 entradas para a récita de Tosca na Arena di Verona, a 15 de Agosto.

Os interessados deverão contactar-me por e-mail.

sábado, 18 de julho de 2009

António Marinho Pinto: uma leitura psicanalítica, ossia "Contra o pai, lutar, lutar!"



A entrevista de António Marinho Pinto (AMP) à ÚNICA, hoje, clarifica-nos quanto às suas motivações profundas. Visivelmente, o combate obcecado e tenaz pela justiça tem uma raiz infantil, bem prosaica, que a psicanálise ajuda a elucidar.

É de assinalar o conflito que opôs AMP durante longos anos ao pai, um acérrimo defensor do regime salazarista, autocrático e prepotente. Ora, Marinho Pinto opta, desde cedo, por se identificar, sistematicamente, com os oprimidos, injustiçados e perseguidos – os soi-disant "amantes da liberdade, democratas, esquerdistas", etc.

Curiosamente, quando questionado sobre as histórias que o fascinavam, na infância, AMP adianta a querela entre David e Golias.

Evidentemente, a luta entre David e Golias fascinava o causídico, na medida em que, por via do deslocamento, representava o conflito que mantinha com o próprio pai - Golias. Aliás, é o mesmo conflito que explica os combates que mantém, na actualidade, com os poderosos políticos, corruptos e quejandos.

AMP – ossia David, ossia Robin dos Bosques – ter-se-á sentido injustiçado e perseguido por um pai omnipotente. O conflito com o mesmo pai – contrariamente ao que refere, na entrevista mencionada - mantém-se aceso, sendo o motor inconsciente da sua infindável e infatigável cruzada.


Assim se vê como, recorrendo à secundarização – via deslocamento e simbolização – o sujeito perpetua e actualiza um conflito, com raízes infantis. Mais: a luta contra a imago paterna, por força dos mencionados mecanismos, surge camuflada. Por trás dos perseguidores poderosos está – sabemo-lo nós, os psis – um pai todo-poderoso.


nota: há anos, neste post, discorri sobre o móbil do combate de Marinho Pinto. O presente post parece-me mais certeiro.

Il Barbiere di Siviglia - Royal Opera House - II - Glory Days

«But it's the five principals who make the show unforgettable. Each one is a star, and they combine in a team of friendly rivals who knock sparks off each other. Juan Diego Florez was in top form as Almaviva, bringing the house down with an electrifying account of the usually omitted virtuoso aria 'Cessa di piu resistere'. Pietro Spagnoli made his house debut as the most amiably spunky, earthy and bumptious of Figaros, while Alessandro Corbelli presented a beautifully detailed, understated Bartolo, in brilliant contrast to the fabulously over the-top Basilio of Ferruccio Furlanetto.

And just to ratchet up the excitement another notch, the terrific Joyce DiDonato sang the best 'Una voce poco fa' I have ever heard (not forgetting Bartoli), before falling over, breaking a bone in her leg and carrying on regardless, wielding her crutch to splendid comic effect. Pure magic, from start to finish.»



(Joyce Didonato como Rosina: Londres - Royal Opera House, Julho de 2009)

«The Royal Opera's latest revival of Rossini's Il Barbiere di Siviglia boasts the most extraordinary cast to be heard in the piece for some time, and also, it would seem, one of the most accident-prone. (...) In act two, meanwhile, her Almaviva, Juan Diego Flórez, narrowly missed being clobbered by the lid of an open grand piano.

Musically, however, it was bliss. There is thoughtfulness as well as brilliance in Antonio Pappano's conducting, which gives us greater emotional resonance than usual in this work without diluting its abrasive comedy. Pietro Spagnoli's Figaro, similarly, is a man whose impudent charm masks considerable moral strength. Even with that crutch, DiDonato's rebelliousness and gleaming tone shone through. Flórez has fun slumming it in fatigues and over-decorates his lines a little, but his technique still dazzles and his arias brought the house down. The bad guys are fabulous, too, with Alessandro Corbelli's cantankerous Bartolo nicely contrasted with Feruccio Furlanetto's odious Basilio.»



