quarta-feira, 29 de junho de 2005

Der Ring - Bayreuth, 1976

O ano de 1976, em Bayreuth, tem a marca indelével do escândalo !

No âmbito das comemorações do centenário da estreia de Der Ring, Patrice Chéreau - então jovem encenador - assinou uma das mais polémicas produções que alguma vez passaram pela mítica sala.
Boulez estava no púlpito...


Apesar das inúmeras fragilidades - sobretudo vocais - desta leitura, a produção é de um arrojo obsceno ! Considero-a, portanto, absolutamente indispensável, nomeadamente para wagnerianos incondicionais (desde que não padeçam de enfermidades cardíacas...).

A DG, pela primeira vez, disponibiliza, em dvd, a mais monumental das produções wagnerianas.


(NTSC 073 405-7)

Nota: não confundir este pack com o de igual modo recentemente editado, em dvd, fruto de uma produção do Met, dos anos ´80, cuja estética roça o mais insuportável kitsch !

Surpresas !

Harnoncourt a dirigir Bizet; Volpe - nuts - a anunciar récitas encurtadas, como forma de seduzir o público...

Cristo morreu, Marx também...

Vou dormir ! Devo estar doido !

Highlights...

... desta feita, em récitas líricas !
A Flauta Mágica, representada, numa récita de 90 minutos...
A kind of highlights, I ´d say...

Harnoncourt...

... a dirigir a Carmen (Bizet)... há algum tempo, diria tratar-se de uma piada !

Consumido pela (nova) música antiga - onde fez história -, recentemente tem-se dedicado ao romantismo tardio, bem como a Bartok...

Ainda vai dirigir A. Lloyd Weber...

No sopranos allowed ! (I)

A few post ago - aqui -, fiz referência à edição, pela ARCHIV, de duas composições barrocas, raramente gravadas. Tratava-se de Paride ed Elena, (Glück) e de Rodelinda (Handel).


Saudei, desde início, o facto de ambas as obras terem inaugurado uma nova era no contexto da edição discográfica.

A ARCHIV - extensão barroca da DG -, além de editar óperas pouco divulgadas, (cosa rara!), enveredou por outra estratégia comercial, ditada pela famigerada crise do mercado editorial. Neste sentido, optou por rever os invólucros e embalagens dos seus packs.
Qualquer das duas obras mencionadas, no plano estrito das aparências, assemelha-se às edições mid-price, dado não serem envolvidas nas tradicionais caixas de cartão ! Par conséquent, os preços desceram, drasticamente !
Moral da história: que se danem as aparências !

Mas, na minha subjectivíssima opinião, as semelhanças não terminam aqui...

Pelo que me foi dado perceber, as duas interpretações, que contam com maestros habitués destes territórios musicais - McCreesh e Curtis - giram em torno de duas grandes estrelas do firmamento lírico actual: Kozená e Mijanovic.
Detalhemos a coisa.


(ARCHIV 00289 477 5415)

Em Paride ed Elena, abunda a controvérsia, salvo no que à prestação de Magdalena Kozená diz respeito !

Esta interprete checa - de timbre claro e aberto -, na actualidade, é a mais inebriante mezzo lírica da sua geração, capaz de expressar dor, sofrimento e volúpia com o mesmo empenho, convicção e - sobretudo -, com a mesma elegância dramática ! Comove o mais bestial dos mortais.
A voz é de uma beleza invulgar, singularíssima, encontrando na ópera barroca o seu espaço privilegiado de expressão !

Recordo que, em tempos idos - quiçá movida pela pressão editorial - esta cantora acedeu a gravar, entre outras peças, excertos da Carmen... Um desastre, à l´époque...
Em paralelo, em Salzburgo, há cerca de três anos, interpretou Zerlina, do Don Giovanni, sem grande brilho...

Quando bem dirigida - por Minkowski, em Handel, Swierczewski, em Mozart e Glück ou Goebel, em Bach - Kozená é luminosa, senhora de uma inusitada graciosidade, envolvendo-nos num subtil e discreto jogo de sedução...

Nesta gravação específica, perdi o folgo diante de Le belle immagini, no início da ópera, e de O del mio dolce ardor... Que pureza ! Que nobreza... A declamação flui com tal graça...

Quanto aos demais interpretes, que dizer...
Carolyn Sampson compõe um Amore cuidado e correcto, sendo que o papel não conta com grandes desafios.

