quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Anna Bolena – Met Opera House, récita de 15 de Outubro de 2011 (via F. C. Gulbenkian)



(Anna Netrebko, como protagonista de Anna Bolena: Met Opera House, Outubro de 2011)



Anna Bolena (1830) foi a ópera com que o jovem Donizetti - então com 33 anos - alcançou a glória. A mesma obra, juntamente com Maria Stuarda (de 1835) e Roberto Devereux (1837), forma a ilustre trilogia Tudor, uma das mais célebres da lírica.

Trata-se de uma ópera tipicamente bel cantista, com longas frases, ricamente ornamentadas e elaboradas, que demandam intérpretes ágeis, resistentes e detentores de uma veia lírica apuradíssima. Dada a grande exigência desta peça – sobretudo no tocante ao papel titular -, apenas em inícios do século XX assistimos à sua ressurreição. Não será por mero acaso que o Met jamais estreou esta obra!

De entre as mais distintas protagonistas de Anna Bolena, destacam-se Maria Callas – que a interpretou numa extraordinária produção, no alla Scala (1957), a partir de uma encenação luxuosíssima de Visconti -, Leyla Gencer e Joan Sutherland. Beverly Sills distinguiu-se de igual modo neste papel, tendo cometido a proeza de interpretar os restantes papeis titulares das duas outras obras que compõem a trilogia Tudor. Os mais interessados leitores encontrarão a trilogia encabeçada por Sills à venda… nas lojas on-line!


O libreto de Felice Romani sugere uma protagonista profundamente narcísica, absolutamente centrada na defesa da sua honra e orgulho. Anna não ama Henrique, nem de perto, nem de longe. Aliás, não sei se terá, alguma vez, amado alguém… Henrique constitui um apêndice fálico, que abre à Jovem Bolena o acesso à glória e poder. Para condimentar a protagonista, o libretista decide dotá-la de uma cena de loucura. As mad scenes eram imperativas, à época – vide I Puritani, Lucia di Lammermoor, Dinorah, Hamlet, etc.

O labor do encenador McVicar – profundamente simbólico – assenta numa concepção hiper-realista, elegante e faustosa (embora aqui e ali frugal) da obra. Os cenários (Jones) são imensos e grandiosos, de uma austeridade assinalável. No guarda-roupa (Tiramani) o luxo e exuberância transcendem-se.

McVicar joga, sobretudo, com as tonalidades, que definem estados de espírito e dimensões semi-ocultas dos personagens: cinza e preto traduzem o lúgubre e trágico; o leito real da rainha, escarlate, muito vivo, sugere uma Bolena algo pecaminosa…

No plano artístico e vocal, indubitavelmente, Anna Netrebko é magnânime, regina assoluta da récita. Compõe uma Bolena altaneira, orgulhosa, aterrorizada pela humilhação e vergonha. A voz, apoteótica, encontra-se absolutamente dominada. Pontualmente, haverá quebras no volume, mas o protagonismo e disciplina arrebatam. Sem sinais de fadiga, olimpicamente, Netrebko enforma em pathos as longas frases, iluminando as ornamentações assassinas da partitura. Termina, majestosa, com uma bravura memorável… Com 10 kg a menos, teria o universo a seus pés!

O restante elenco, apesar do elevado nível, apresenta fragilidades: Gubanova (Giovanna) é convincente, mas muito feia e tem um timbre grosseiro, Abdrazakov apresenta graves hesitantes, apesar da envergadura da sua caracterização, e Costello revela certa inconsistência na composição dramática, torneando com relativa habilidade as dificuldades técnicas que vai enfrentando.

Armiliato dirge rotineiramente a orquestra do Met, sem brilho particular.
Por Annuska, above all!

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(4/5)

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