(Joyce Didonato como Rosina: Londres - Royal Opera House, Julho de 2009)

«Rossini’s Barber of Seville is packed with showstoppers; but when did we last see it cast at such strength, sung with such tongue and vocal chord twisting relish, and conducted with such panache that every number did just that – stopped the show? Answer: the current revival of Moshe Leiser and Patrice Caurier’s wild and wacky staging at the Royal Opera House.

They must have added a quarter of an hour to the running time in applause. Indeed when Juan Diego Florez came to nail Count Almaviva’s “Cessa di piu resistere” in the closing scene – an aria so fiendish in the speed and difficulty of the coloratura that it was once deemed unsingable and invariably cut – such was the bedlam that broke out in the audience that Alessandro Corbelli’s Doctor Bartolo had to look at his pocket watch (in character, of course) in order to get the show re-started and finished. It was that kind of night.

You know you are on to a good thing with Barber when the overture doesn’t sound so familiar. Antonio Pappano doesn’t do routine, ever, and here the rhythms were so fleshly minted and the clarinet and bassoons solos so ripe and streetwise that you actually wondered what came next. It was like that throughout the evening with such ear-pricking dynamics and rapier reflexes from the orchestra that you truly began to reassess and rediscover Rossini.

Ditto the staging. Christian Fenouillat’s candy-striped box of tricks works a treat with doors and windows and staircase only appearing for entrances and exits so you really do feel like Rosina, trapped under house-arrest. And when everyone’s heads go woozy in the virtuosic act one finale, so does the set. Has there ever been a more literal interpretation of “dazed and confused”?

Joyce DiDonato’s dazzling Rosina was hanging on for dear life at that point having stumbled and sprained her ankle in the second scene. She battled on, of course, singing with delicious innuendo and fabulous aplomb, and the crutch she used came in useful when she trashed the set in the storm scene. But then no one was ever buying that “I am a well behaved girl” line. DiDonato has the attitude; she owns this role.

Alessandro Corbelli could have created Bartolo, all bluster and great comic timing; Ferruccio Furlanetto’s Basilio brought borderline insanity and precarious physical contortions to the mounting hysteria of his slander aria; and Pietro Spagnoli’s feisty Figaro had everybody’s number. And Florez? How does he do it? It’s called technique.»


Solistas de primeira água, uma direcção enérgica e um acontecimento inusitado - a fractura da perna de Didonato - tornaram este O Barbeiro de Sevilha num estrondoso e unânime sucesso!

La Traviata - Royal Opera House - III


(Renée Fleming, ossia Violetta Valéry - La Traviata: Covent Garden, Londres, Junho de 2009)

«But Ms. Fleming’s Violetta was the big news. Few sopranos of comparable popularity have sung as many varied and unusual roles as she has: everything from Handel’s Rodelinda to Massenet’s Manon, from Dvorak’s water nymph Rusalka to Carlisle Floyd’s sensual and naïve young Susannah. She has sung most of the Mozart heroines and major roles like Verdi’s Desdemona and Strauss’s Marschallin, which she will again take to New York this season when the Metropolitan Opera presents “Der Rosenkavalier.”

But Ms. Fleming has avoided the touchstone roles in Verdi and Puccini with which most leading sopranos are expected to ante up. With one exception: Violetta. She introduced it in 2003, first at the Houston Grand Opera and then at the Met. The public was enthusiastic, but the critical reception mixed. I found that first Met Violetta sumptuously sung and involving, if a little cautious.

There was nothing cautious about Ms. Fleming’s performance here on Monday. For sheer ease and accuracy in dispatching the coloratura flights in Act I, there are other sopranos who can top Ms. Fleming’s technique. But in her performance each run and turn emanated from a melodically coherent and dramatically penetrating phrase. Her coloratura roulades conveyed emotional ambiguity, the coquettish facade of a kept woman determined to convey pride and sexual allure, while her shame lurks just below the surface.