Quanto à Elena de Susan Gritton, por mais boa vontade que se tenha, não se aguenta !
Não havendo nada de assinalável, do ponto de vista vocal, a composição dramática é muito polémica, para não a apelidar de caricata...

Verdadeiramente, há uma acidez patética na figura de Elena, que jamais supus ser possível ! Diante de tal criatura, parece-me altamente implausível alguém se apaixonar, sobretudo se se tratar de Paride, figura nobre e rica em sentimentos elevados e generosos !

Back to Kozena, eis parte da sua mais destacada discografia:


(DG 471 334-2)


(ARCHIV 00289 474 1942)

(cont.)

sexta-feira, 24 de junho de 2005

Novo talento: Marijana MIJANOVIC



Contralto oriundo da ex-Jugoslávia.
Fiel colaboradora de Minkowski e de Christie, esta soberba cantora tem brilhado no repertório barroco - Monteverdi, Vivaldi e Handel -, sendo uma das mais proeminentes interpretes da actualidade !

MIJANOVIC, sob a direcção de Minkowski, interpretou Giulio Cesare - na ópera homónima de Handel -, sendo um dos pilares do sucesso desta indispensável interpretação (ARCHIV 474 210-2), que relega para uma posição periférica a outrora insubstituível leitura de Jacobs (Harmonia Mundi ...).

Com Kozena, Mehta, Daniels, Genaux e MIJANOVIC - todos jovens ilustres e disciplinados interpretes -, a música barroca está de boa saúde !! Não vaticinem o seu fim, alegando não existirem talentos vocais (o mesmo argumento é tristemente utilizado no que aos interpretes wagnerianos diz respeito !!!)


quinta-feira, 23 de junho de 2005

Um recital de antologia d`A Callas

No final da década de cinquenta, a carreira d´A Callas sofreu o primeiro revês. A voz exibia um vibrato progressivamente mais descontrolado, perturbador e inquietante, quiçá, secundário aos esforços sobre-humanos a que fora sujeita entre ´49 e 57, período correspondente à sua afirmação operática.

Os contratos decresciam a uma velocidade estonteante, de temporada para temporada...
Apesar da sua aclamada estreia em Paris, em 1958, no mesmo ano, a cantora fora dispensada pelo Met, bem como pela direcção do alla Scala, parcialmente na sequência da sua imensa intransigência.

Um pouco por todo o mundo, as apresentações públicas da cantora greco-americana passaram a assumir, de uma forma quase exclusiva, a forma de concertos.


A cantora regressaria à cena em meados da década de ´60, movida por questões eminentemente financeiras, para interpretar, em Paris e em Londres, dois dos papeis com que mais se identificara: Tosca e Norma.

A ruptura com Onássis - porventura a mais públicas das humilhações de que Maria Callas foi vitima - apressou o declínio da carreira desta extraordinária criatura.

O presente registo (EMI 7243 5 66460 2 5) - integralmente consagrado a Verdi - constitui um testemunho impressionante deste período de mudança. Nele estão presentes duas soberbas encarnações de papeis marcantes da carreira da grande cantora, que apenas foram interpretados, em cena, escassas vezes: Lady Macbeth e Abigaille.
Em qualquer uma destas complexas e tremendamente exigentes personagens, Maria Callas dá corpo e alma - sobretudo - a duas anti-heroínas verdianas.

Vocalmente, o brilho vem dos graves (tão fundamentais a ambas as mencionadas personagens como a agilidade dos agudos): seguros, bem apoiados e tremendamente dramáticos.
A técnica - assaz falível... -, inteligentemente, permite-lhe contornar os problemas que o registo agudo lhe começara a colocar.

A Lady Macbeth deste registo é, seguramente, a mais brilhante da história discográfica, distando daquela que a interprete encarnara no alla Scala, em ´52, sob a direcção de De Sabata, e que enlouquecera o público milanês.
Não menos brilhante é a Abigaille, a cuja ária - hélas - falta a cabaletta... Plena de malignidade e calculismo, ódio e rancor, esta encarnação arrebata pela entrega dramática, que é absoluta !

Este recital conta, ainda, com duas soberbas árias de óperas que a Callas jamais interpretou em cena: Don Carlo e Ernani, respectivamente Tu che la vanità e Surta è la notte... Ernani, Ernani, involami, árias do repertório spinto, tão caro a esta extraordinária figura da história da interpretação musical.

