sábado, 6 de dezembro de 2008

La Lirica


(ARTHAUS MUSIK 101 343)

Célebres e sábias são as considerações de Anna Moffo a respeito das especificidades e exigências do papel titular de La Traviata: soprano ligeiro no acto I, lírico no acto II e lírico-spinto no derradeiro acto. Nem mais, nem menos, sublinho, em total acordo com a intérprete americana, também ela uma notável Violetta Valery.

Pessoalmente, creio que as intérpretes que reuniram nas suas prestações os descritos quesitos foram uma escassa
meia dúzia: Callas, Moffo, Caballé, Scotto e Cotrubas, eventualmente Theodossiou. O resto são Violettas mancas, ora técnicas e vazias (Sutherland), ora líricas em demasia (Freni), ora meramente teatrais...


Esta La Traviata, estreada em 2007, foi acolhida no alla Scala com certa indiferença e frieza. No centro de todas as avaliações encontrava-se a performance da famigerada Gheorghiu, pretensa derradeira Violetta do mundo lírico contemporâneo.

Angela Gheorghiu será tristemente célebre pela fragilidade do seu narcisismo e incontornável parolice. É de lamentar... Ainda assim, sejamos justos, em palco, Gheorghiu é muito mais do que uma mera estrela.

Em abono da verdade, há que reconhecer a notável Violetta que a intérprete romena nos oferece nesta La Traviata. Nem o timbre, nem a técnica da senhora são de primeira apanha, como bem se sabe. Em contrapartida, na interpretação proposta, Gheorghiu roça o sublime. Não fora o exagero (a ler como histrionismo gratuito) que inunda a sua personagem no acto III e seria perfeita!

Pese embora a banalidade da coloratura (acto I) e maneirismo teatral (acto III), no que concerne ao lirismo e drama, Angela apenas é ladeada pela Callas e poucas mais. De facto, o segundo acto desta récita é absolutamente avassalador, revelando uma progressão dramática de antologia. Fidelíssima a Dumas, a sua Violetta transpira elegância e graciosidade, conflito e dilaceração. Onde Netrebko é lasciva, Gheorghiu é aristocrata – mais pela nobreza romântica da sua condição, sofrida, frágil e altruísta, não tanto pela linhagem, evidentemente.

Totalmente engagée, numa entrega absoluta e invulgar, a intérprete funde-se com a personagem. Dá-nos tudo, verdadeiramente tudo o que tem, sem a mínima reserva, vocal ou interpretativa, enfrentando os inúmeros riscos com assinalável ousadia. E depois há a delicadeza e respeito pela palavra, que estima e preserva como poucos...
É obra, digo eu!

Quanto ao resto, aparte o brilho, suma elegância e requinte megalómano da mise-en-scène, é de segunda água: um Alfredo sempre à defesa, actor medíocre - já para não falar da figura... – (Vargas), um Giorgio soberano na voz mas tendencialmente estático (Frontali) e uma direcção musical indiferente, apagada e – não raras vezes – inimiga dos intérpretes (Maazel).

Por Ghoeorghiu, indubitavelmente.

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* * * * *
(3,5/5)

11 comentários:

  1. Sobre as intérpretes da Traviatta discordo quando se minimiza a interpretação da Sutherland, que foi uma grande Traviata, como o atesta a sua primeira versão com Bergonzi e o Merril. Colocar a Freni na lista de Violetas, só colocar, eu acho "uma brincadeira". Para que a lista, no correspondente aos últimos cinquenta anos, seja completa tem de se incluir Verginia Zeani. Também será interessante ver o video da Edite Gruberova no LaFenice antes do incêndio e que vem numa linha interpretava mais antiga, Não tão dentro dos padrões do gosto actual, mas igualmente válida, pois a nossa época não a detentora da verdade.

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  2. Só uma pergunta.
    Toda a gente fala da Traviata da Freni mas quem é que realmente a conheçe? E qual delas?
    A de Milão? Falhou o agudo mas a Fleming por exemplo nem sequer o tenta e quem ler a memórias da Galina Vineskaya sabe que a contestação foi basicamente á direcção do Karajan.
    A de Londres dois anos depois com encenação do Visconti e direcção do Giulini é belíssima e extraordinariamente bem cantada, tal como a de Milão, e tem agudo conclusivo da cabaleta. Existem também um filme alemão com o Bruscantini e o Bonisolli bastante kitsh mas que pode dar bastante prazer.
    Em conclusão, valido em certa medida para qualquer uma das gravações, o primeiro acto não tem o brilho que um soprano ligeiro pode emprestar, o segundo acto é extraordinário, cheio de luz e de sombra, sempre delicado mas sombrio e o terceiro acto é de uma grande contenção e interioridade. Tudo extraordinariamente bem cantado e acariciado por um timbre belissimo. Não encontamos a emoção da Callas mas essa na Traviata não a voltei a encontrar com ninguém!

    J. Ildefonso.

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  3. Caro João,

    Tu e a Tua DAMA!!!
    Não sei de qual das La Traviata se trata... Mas que não me convenceu, não convenceu! A editora é marginal e prometo revelá-la, mal encontre o artigo, ok?
    Um abraço

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  4. A Mirella Freni na Traviata de Londres com o Cioni e o Cappuccilli é de grandíssimo nível. O som é demasiadamente lírico mas a Freni, como enorme intérprete que é, defende-se muito bem. Saúdo o Raul pela recordação de outra das Violettas inolvidáveis: Virginia Zeani. Soberba vocal e dramaticamente. Não possuo a gravação de estúdio romena mas tenho-a em 1956 ao vivo na Arena Flegrea de Nápoles com o Gianni Raimondi e o Ugo Savarese, no Covent Garden em 1960 com William McAlpine e Jess Walters (onde substituiu à última da hora a Sutherland, chegando poucas horas antes do início da récita, logo, sem qualquer ensaio) e ainda ao vivo no MET em 1966 com Bruno Prevedi e Robert Merrill.

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  5. É também de lembrar, se bem que marginalmente, a Zeani, mulher de Nicola Rossi-Limeni, foi considerada uma das mulheres mais lindas do seu tempo, o que fica bem na Traviata.

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  6. O Raúl tem razão. Não é um daqueles papéis que a Freni tornou seu como a Mimi, Adina, Susana, Amélia ou Elisabete mas não deixa de ser um exemplo assinalável de bom gosto, contenção histriónica, lirismo e vocalidade à prova de todos os obstáculos.
    A versão do Convent Garden, a quem interesse, tem agudo conclusivo da cabaleta.

    J. Ildefonso.

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  7. A que acrescento a melhor Desdémona do seu tempo para além de outros papéis em que foi muito grande: Manon, Butterfly, Liu, Margarida, Micaela e Zerlina. Por acaso até gostaria de ouvir essa versão do Covent Garden.

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  8. Caro Hugo,
    Como sabe, a Zeani fez em palco mais de 500 Traviatas. É obra.

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  9. Caro João,

    eu fui confirmar e na gravação do Covent Garden, a Freni não dá o agudo no final do primeiro acto. Não que isso desmereça a sua prestação, obviamente.

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  10. Não dá? Ela afirmou que se sentia insegura mas que o Giulini a convenceu a cantar a cabaletta na tessitura original em vez de a baixar meio-tom, como habitualmente se faz, parecendo depois que se dá o agudo escrito mas sendo na realidade uma nota mais confortável. Talvez tenha percebido mal e cante a cabaletta na tessitura original sem o agudo escrito na partitura. Lamento é possivel. Não posso confirmá-lo porque não sei ler música. É o que dá falar do que não se pode confirmar!

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