segunda-feira, 21 de abril de 2014

   (DG 477 9878)

Este Don conta com pérolas que o transformam num putativo eterno sobrevivente, num universo discográfico prolixo.

Doravante, em matéria de pós-4D, este registo será um dos (escassos) incontornáveis. 

Além da magnífica interpretação de Haitink – que tem em Allen (Don) e Vaness (Donna Anna) duas coroas de glória – e do Don Giovanni proposto por Muti – haverá Donna Anna comparável à de Cheryl Studer?! E servo da magnitude de Ramey?! -, a leitura de Nézet-Séguin afirma-se como digna alternativa aos clássicos diamantes – Giulini (1959), Krips, Mitropoulos, Furtwängler (dvd) e Muti (dvd).

D’Arcangelo é O Don da sua geração. Subiu as escadas todas do edifício mozarteano, começando por Masetto, passando por Leporello (Gardiner)... O seu protagonista é um Dissoluto Punito pleno: imoral, narcísico, sedutor e... gracioso! Declama com uma teatralidade e ousadia invulgares. Ladeia-o o superlativo Leporello de Pisaroni: tacanho, mordaz e sarcástico. A parelha que ambos formam é – porventura – a mais feliz da discografia: unidos e sintonizados na vileza, expressam-na, ora de forma prosaica (Leporello), ora com panache (Don Giovanni).

O Don Ottavio de Villazón – pós fase hipomaníaca, que lhe corroeu a carreira – será outro dos pilares desta leitura. A contenção e disciplina encontram-se envoltas num extraordinário lirismo, absolutamente comovedor – Il mio tesoro... Recordou-me o Ottavio de Simoneau, que maravilhou os mozarteanos dos 1950’s.

A grande decepção desta interpretação será a Donna Anna de Damrau, desconfortável na tessitura, com uma estridência permanente, a par de um alemão parasitário.

Didonato cumpre, como Donna Elvira, não alcançando a glória dos colegas mencionados.

O restante elenco prima pela homogeneidade e aprumo, não se destacando particularmente de intérpretes das interpretações pretéritas.


Por último, refira-se a magistral condução de Nézet-Séguin, nervosa, mas certeira, com tempi uniformes e precisos. Séguin propõe-nos um Don Giovanni grandioso, disciplinadíssimo e rigoroso, absolutamente lírico e teatral, camarístico até ao âmago!

Um valor seguríssimo!

* * * * *
(5/5*)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O Verdi de Netrebko


Há anos que Anna Netrebko me excita. É linda, plutôt ronde, grande e transpira sensualidade... Em palco é tórrida, tórrida... No domínio lírico puro é absolutamente ímpar, animando as suas interpretações com doçura, candura e erupções libidinosas (Manon...)

À conta desta Senhora, o património da família G A já sofreu delapidações não negligenciáveis, com deslocações all over the globe... e mais não digo, por pudor.

A presente aposta da Senhora Netrebko - interpretar o Verdi Spinto - é, lamentavelmente, pouco relevante.

Vocalmente, este registo exibe enfermidades várias. A agilidade apresenta hesitações. Os graves são inseguros  e limitados. É certo que o tímbre escuro mantém o fascínio de sempre, além do corpo que a voz ganhou (essencial, para este tipo de repertório!), mas...

Depois, há o teatro... que peca pelo desinvestimento: Lady Macbeth (Macbeth) e Leonora (Il Trovatore) serão as heroínas mais vivamente recriadas, por oposição a Elena (I Vespri), Giovanna (Giovanna D'Arco) e Elisabetta (Don Carlo) - esta última, particularmente desabitada.

3,5 / 5 * * * * *


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

All about Eve



All about Eve é um filme magistral de Joseph Mankiewicz, protagonizado por Bette Davis (Margo) e Anne Baxter (Eve), entre outros.

Trata-se de uma obra corrosiva e negra, que revela uma decepção essencial com a humanidade. A natureza humana persegue a glória e fama, ainda que delas se aproprie de forma etérea e efémera.

O motor da trama é – creio... – o narcisismo patológico, que almeja a consagração e reconhecimento grandiosos, de modo a ocultar o desamor primário.

Eve é uma ardilosa jovem, de uma ambição desmesurada, que aspira à glória, a todo o custo. Oculta as suas origens singelas e sofridas, assumindo uma falsa identidade, de modo a captar a atenção de Margo, uma actriz famosa.

Sob o manto da humildade e falsa admiração, Eve infiltra-se na intimidade da actriz, servindo-a com o propósito de a replicar.

Eve pretende apropriar-se, por via da sua conduta, do brilho de Margo. Inveja-a doentiamente, aspirando a assumir o seu lugar no palco / vida. Jamais Eve procura identificar-se com o seu modelo! No lugar da identificação, através da inveja, há um desejo especular, absolutamente narcísico.

E Mankiewicz filma o narcisismo doente com uma subtileza espantosa, terminando gloriosamente com a cena dos espelhos, em que Phoebe (Barbara Bates), a sucessora de Eve, trajada a rigor com as vestes da mesma Eve – então no apogeu -, ostenta o símbolo do poder absoluto – o prémio que a consagra como A actriz do ano - diante de uma infinita plateia... de espelhos...

Evidentemente, Phoebe assumirá a glória que Eve detém no presente.

domingo, 12 de agosto de 2012

4:44 – Último Dia na Terra




4:44 – Último Dia na Terra é um filme perturbador, cuja raiz é a incontornável angústia de morte.


Nele, Ferrara narra o fim do mundo, que terá lugar a uma hora precisa.

A todo o instante, esta finitude anunciada é colocada em paralelo com a finitude própria da natureza humana: todos sabemos o que nos espera...

No discurso complexo, sofrido e transtornado, há um misto de culpabilidade – a terra tem o seu fim marcado por força da inabilidade humana, voraz e gananciosa, que a destruiu – e de inexorável – o fim-mortal é o termo, estando anunciado.

Para além de uma mensagem apocalíptica, geradora de uma angústia dificilmente suportável – e Dafoe exprime-a (encore une fois) com o génio habitual -, esta obra materializa o luto da omnipotência.

Assistir a esta representação, aos 41 anos, reitera a ideia de um horizonte, necessariamente delimitado e preciso, para o qual se caminha, agora, com a consciência da finitude.

Ao mesmo tempo, o inexorável destino, ao longo do filme, sofre transformações elaborativas, que abrem caminho a saídas mais airosas e suportáveis desta condenação à mortalidade, a que todos fomos castigados, por termos ousado a transgressão...

Várias – e vãs! – são as tentativas do protagonista para contornar o insuportável: a mania, a mentira (a toxicodependência), etc...

Resta-lhe o amor da mulher amada, que o acompanha na derradeira viagem. Juntos caminham para o destino comum a todos.

O filme é belo e Dafoe toca as raias do génio.

Viver não é sinonimo de eternidade – a saída omnipotente -, tampouco é aguardar passivamente o termo – resposta depressiva. Ferrara et al (re)mostram-nos que viver é amar e criar.

Pelo amor se concebe, nasce e vive. O resto é etéreo. 

domingo, 17 de junho de 2012