Seguramente um dos mais dramaticamente estonteantes recitais de La Divina !

quarta-feira, 22 de junho de 2005

Questionário de Paladru

O meu amigo DL - blogger do óptimo Linha-dos-Nodos - questionou-me sobre os meus mais recentes interesses e investimentos musicais.
Aqui vão as respostas !

1) Tamanho total dos arquivos de música no meu computador?
Presentemente, cerca de 4 G, embora a tendência seja crescente, pois IPOD oblige :) !

2) Último disco que comprei:
Há pouco mais de uma hora, acabei de comprar ópera barroca: Rodelinda (Handel) - Archiv 00289 477 5391 - e Bajazet (Vivaldi) - Virgin CLASSICS 7243 5 45676 2 9.

3) Canção que estou a escutar agora:
Essa é boa... Neste preciso momento não estou a escutar nada, mas ainda há bem pouco estava a ouvir uma maravilhosa área de Paride ed Elena (Glück) - "O Del Mio Dolce Ardor", magistralmente interpretada por Kozena !

4) Cinco canções que ouço frequentemente ou que têm algum significado para mim:
Mmm... Let me see... Comme par hasard... a ária do champagne, do Don Giovanni (Mozart), por Siepi; Morgen! (Richard Strauss), por Fleming; Leb wohl, du kühnes, herrliches Kind, d´A Valquíria, por Hotter; Beija eu (Mariza Monte) e a cena final de Salome (Richard Strauss) Ah ! du wolltest mich nicht deinen Mund, pela inigualável Studer.

5) Lanço o testemunho a outros três bloggers:
A Teresa Cascudo (contemporâneas), César Viana (bajja) e HVA (desNORTE), três personalidades de relevo do universo blog !

Obrigado Cop ;) !

terça-feira, 21 de junho de 2005

Festa da Música !!! :)

É hoje, coincidindo com o solstício de Verão !
Que felicidade ! :) ;) !
Oiça-se música !

(Aproveitemos os descontos da época: a FNAC, hoje, vende música com, apenas 5% de IVA; o El Corte Ingles, até dia 25 de Junho, inclusive, propõe uma redução de 14% sobre a grande maioria dos discos)

Boas comemorações... e boas compras, se for caso disso !

domingo, 19 de junho de 2005

Domingo e Stemme gravam Tristão e Isolda - mais detalhes

A propósito da já célebre última gravação de Tristão e Isolda - com Domingo, Stemme e Pape -, pela EMI, a Wagnermania diz o seguinte:
"El tenor español Plácido Domingo acaba de grabar el drama wagneriano Tristan e Isolda en Londres, bajo la dirección del londinense Antonio Pappano, y junto a la soprano Nina Stemme, en el papel de Isolde. La orquesta encargada de dar vida a la música del compositor alemán ha sido la Royal Opera House del Covent Garden.
La casa discográfica EMI cierra de esta manera, con la grabación de este Tristan, la producción de óperas en formato CD. A partir de ahora, todas los melodramas de EMI serán publicados en formato DVD. La presente grabación aparecerá en el verano de 2005 y ha sido grabado íntegramente en los míticos estudios Abbey Road.
Se trata de la primera vez que Plácido Domingo interpreta de forma íntegra el drama Tristan e Isolda, si bien el tenor español ya había grabado en disco los dúos de la obra, junto a la soprano Deborah Voigt, en otra grabación de la casa EMI.
Domingo siempre ha rechazado interpretar Tristan sobre un escenario, a pesar de haber tenido la oportunidad de hacerlo en dos ocasiones en el pasado. En ambas ocasiones, consideró el papel inapropiado para su voz, aunque ahora, a sus 63 años, asegura que ha sido el momento perfecto. El personaje de Tristan, comenta Domingo, requiere mucho carácter latino y mucho nervio, ya que está envuelto en una tristeza y desesperación tremenda.
Además de Domingo y Stemme, en los papeles protagonistas, el resto del reparto lo conforman Rene Pape, como el Rey Marke, Mihoko Fujimura como Brangäne y Olaf Bär como Kurwenal. Los cinco intérpretes han participado en varias ediciones del Festival de Bayreuth en los últimos años."
Aguardamos com crescente impaciência a publicação desta pérola discográfica, depois do desaire da interpretação de Thielemann, da mesma ópera, em Viena, no ano passado.