Ms. Fleming’s critics object to her penchant for inflecting lines with expressive twists and tugs. But on this night the interpretive touches and vocal colorings she brought to her singing seemed not at all calculated: rather, spontaneous expressions of feeling. Even little vocal glitches and some strained top notes were such a part of this intensely felt portrayal that they were hardly noticeable.»

terça-feira, 14 de julho de 2009

Teatro Nacional de São Carlos: temporada (lírica) 2009/2010



Creio ter sido hoje anunciada a próxima temporada do TNSC, a segunda da maldita era Dammann.

Resumindo: O Crepúsculo dos Deuses (encenação de G. Vick), A Bela Adormecida (O. Respighi - ópera para crianças), L´Ocasione Fa Il Ladro (Rossini - estúdio de ópera) e Trouble in Thaiti (Bernstein - estúdio de ópera),
Dona Branca (Alfredo Keil - versão de concerto), O Morcego, Niobe, Regina di Tebe (Agostino Steffani) e Hybris (Adriana Hölszky), As Bodas de Fígaro, A (pequena) Flauta Mágica (versão adaptada para crianças e cantada em português, a partir de Mozart) Eugene Onegin e Os Mortos Viajam de Metro (Hugo Ribeiro).


Agora, caro e fiel leitor, pergunto: adivinhe lá quem não tenciona passar pelo TNSC, uma temporada mais? Não se trata de ser derrotista - muito menos pessimista! É que gastei fortunas para aprender a abdicar do masoquismo e não me apetece nada voltar para cima do divã...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Disse-me um passarinho...

...que está para muito breve a saída destes brindes!



domingo, 12 de julho de 2009

Aix'09 - IV - Orphée aux enfers



«Un Orphée plutôt troussé, qui cousine avec le music-hall franchouillard de Jérôme Savary et le ludique décalé de Laurent Pelly. Le metteur en scène belge Yves Beaunesne est un appelé d'assez fraîche date à l'opéra (il a monté à Lille Werther, de Massenet, Rigoletto, de Verdi, et une version pour instruments à vent du Cosi fan tutte de Mozart).

Mais il caresse la musique dans le sens du poil. Et elle ne manque pas de panache cette partition truffée d'airs et de numéros à succès, qui, pour les besoins des jeunes voix des chanteurs de l'Académie de musique, et le plaisir du public, mêle la version originale de 1858 et sa cadette de 1874 (plus luxueuse, car habillée de ballets).

BOTTINES DE FEMME LIBéRéE

Textes parlés et dialogues ont été réaménagés à la mode du jour par la dramaturge Marion Bernède dans l'esprit soft et néanmoins caustique d'un Offenbach 2009. Le tout est emballé dans une succession de gags et de jeux de scène qui ont déclenché l'hilarité d'une partie du public, lequel n'a, dans l'ensemble, pas boudé son plaisir.

On retiendra à l'avenir le remarquable Mathias Vidal (Aristée-Pluton), ténor à la voix bien placée, de surcroît excellent comédien. Le Cupidon au joli timbre d'Emmanuelle de Negri ne manque pas de chien, tout comme la Diane chasseresse de la Canadienne Soula Parassidis. Quant à l'Aixoise Pauline Courtin, elle campe, en dépit d'une voix courte, une Eurydice fine mouche, aussi à l'aise dans ses bottines de femme libérée qu'en nu-pieds de bacchante.

La direction enlevée d'Alain Altinoglu n'a pas faibli un instant à soutenir les voix. A la tête de la Camerata de Salzbourg, le jeune chef français prouve qu'on peut avoir le vent en poupe et le mériter. Le seul problème soulevé par cette production reste son lieu. Non que la musique d'Offenbach soit indigne du Théâtre de l'Archevêché, mais l'Idomeneo aux pléthoriques moyens déployés sur le même lieu et cet Orphée léger à l'allure de goualante ne jouent pas dans la même cour.»

