domingo, 25 de julho de 2010

I Traviati - II, ossia Il Traviato


(Dmitri Hvorostovsky)

À semelhança de Tosca e Otello – para não me debruçar (ainda) sobre Eugene Onegin –, La Traviata é, também, susceptível de uma leitura psicanalítica, capaz de aclarar alguns pontos, merecedores de uma compreensão alternativa.

Dir-me-ão os mais cépticos – porventura, avessos a interpretações que dissolvam o peso do reprimido, psicanaliticamente falando – não ser legítimo ler o que o libretista / compositor não criou.

Ora, desde Freud, sabemos existir, em toda a produção humana, um conflito, conflito esse instalado na expressão autêntica: entre o que se diz e o que se pretende / deseja dizer / fazer, reina uma distancia imensa.

No tocante à ópera, claro está que, manifestamente, Floria ama Mario, Iago pretende destruir Otello e Violetta deseja Alfredo. Porém, como temos vindo a constatar – não sem um coro de resistentes (que está no seu pleno direito!) -, sob as aparências, escondem-se outras intenções e movimentações inconscientes.

Vem esta prosa a propósito da La Traviata que reabriu o La Fenice, em 2004, com Ciofi, Saccà e Hvorostovsky, nos papeis titulares. A encenação de Robert Carsen constitui, para mim, um dos maiores pontos de interesse desta produção.

Carsen revela uma profunda intuição psicanalítica, explicitando o conflito triangular que une Violetta, Alfredo e Giorgio.

O (grande) encenador opta por uma desconstrução da habitual imagem romântica de Violetta. A Senhora Valéry é uma puta de luxo, a que os senhores de oitocentos apelidaram cortesã (Dumas Filho, incluso). Carsen constrói a sua concepção de La Traviata numa linha que privilegia luxúria e materialismo. Há plumas, lantejoulas, ambientes a meia luz, dinheiro e lingerie provocadora a rodos, para gostos mais atrevidos! Coralistas boazudas e bailarinos abichanados, coiros e bolas de espelhos completam o ambiente dissoluto.

Aos olhos de Carsen, Violetta é – acima de tudo – uma meretriz de luxo, cuja conduta se rege pelo vil metal. Pontualmente, a rapariga cede ao coração, ma non troppo...

A Violetta de Robert Carsen será, pois, uma criatura da linha perversa, pouco dada a culpabilidades e arrependimentos românticos (e neuróticos).

A meu ver, a maior ousadia do metteur-en-scène decorre, justamente, do vínculo libidinoso que une Giorgio e a protagonista. Por artes do inconsciente, esta produção escolhe um Giorgio de óptima figura, timbre divino e articulação esplêndida. Dmitri Hvorostovsky, no auge da sua soberania lírica, compõe um Senhor Germont impressionante. Sob uma aparente rigidez, Giorgio abeira-se de Violetta, paulatinamente, insinuando-se, com um atrevimento diplomático...

Nos antípodas de Hvorostovsky, deparamos com um Saccà atontalhado, de timbre algo circense e caricatural.

Pergunto, à fiel leitora - e, por que não, ao fiel leitor -, que Violetta preteriria Giorgio, em favor de Alfredo, neste quadro?!

Ora, Carsen sublinha a trama triangular – um claro desdobramento do conflito edipianino -, em que o pai rivaliza com o filho, procurando conquistar o vértice feminino / materno do complexo triângulo.

A fraca figura e desempenho deste Alfredo são tributárias da ansiedade de castração: evidenciam uma criatura algo trôpega, incapaz de assumir uma disputa com o progenitor. No limite, o pobre Alfredo sai perdedor da luta! É por força da decisão paterna – a anuência do pai – que o pobre menino Germont se (re)abeira da, então, moribunda Valéry.

Posto isto, estou em crer que o móbil do gesto de Giorgio – suplicando que Violetta se afaste do desafortunado filho, pelas nobres razões, que todos conhecemos – decorre do seu desejo pela dita dama. O rival Alfredo é, por esta via sinuosa, liminarmente afastado...

9 comentários:

  1. Tirei o Onegin da net antes de o ver no S. Carlos. Quem haveria de ser? O Hvorostovsky, o Neil Schioff e agora não me lembro quem era ela. Foi suficiente por ficar apanhadinho por esta ópera e história apaixonantes.

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  2. Plácido,

    Esse Onegin é da Philips, com a Nuccia Focile, muito sofrível, sobretudo quando comparada com os dois homens, que estão muito bem!

    Experimente o da DG, com Thomas Allen e a magistral Freni ;-))) Ou, em alternativa, o dvd com Hvorostovsky, Vargas e Freni (assisti a essa récita ao vivo:)D)D)

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  3. O da Freni é tao bom!

    O Eugene Onegin é uma opera que me deixa terrivelmente melancólico desde o seu preludio até ao fim. Fico assim com vontade de me entregar à apatia total e ficar a pensar na minha vida lolol

    O Neil Schioff agrada-me muito. Fez um magnifico judeu na La Juive de Halevy.

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  4. Fazem bem desviar-se deste poster ou nem comentá-lo, pois pela primeira vez, e desculpe-me o Dissoluto, o seu conteúdo é um tal disparate...

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  5. Caro Dissoluto,
    Como já referi neste blogue, sou um admirador e visitante assíduo. Contudo, em relação a esta sua interpretação, penso que poderá ser interessante do ponto de vista especulativo mas, na realidade, as personalidades destas óperas são elementos de ficção dos seus autores e não pessoas reais, pelo que a sua análise psicológica torna-se, ela própria, artificial. Por favor não considere esta minha opinião uma afronta, apenas um contributo de alguém que, profissionalmente, não está longe destas andanças...

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  6. Fanático,

    Deixou-me intrigado... Não está longe da área??? Isso quer dizer...

    Quanto ao seu comentário, não se acanhe!

    Retomo o meu ponto de partida: reflecti, psicanaliticamente sobre uma interpretação de La Traviata! A obra, como produto cultural, presta-se a muitas leituras. Explanei a minha, que poderá não ter eco em muitos, mas é a minha! Reflecti com base no latente, e não no manifesto! Dá para perceber a diferença???

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  7. Há um dvd da Eugen Onegin com o Hvorostovsky e a Fleming muito bom.

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  8. Portanto psicanalise dos objectos culturais ou objectos culturais da psicanalise ou cultura objectal da psicanalise ou será cultura objectiva da psicanalise ou porque não psicanalise dos objectos culturais da psicanalise ou então cultura psicanalitica da psicanalise dos objectos culturais..... antropologia da psicanalise ou psicanalise antropologica? Ou antes social? Antropologia dos objectos culturais e sociais da psicanalise? Ou antes psicanalise da antropologia dos objects culturais?

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