sábado, 18 de junho de 2005

Royal Opera House Covent Garden - Temporada lírica 2005/2006

A próxima temporada lírica do ROHCV tem início com uma ópera (em versão de concerto...) de Donizetti, raramente interpretada, e que muito nos toca, a nós portugueses ! Trata-se de Dom Sebastião, Rei de Portugal. Nos principais papeis, destacam-se Kasarova, Keenlyside e o já septuagenário Bruson.
Mackerras - que celebra 80 anos, em breve - dirigirá uma reprise da produção de Un Ballo in Maschera (a que fiz referência aqui), assinada por Mario Mortone, contando com as presenças da sumptuosa Nina Stemme, na pele de Amelia, e de Hvorostovsky, como Renato ! A não perder !
Da restante temporada, destacaria, ainda, Macbeth - com Hampson e... Urmana (que parece ter virado costas à sua inicial tessitura mezzo, em definitivo !) -, Eugene Onegin - que conta com Roocroft (a Fiordiligi de Gardiner), como Tatiana, para além do imenso Hvorostovsky, no papel titular.
Angela Gheorghiu e, alternadamente, Terfel / Ramey interpretarão uma nova produção de Tosca.
Contra tudo e contra todos, asseguro-vos que a polémica cantora romena é uma notável Floria Tosca, vocal e dramaticamente ! Em breve, irei consagrar-lhe algumas linhas, a propósito da mesma heroína pucciniana, que interpreta em áudio e vídeo, sob a direcção de Pappano.
Uma palavra final para a nova produção de Turandot, assinada pelo talentoso A. Serban, responsável pela inesquecível última produção de Lucia, para a Opéra National de Paris - Bastille...
Para mais informações, clicar aqui.

The Met in the Parks series runs through June 25.

Entre 14 e 25 de Junho, o MET oferece récitas líricas no Central Park !
Para mais detalhes, clicar
aqui.

sexta-feira, 17 de junho de 2005

Gardiner e a ópera mozartiana: As Bodas de Figaro

Na década de ´90, John Eliot Gardiner empreendeu um hercúleo trabalho: gravar, para a ARCHIV, parte substancial da composição operática mozartiana, em instrumentos da época.
Contou, para tal, com o Monteverdi Choir, bem como com os English Baroque Soloists - versão barroca da Orchestre Revolutionnaire et Romantique -, formação orquestral por si fundada e presidida, famosa pelas cuidadas interpretações de música pré-romântica que, invariavelmente, recorre a instrumentos da época.
Para além da célebre trilogia - formada por Don Giovanni, As Bodas de Fígaro e Così Fan Tutte -, Gardiner gravou ainda O Rapto do Serralho, A Clemência de Tito, Idomeneu, Rei de Creta e A Flauta Mágica.
O imenso trabalho que o maestro inglês empreendeu, além de primar pelo rigor, é de uma coerência notável. A par da circunstância de ter utilizado, exclusivamente, instrumentos da época, a mesma formação orquestral e o mesmo coro, como intérpretes vocais, John Eliot Gardiner escolheu jovens solistas, detentores de vozes frescas e seguras (ainda) avessas a meneirismos histriónicos. Refira-se, a este propósito, Terfel, Rolf-Johnson, Von Otter, Orgonasova e Oelze, entre outros. No decurso da década de ´90, todos eles se afirmaram no panorama lírico mundial como reputados interpretes - entre outros territórios - de ópera mozartiana. Gardiner fora um visionário...
Em 1998, comme par hasard, descobri As Bodas de Fígaro dirigidas por John E. Gardiner. Nunca mais me separei desta magnífica interpretação ! Levo-a para onde quer que vá...
A direcção de Gardiner é espantosa e infinitamente teatral, rápida e fugaz, sendo a que - em meu entender - mais explicitamente traduz o ambiente que se vive nesta singular louca jornada ! Atente-se no vigor da abertura ! Verdadeiramente breathtaking...
Paralelamente à ilustre direcção musical de Gardiner, nesta inusitada leitura, destacaria, sobretudo, os intérpretes masculinos.
Terfel compõe um Fígaro pleno de inteligência, sagacidade e fulgor, afirmando-se pela virilidade. Traça-nos um Fígaro complexo, astuto, hábil, vocalmente denso, seguro e profundamente humano.
Bryn Terfel é, seguramente, o mais reputado barítono mozartiano da actualidade, tendo iniciado a sua brilhante carreira como Guglielmo (Così Fan Tutte), na Ópera Nacional do País-de-Gales. Seguiram-se todas as grandes personagens mozartianas buffas: Masetto, Figaro, Leporello, bem como o papel titular de Don Giovanni, de que é, nos dias que correm, o mais hábil e requisitado interprete.
Rodney Gilfry - à época, jovem barítono americano -, vocalmente correcto, oferece-nos um refinado Conde, imenso na sua arrogância e patético no seu orgulho. Na cena final, diante da Condessa, o seu arrependimento é de uma humanidade estonteante, convencendo a mais céptica das criaturas !
Inteligentemente, Gardiner entrega o papel de Dr. Bártolo a Carlos Feller - sul-americano, de nascimento, há muito habitué dos teatros líricos alemães -, um soberbo baixo sexagenário, que interpreta a mais fabulosa La vendeta que conheço ! Inigualável !!!
No que se refere aos papeis femininos, a Suzana de Hagley sobressai pela teatralidade. Não possuindo um instrumento vocal particularmente dotado, a interprete compõe uma divertida Suzana, astuta e dócil.
O maestro entregou a Condessa a H. Martinpelto, por quem parece ter uma inexplicável predilecção, já que a mesma interpreta diversas personagens - Leonora (Fidelio) e Electra (Idomeneo), entre outras - em inúmeras gravações por ele dirigidas. Não consigo reconhecer outras qualidades a esta cantora escandinava, para além do rigor com que interpreta uma das mais complexas personagens da ópera de Mozart ! Como poucas cantoras, Della Casa e Schwarzkopf traçam-nos uma Condessa dócil, astuta e melancólica, de uma elegância inigualável...
Por último, P. Helen Stephen interpreta um Chérubino pretensamente original, cuja emissão vocal quase roça o caricato, mercê de uma caracterização excessivamente teatral...
Esta interpretação, plena de virtudes e prolixa em fragilidades, em minha opinião, constitui a mais séria e sólida interpretação da louca Jornada dos últimos trinta anos !
A seu tempo, tecerei outros comentários às demais interpretações mozartianas de Gardiner.
(ARCHIV 439 871-2)
Em alternativa a esta gravação áudio - captada ao vivo, em Londres -, a DG disponibiliza, em DVD (DVD-VIDEO NTSC 073 018-9), um registo da mesma ópera de uma récita em Paris - Théâtre du Châtelet -, com o mesmo elenco.
A não perder, pela coesão teatral, para além das já mencionadas virtudes musicais e interpretativas !