E que viva a graça e ligeireza!

Aix'09 - III - Idomeneo




(
Idomeneo, Aix'09: Delunsch como Elektra)

«Tès attendue, cette nouvelle production d'Idoménée, de Mozart, au Théâtre de l'Archevêché, consacrait les débuts du metteur en scène Olivier Py (directeur du Théâtre de l'Odéon) au Festival d'Aix-en-Provence.

Py s'est prouvé qu'il était à la hauteur de l'enjeu : dans son premier chef-d'oeuvre, Mozart, 25 ans, a mis toute sa science et même plus, persuadé que Munich, où eut lieu la création, en 1781, lui ouvrirait la carrière.

Ce spectacle est une réussite qui n'est pas sans susciter de l'agacement. Du reste, il fut accueilli par les huées du public, qui attendait sans doute une mise en scène plus classique. En fait, Olivier Py en fait trop, il pèche par excès d'orgueil et de zèle, développant une manière de "Grande Parade de Py". Il étale le catalogue virtuose de son savoir-faire, éprouvé dans les huit opéras qu'il a mis en scène depuis une dizaine d'années, dont le fameux Tristan et Isolde de 2005 reste la plus belle réussite.

La scénographie est due à Pierre André Weitz, ingénieux complice de Py, spécialiste des grands praticables et tréteaux métalliques. Weitz a échafaudé une cosmogonie à trois niveaux. En bas, à fond de cale ou de tarmac d'aéroport, les esclaves : la princesse troyenne Ilia et les siens, faits prisonniers par les Grecs - ici des Africains traités par des hommes en armes cagoulés.

Puis la ligne de partage entre l'ancien et le nouveau monde. D'un côté, la vieille civilisation des dieux antiques qu'incarnent le roi de Crète, Idoménée le superstitieux, soumis aux monstres de Neptune, et la princesse d'Argos, la tragique Electre. De l'autre, Idamante, bâtisseur de la Cité nouvelle, fils christique offert en holocauste par son père, dont le règne futur sera porteur de paix, amour, lumière.

Les éclairages aux néons tournoyants, les tréteaux manipulés à vue et formant un ballet de métal, le grand rideau de Plexiglas levé et baissé selon que le temps de l'intrigue se clarifie ou se brouille comme au travers d'une vitre sale, tout cela donne de très belles visions.

Mais les mouvements sans cesse, les effets de miroirs et de vagues de lumière sur les murs de l'Archevêché donnent parfois le mal de mer et phagocytent par trop la musique. Il manque un peu de mesure à cette démesure. D'autant que la direction d'acteur est la plupart du temps remarquable. Jusque dans ses réjouissants premiers degrés : jeter une bouteille à la mer revient à la lancer à la figure de Neptune.

MÉTAL PIVOTANT

Quelle belle idée qu'Electre, dédaignée par Idamante, puisse jouir elle aussi de la sérénade d'amour adressée à une autre ! Que le sublime quatuor du troisième acte se joue dans la valse des couples Idomenée-Electre, Ilia-Idamante, sur fond de métal pivotant.

Le chef d'orchestre Marc Minkowski a choisi la version viennoise de 1786, qui distribue Idamante en ténor, en lieu et place du castrat de la version originelle, habituellement interprétée par une mezzo- soprano. Cela donne un beau duel de ténors, d'où sort vainqueur l'Idoménée de Richard Croft, souverain dans les redoutables vocalises du "Fuor del mar". Fine et sensible, la soprano belge Sophie Karthäuser (Ilia) porte avec aisance sa couleur noire d'emprunt, tandis que Mireille Delunsch, en Electre, prouve une fois de plus quelle est une tragédienne-née.