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Piruetas maniacas: Beethoven, Brendel Rattle et al

Aqui ficam duas referências beethovenianas absolutamente obrigatórias.
Em maré de lutos intermináveis, as interpretações de Rattle e Brendel destacam-se pela vitalidade e pela efervescência ! Verdadeiras exaltações à vida !





O melhor é fazerem como eu: comprem a integral das Sinfonias de Beethoven, dirigida por Rattle (EMI 7243 5 57445 2 4), bem como os Cinco Concertos para Piano, do mesmo compositor, interpretados por Rattle e Alfred Brendel (EMI 462 781 - 2) e a vida sorrir-vo-á !

Carlo Maria Giulini (1914-2005)

Aos 91, Carlo Maria Giulini partiu para sempre.
Deixou-nos o último dos discípulos de Toscanini.
As suas lendárias gravações eternizam-no...

Ouçamo-lo !

No que à ópera diz respeito - particularmente em Mozart e Verdi, compositores tão caros a Giulini -, aqui ficam as minhas referências predilectas, que o maestro italiano dirigiu soberanamente:


(Don Giovanni - EMI)


(Le Nozze di Figaro - EMI)


(Rigoletto - DG)


(Falstaff - DG)


(Il Trovatore - DG)


(Don Carlos - EMI)


(La Traviata - EMI)


(Messa da Requiem - EMI)


Paz à sua Alma...

quinta-feira, 9 de junho de 2005

La Stemme...

Atenção às sábias palavras de Eric DAHAN, no Libération, sobre a prestação de Nina STEMME como Jenufa (Janacek), no Liceu...

"Présence rayonnante, passant de l'enjoué à l'effroi poussant jusqu'à l'hébétude, lorsque le nourrisson de la honte, noyé par sa belle-mère, est découvert par le village , la Stemme épouse le vérisme mental de Janacek, fragile, solide, mais port de reine toujours intact.

Le chant est de la même eau, d'un naturel inouï dans l'émission et la projection, tout au service d'un timbre raffiné aux mille couleurs et à l'aigu cristallin."

Para aceder ao artigo, clicar aqui.

Eterno retorno...

Retorno as origens: o Don Giovanni, na leitura de Carlo Maria Giulini (1961 - EMI), é o definitivo !



Pecando pela falta de originalidade, é esta a minha singela conclusão, após a audição cuidada das 38 diferentes interpretações que compõem a minha (prolixa) colecção mozartiana.

Pela coesão, pelo equilíbrio, pelo elevadíssimo nível vocal e instrumental, pela feliz reunião buffo/sério (tão escassa, na maioria das demais interpretações, ora predominantemente mais sérias, ora mais buffas, sem que se atinja um real equilíbrio, tal como Mozart pretendia), pela prise de son, pela direcção brilhante, dinâmica e quase miraculosa de Giulini...

Sugestões ?!
... substituir Wächter, cujo italiano acusa um indisfarçável alemão vienense caché, por Siepi - que é, em meu entender, o mais feliz Don da história da discografia desta ópera e - hélas - trazer a Callas de volta ao mundo dos mortais, convencendo-a a aceitar interpretar Donna Anna, como pretendia Giulini... Assim não quis a Diva, que foi substiuída por la Stupenda...
O que seria de Donna Anna na voz da Callas...

ps DL, meu caríssimo amigo, ainda não ouvi o teu contributo vienense... Assim que o tiver feito, je te tiendrai au courrant !

quarta-feira, 8 de junho de 2005

Excitaçoes...

Aqui vão as minhas recomendações relativas à próxima temporada do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, fruto de uma primeira leitura, obviamente fugaz e superficial !

16 de Outubro
Coliseu dos Recreios: Ciclo Grandes Orquestras Mundiais
Orquestra Sinfónica da NHK de Tóquio
maestro Vladimir Ashkenazi
soprano Soile Isokoski
Richard Strauss - Vier letzte lieder
Claude Debussy - Jeux
Maurice Ravel - Daphnis et Chloe, Suite No 2

(Isokoski, na actualidade, neste repertório, é exímia, não tendo concorrente à altura !
Guardo na memória os Vier Letzte lieder que, há cerca de quatro anos, interpretou, em Paris, no Théâtre des Champs-Élysées...)

-/-

27 de Novembro
Grande Auditório: Ciclo de Música Antiga
Orquestra de Câmara de Basileia
maestro Paul Goodwin
meio-soprano Magdalena Kozená
contratenor David Daniels
Georg Philipp Telemann - Tafelmusik
Georg Friedrich Händel - Orlando: Fammi Combattere; Rodelinda: Io t´abbracio, Pompe vane di morte; Giuilio Cesare: Se Infiorito; Ariodante: Scherza infida
Arcangelo Corelli - Concerto Grosso, op.6 no 3
Henry Purcell - Dido and Aeneas: Dido´s Lament

(Kozená... Daniels... barroco ??? Explosiva, virtuosa e estonteante combinação !)

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11 de Fevereiro
Grande Auditório: Ciclo Grandes Orquestras Mundiais
Orquestra Barroca de Friburgo
meio-soprano Cecilia Bartoli
Händel e os seus contemporâneos - "Roma na transição para o século XVIII"
música das oratórias de G. F. Händel, A. Scarlatti e A. Caldara

(Imperdível... Sem mais comentários... Por Bartoli !)

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27 e / ou 29 de Abril
Grande Auditório: Orquestra Gulbenkian, Coro Gulbenkian e Orquestra Gulbenkian
maestro Lawrence Foster
tenor Donald Litaker (Herode)
meio-soprano Ute Walter (Herodiade)
soprano Mlada Hudoley (Salomé)
barítono Esa Ruuttunen (Jokanaan)
tenor Stephan Rügamer (Narraboth)
tenor Joan Cabero (Judeu)
baixo Reinhard Hagen (Nazareno)
Richard Strauss - Salome (ópera em versão de concerto)

(Uma oportunidade única de assistir a uma récita da mais excitante das óperas de Richard Strauss, ainda que em versão de concerto...)