Minkowski, pour en être à sa quatrième production d'Idoménée, n'a rien perdu de sa fraîcheur. Et les Musiciens du Louvre ont su privilégier la ligne expressive, prenant résolument parti, tout comme Mozart, pour le nouveau monde.»


(Idomeneo, Houston Grand Opera: Richard Croft no papel titular - em cima - e Olivier Py - em baixo)

Este Idomeneo, pessoalmente - como disse -, conta com duas vedetas, há muito consagradas: Olivier Py (cuja encenação de Tristan und Isolde é mítica) e o magnífico Richard Croft, que cantou o melhor Il Mio Tesoro (Don Giovanni, Bastilha, 2000) que a minha memória consegue alcançar (nunca é de mais repeti-lo)!

Aix'09 - II - O Crepúsculo dos Deuses





(O Crepúsculo dos Deuses, Aix, Julho de 2009: Heppner e Dalayman - em cima - e Heppner - em baixo)

«Revenons à ce Crépuscule, dernier volet de la Tétralogie de Wagner, qu'Aix a montrée dans son entier sur quatre ans, avec la même équipe artistique - Simon Rattle à la tête de l'Orchestre philharmonique de Berlin, mise en scène de Stéphane Braunschweig. Ce Crépuscule s'est achevé dans l'intelligibilité narrative et l'intelligence psychologique qui ont caractérisé, dès L'Or du Rhin, en 2006, la vision du metteur en scène Stéphane Braunschweig. Scénographie élégante et épurée, direction d'acteur fine et soignée, décors minimalistes (des parois, des escaliers), accessoires réduits (trois chaises, deux lits) : Le Ring de Braunschweig a pris le parti du coeur humain contre celui du corps mythologique.

QUATRE ÉTÉS DE BONHEUR

Braunschweig a rendu vivants et crédibles des personnages dépossédés des archétypes, démultipliant comme des alphabets les petits gestes qui "parlent". Ainsi, la ferveur mâtinée de crainte et d'élans retenus avec laquelle Brünnhilde laisse partir son héroïque Siegfried au lendemain de leurs noces dit déjà qu'elle va le perdre et le sait.

Mais Braunschweig a surtout pris le parti de la musique. On ne saurait s'en plaindre, car il est rare d'atteindre un tel confort d'écoute. Mais ce confort a parfois laissé passer l'idée d'un certain conformisme. Avec le risque que ce Ring subtil mais pâle ne laisse qu'un souvenir agréable.

Resteront dans les mémoires les quatre étés de bonheur passés avec la Philharmonie de Berlin. L'orchestre de Simon Rattle est sans rival. Tout simplement étourdissant de couleurs, de nuances, d'imagination, de virtuosité. Jouant un Wagner de musique de chambre, intelligent et rigoureux autant qu'étonnant et fantasque. Sonnant clair et léger au point qu'on ne peut imaginer plus éthéré, puis tout à coup ramenant une lame de fond d'une puissance renversante, noire, tragique.

Le plateau vocal est de haut vol. Les Choeurs de la Radio de Berlin sont magnifiques. On attendait l'émouvant et superbe Siegfried de Ben Heppner, qui avait fait l'unanimité la saison dernière. Le ténor n'a rien perdu de sa musicalité, de sa grâce naïve. Corpulence de gros bébé et légère fatigue vocale dans la toute dernière scène n'ont fait que rajouter à l'émotion attendrie qu'il sait susciter. Particulièrement remarqué, le Hagen de Mikhail Petrenko : un détonnant mélange de perversité et de détresse, que le Russe a su jouer avec une maîtrise de la diction allant parfois jusqu'à mêler le chant et la parole. Anne Sofie von Otter est une Waltraute incroyable de présence scénique et vocalement à son affaire. Quant à la Brünnhilde de Katarina Dalayman, elle a trouvé l'équilibre entre la superbe de l'ancienne Walkyrie qu'elle était et l'humanité de la femme aimante qu'elle est devenue, jusqu'au sacrifice.»