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8 de Maio
Grande Auditório: Ciclo de Música de Câmara
Mullova Ensemble
violino Viktoria Mullova
violino Adrian Chamorro
violoncelo Manuel Fischer-Dieskau
contrabaixo Heinrich Braun
clarinete Pascal Moraguès
fagote Marco Postinghel
trompa Guido Corti
Ludwig van Beethoven - Sexteto em Mi bemol Maior, op.71
Franz Schubert - Octeto em Fá Maior, D.803

(Pela magnífica Mullova, prodigiosa violinista !)

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1 de Junho
Grande Auditório: Ciclo de Piano
piano Piotr Anderszewski
Wolfgang Amadeus Mozart - Fantasia em Dó menor, K.475; Sonata em Dó menor, K.457
Ludwing van Beethoven - Bagatelas, op.126
Robert Schumann - Carnaval de Viena, op.26

(Anderszewski, em Mozart, é reputadíssimo, sobretudo nos concertos para piano... a ver...)

-/-

9 de Junho
Grande Auditório
Ciclo de Canto
soprano Karita Mattila
piano Martin Katz
Programa a anunciar

(O orgasmo...)

terça-feira, 7 de junho de 2005

Ravel e Debussy, por Boulez

Incessante é o meu interesse pela música francesa dita erudita !
Nesta errática viagem, invariavelmente, o denominador comum tem sido Boulez, exímio maestro, compositor discutível e menos consensual...
Aprecio-o, sobretudo, em Mahler, Ravel e Debussy.


(DG 471 614-2)
Neste registo - que muito apreciei -, Pierre Boulez faz-se acompanhar por duas das suas cantoras fétiche: a notável mezzo sueca von Otter e a mais discreta soprano Alison Hagley.

Von Otter - que deslumbra num vasto território lírico, de Monteverdi a Berg, passando por Mozart, Strauss e Korngold -, a meu ver, é particularmente hábil e expressiva nos repertórios francês e alemão, cujos idiomas domina, mais que não seja, no que respeita aos respectivos acentos!

A Schéhérazade que von Otter interpreta neste registo constitui a principal virtude do mesmo.
O fraseado é nobre, assaz audacioso e surpreendentemente cálido - embora não tão feminino quanto seria desejável... -, assentando num francês exemplar, bem articulado e aberto.
Inusitada é a sensualidade que brota desta leitura!

De facto, Anne Sofie von Otter, que é uma actriz dotadíssima, sempre foi avessa a papeis marcadamente femininos, optando por figuras travestidas: Octávio (Der Rosenkavalier, de R. Strauss), Ariodante, (papel titular da ópera homónima, de Handel), Sesto (Giulio Cesare, de Handel), Sesto (La Clemenza di Tito, de Mozart) constituem personagens da predilecção da mezzo sueca, com que se afirmou e notabilizou.
É verdade que, mais recentemente, nomeadamente em Glyndebourne, para surpresa de muitos, lançou-se na interpretação da Carmen, provavelmente a mais fogosa e sensual das figuras da ópera. Quem a viu diz ter ficado convencido; tenho as minhas dúvidas...

Noutro quadrante, ainda em Ravel, destacaria a interpretação de Boulez da peça Pavane pour une infante défunte, obra de contornos marcadamente elegíacos.
Boulez envolve-nos num jogo intimista e nostálgico, comovendo pela singeleza da sua leitura.

Por fim, refira-se a interessante interpretação de Le jet d´eau, a cargo de Alison Hagley.
Hagley é uma soprano de segunda linha, comercialmente falando.
Gardiner, sabiamente, fê-la interpretar Suzana, d´As bodas de Fígaro. Hagley correspondeu em pleno, compondo uma hábil figura, vocalmente disciplinada e muito convincente - ardilosa, divertida e perspicaz - em termos interpretativos.
Boulez já a havia contratado para interpretar Mélisande, numa gravação de que apenas existe um registo em dvd, (DG, se a memoria não me atraiçoa...)

É verdade que os meios vocais da soprano são algo limitados : a voz é pouco extensa, algo inflexível, e insegura nos agudos. Ainda assim, trata-se de uma voz com carácter, de timbre claro, muito digna e inteligentemente gerida.
A interpretação desta composição de Debussy - baseada num belíssimo poema de Baudelaire, prolixo em referências eróticas - é diáfana, muito rica, mas discreta, nas expressões do rico simbolismo do poema.