Aix´09 - I



O Festival d’Aix-en-Provence constitui uma verdadeira referência no panorama lírico europeu. Em importância, apenas Salzburgo o suplanta – em requinte, nem Salzburgo lhe chega aos calcanhares, desde que, em inícios da década de 1990, o festival austríaco se vergou diante do novo-riquismo.

A 61ª edição de Aix conta, inevitavelmente, com a presença da incontornável crise, hélas! Ainda assim, destaco duas produções de encher a alma: a derradeira peça d’O Anel - O Crepúsculo dos Deuses - , sob a direcção de Rattle, e Idomeneo, encenado por Py, com um dos maiores tenores mozartianos da história, Richard Croft.

Em Aix, durante o mês de Julho, a regra é fruir...

«Lorsque Bernard Foccroulle a pris la direction du Festival d'Aix, en 2007, on pouvait redouter pour lui une crise de schizophrénie. Organiste belge, plongé dans la musique de Bach, intellectuel et humaniste, il se retrouvait à la tête du plus mondain des festivals de l'Hexagone, une sorte de Salzbourg français. Et se retrouvait avec, sur les bras, le projet pharaonique lancé par son prédé­cesseur Stéphane Lissner : La Tétralogie, de Wagner, avec le Philharmonique de Berlin dirigé par Simon Rattle, dans le Grand Théâtre de Provence construit à cet effet. Il a joué le jeu avec loyauté et continuera de miser sur l'excellence, puisqu'après les Berliner Philharmoniker, un autre orchestre prestigieux sera en résidence à Aix (on parierait volontiers sur une phalange londonienne…).»

sábado, 11 de julho de 2009

Saudades de Bondy / Malfitano / Terfel, Stratas and so on


(OPUS ARTE - OA 0996 D)

A Salome de McVicar fez furor em Covent Garden, por ocasião da sua estreia. Segundo rezam as crónicas, Nadja Michael é a intérprete ideal do papel titular da mesma ópera de Richard Strauss.

Pelas bandas dissolutas, devo adiantar que, nem a encenação de McVicar, nem a interpretação de Michael ficarão na história, a não ser pelas piores razões...

David McVicar baseia-se em Pasolini – no deplorável Saló – para recriar Salome. Embora longe do abjecto ambiente de Pasolini, o encenador inglês não resiste a impregnar o seu trabalho de detalhes gratuitos e estéreis, subsidiários da perversão. Nesta mise-en-scène, o papel (mudo) do carrasco tem uma visibilidade inusitada e inexplicável, surgindo o mesmo como sodomita!

Apesar do requinte reinante – no guarda-roupa, nomeadamente -, a encenação pouco criativa limita-se a repisar terrenos volvidos: o clima (pasoliniano) conspurcado dos lavabos, situados na cave – onde decorre a trama -, que contrasta com o ambiente requintado da superfície, límpida e arrumada.

No plano interpretativo e vocal, pouco há a enaltecer, sobretudo pela reinante mediania das performances. Michael (Salome) parece um contralto – já imaginou o leitor uma Lucia interpretada por Ewa Podles? -, com agudos deselegantes e forçados, Moser (Herod) peca pela falta de folgo e Volle (Jokanaan) funde-se com a mediocridade.

Absolutamente dispensável, enfim...


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(2,5/5)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Modelos

Eu e este Senhor partilhamos o mesmo nome próprio e o amor pela lírica - wagneriana, particularmente.

Ele era genial. Eu não, nem por sombras.

Se eu fosse um cantor lírico - e pudesse escolher ser como alguém - , Hotter seria o meu modelo.

Raul...