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Concertos para Piano - Ravel


(DG 449 213-2)

Tenho a alma dilacerada pela audição do Concerto para a mão esquerda em ré maor, de Ravel.
Conceptualmente arrojado, imprevisível e ousado, este concerto é magnânime, rimando com grandiosidade, espontaneidade, arrojo e animalidade !
Na leitura de Zimerman / Boulez, este concerto arrebata pela convicção, pelo ardor, pelo despudor... No limite da obscenidade e da volúpia ! A entrega de Zimerman - que é absoluta e selvática - invade-nos e inunda-nos, desencadeando emoções inusitadas, quase inconfessáveis...
Carnal...

Já o Concerto para piano e orquestra em sol menor, estruturalmente mais convencional, além do indiscutível virtuosismo, pouco mais tem de fascinante.
A dupla Zimerman / Boulez, que maravilha pela técnica, não desencadeia experiências sensoriais transcendentes, surpreendentes e arrebatadoras, como fizera na interpretação que anteriormente critiquei...

Em qualquer dos casos, este foi o primeiro contacto que tive com a obra para piano de Ravel...
Não conheço outras interpretações, mas as emoções descritas são autênticas...

quinta-feira, 2 de junho de 2005

Arabella, de R. Strauss II - (mais) detalhes...

Mas, afinal, de que trata Arabella ?
Trata-se da história de uma família vienense, burguesa e decadentíssima, à beira da ruína financeira.

O pai, Waldner, um jogador inveterado, e a mãe, Adelaide, mulher calculista, disposta a tudo para se salvar da bancarrota, têm duas filhas: Arabella e Zdenka.

Arabella constitui um investimento que urge rentabilizar, pouco mais do que um troféu, que deve sacrificar a vida sentimental, afectiva e amorosa, casando, por interesse, com um homem abastado, que sustente os vícios e veleidades da insana família; Zdenka, a irmã mais nova, não é menos sacrificada: dado que não pode investir nesta jovem, como fizera em Arabella, a família optou por travesti-la ! Zdenka, oficialmente é Zdenko, o irmão da protagonista da ópera, instrumento auxiliar da família no urdido projecto de salvação.

Juntem-se a estas personagens duas figuras masculinas - Mandryka, rico proprietário croata e futuro marido de Arabella, e Matteo, que aspira a conquistar a protagonista, sem sucesso, resignando-se a desposar Zdenka, por nela reconhecer empenho, amor e devoção - e está a trama completa !
Arabella casa com Mandryka, por amor... Voilà !



Não tenho pruridos em assumir o fascínio que sobre mim exerce a ópera de Richard Strauss...
Como definir a minha admiração por La Mattila, expoente máximo do fulgor lírico, representante absoluta do erotismo vocal...

Há alguns anos que as minhas férias (quase) são ditadas pela agenda desta genial interprete...

A Arabella de Karita Mattila, o Mandryka de Thomas Hampson a Zdenka de Barbara Bonney e, last but not least, a direcção musical do deslumbrante Christoph von Dohnányi (straussiano supremo...), levaram-me a Paris, a minha segunda (?) cidade...

Qualquer um dos três interpretes mantém com o Théâtre du Châtelet - teatro que se encontra na dependência da autarquia parisience - uma relação de grande proximidade. São inúmeros os recitais que, qualquer um dos três, aí ofereceu.
Mas, históricas... bom, históricas são as encarnações operáticas de Hampson como protagonista de Hamlet, de Ambroise Thomas, ou como Rodrigue (Don Carlos), de Mattila como Desdemona, Jenufa ou Elisabeth de Valois (do mesmo Don Carlos, encenado por Luc Bondy, que o dvd imortalizou... - NVC ARTS 0630 ? 16318-2)...

Esta produção de Arabella, que o Châtelet retomou, data de 2002; supostamente, a reprise contaria com o mesmo elenco ! Quis o destino que assim não fosse... Lá iremos !

Imaginei, de antemão, uma récita oleada, trabalhada pelo tempo, amadurecida pelos invulgares talentos reunidos.

A escassos minutos do início da récita, a direcção do Châtelet anunciou uma última alteração... Bonney, vitimada por uma laringite, seria substituída por Corinna Mologni, jovem soprano milaneza, assaz familiarizada com o repertório de soprano ligeiro e lírico.

Entretanto, já todos sabíamos da substituição de von Dohnányi - que adoecera ainda durante os ensaios - por Günter Neuhold, maestro alemão relativamente experimentado em Strauss, tendo inclusive dirigido na Bastilha, em 2004, as récitas da célebre nova produção de Capriccio, que contou com Fleming na pele de protagonista.

(ainda continua...)