... o trabalho (parcial) sobre A Gata em Telhado de Zinco Quente está feito ;-)
Just read it...

domingo, 5 de julho de 2009

Gata em Telhado de Zinco Quente - uma (parcial) leitura psicanalítica

Em psicanalês – termo criado por Carlos Amaral Dias, meu mestre (entre muitas outras coisas...) -, é hábito dizer-se que a verdade cura.

Evidentemente, ao falar em verdade, referimo-nos à verdade subjectiva, a única que se conhece, em psicanálise.

Uma (psic)análise não é mais que o confronto do sujeito com a verdade. Aceitar a sua verdade, em pleno, tolerar a brutalidade da mesma, suportar a dor que lhe subjaz, eis a primeira premissa da cura analítica. Doravante, através do complexo trabalho baseado na relação transferencial, a verdade subjectiva abre-se à transformação e cambia. Contrariamente à verdade objectiva, a subjectiva muda, transforma-se, permitindo que o sujeito refaça percursos, trilhe novos caminhos, escapando, assim, à tremenda força da compulsão à repetição.


(cartaz de Gata em Telhado de Zinco Quente)

Em Gata em Telhado de Zinco Quente, uma vez mais, Tennessee Williams – via Richard Brooks – sublinha o peso e importância capital d'A verdade na vida psíquica do indivíduo.

A verdade de Brick, quando emerge, tornando-se consciente, transforma o curso da personagem. O sintoma desaparece, então.

Na génese da problemática de Brick está a complexa relação / identificação com o paterno.

Brick é um homem castrado, simbolicamente: sem trabalho, sem pujança e sem desejo. A sua virilidade é trôpega, senão coxa, amparada por uma muleta. O calcanhar fracturado – e bem assim a sua dependência do álcool - constituem a prova insofismável de uma masculinidade tosca e mal-amanhada.

No filme – tal como na peça – (bem como na psicanálise), a resolução da conflitualidade constitutiva do sofrimento de Brick implica um revisitar das profundezas: o ajuste de contas com o pai dá-se nos confins de uma funda e imensa cave, pejada de memórias familiares.

Brick, pela primeira vez na vida, ousa enfrentar o pai, assumindo a sua ambivalência: reivindica o seu amor, enquanto expressa de modo brutal a sua raiva e ódio. O pai autocrata e omnipotente, preso a um narcisismo frágil, revela então o seu imenso amor pelo filho predilecto.

A magnífica ousadia de Brick – prova da internalização e afirmação do phallus – põe termo a uma lógica de submissão e passividade.

Aliás, o fantasma homossexual que paira sobre a personagem interpretada por Paul Newman decorre de uma identidade masculina frágil, secundária a uma quase impossível identificação ao pai viril. Como disse, o abandono do masoquismo submisso e passivo, motivado pela afirmação e ousadia fálicas, ditam a mudança.

Doravante – leia-se, após a resolução do conflito identificatório -, Brick assume a sua condição plena de homem: activo e desejante, dissipa os fantasmas de outrora, abandonando as muletas do passado.


Um dos mais belos homens do mundo, por fim, ama sem pudor uma das mais belas mulheres do mundo: Brick e Maggie, ossia Newman e Taylor - inequívocos arquétipos da beleza humana -, afirmam-se em Gata em Telhado de Zinco Quente pela força e vitalidade teatrais, onde se mescla o poder do afecto e a brutalidade do conflito.

Gata em Telhado de Zinco Quente é uma obra singularíssima, pela vitalidade psíquica que a mobiliza e norteia e pelo inusitado sentido dramático que comporta.


(Brick e Maggie - ossia Newman e Taylor - em Gata em Telhado de Zinco Quente)

Um dos mais belos e violentos filmes e – porventura – o mais teatral.
E quem pensa que a natureza humana é pacífica e serena, ou é ignorante – desconhecendo o poder construtivo do conflito -, ou nunca leu Tennessee Williams...

Para ler e rever - a peça e o filme - a cada cinco anos, dos trinta em diante.
A verdade cura. Sem sombra de dúvida...
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(6/5)