(L'OISEAU-LYRE 478 1084)
Segundo o editor, dois argumentos justificam esta singular La Sonnambula: a circunstância de a mesma seguir a partitura original - que pressupunha um papel titular atribuído a um mezzo-soprano (Pasta e Malibran eram as Amina de eleição de Bellini) - e o facto de a dita interpretação ser tocada com recurso a instrumentos da época.
Por outras palavras, esta interpretação reivindica um estatuto singular no panorama discográfico e interpretativo, decorrente da sua fidelidade à composição de Bellini.
A verdade verdadeira, caro e fiel leitor, é que sempre me habituei à Amina soprano, ornamentada, ágil, ousada, certeira, tecnicamente segura, naïve, profundamente feminina e, claro está, sobre-agudíssima. Aliás, nem só de spinto vive Amina, como bem saberá o leitor! Os sopranos ligeiros evitam este papel, sobretudo, pela vertente lírica do mesmo: a título de exemplo, a cena do sonambulismo ultrapassa o mero domínio da coloratura, como bem se reconhecerá, convocando um desempenho puramente lírico.
A história – discográfica e performativa - tem revelado grandes, grandes intérpretes do papel titular, todas elas sopranos lírico-spinto: Callas, Sutherland, Moffo, Scotto Swenson e Dessay... Neste contexto, convenhamos, a abordagem mezzo do papel titular faz antever reacções pouco entusiásticas, ainda que o mezzo seja La Bartoli!
Pois bem, surpreendentemente - muito além das descritas especificidades musicais (bem desinteressantes...) - a maior fragilidade desta La Sonnambula decorre da sua inconsistência teatral e dramática. Bartoli socorre-se da pirotecnia, falhando redondamente na feminilidade da personagem que interpreta. A sua Amina será uma acrobata, indubitavelmente, mas pouco subtil, parcamente ingénua, insuficientemente dócil e – sobretudo – nada donzela. Flórez, pior um pouco: o cristalino sobreagudo resume a sua prestação, que redunda num Elvino apatetado e tonto. Salva-nos a honra do convento o extraordinário D’Arcangelo, Conde de inusitado brilho: fraseado aristocrata, articulação refinadíssima, elevação de carácter e, last but not least, a mais bela voz de baixo do mundo contemporâneo, rien que ça!
Pergunto-me se o público mais plebeu - onde me situo, naturalmente -, pouco sensível a argumentos académicos, que enaltecem o rigor histórico e a fidelidade às origens, valoriza a especificidade desta leitura?! Não creio...
Em jeito de balanço, creio que esta interpretação se afirma, em exclusivo, pela originalidade, constiuíndo, apenas, uma mera curiosidade.
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(3/5)
Eu ouvi algumas "samples" no site oficial e não fiquei muito entusiasmada, confesso... principalmente com o Floréz... e não gosto muito da ligação das vozes das 2 "estrelas" (Bartoli e Floréz). Mas, pronto, tenho de ouvir todo o CD para tecer uma opinião mais fundamentada!
ResponderEliminarBom fim de semana, Moura Aveirense
Ouvi alguns excertos no youtube e não fiquei mesmo nada bem impressionado especialmente com a forma como a Bartoli canta agora. Ouve-se Canto de estúdio: sussurrado para um microfone e pouco mais. Não ouvi arrojo, não a ouvi "atirar-se às notas" tudo é demasiado contido e refugiado no maneirismo da coloração excesiva palavra a palavra. La Sonnambula é ópera, não é Lied.
ResponderEliminarHavia também um vídeo de há alguns anos com ela a cantar num concerto o primeiro rondó "Come per me sereno"... Uma lição de belcanto! A versão deste CD é, na minha opinião, uma mera tentativa de fazer algo diferente sob a desculpa do "historicamente informado". A verdade é que Bartoli ultimamente se tem defendido com aquilo que ela diz serem as "dinâmicas escritas", mas a verdade é que são dinâmicas de ópera e o Scala não aumentou de tamanho entretanto. A cantar como canta no disco, a senhora teria dificuldades em se fazer ouvir a meio do teatro.
Ópera italiana pede Canto... não pede crooning. Enfim, uma pena!
A Pasta e a Malibran não eram mezzos, mas sim contraltos com agilidade. Segundo a descrição que Stendhal faz da voz da Pasta, ela encaixa no tipo de voz da Callas.
ResponderEliminarA versão que o Ricardo refere do "Come per me sereno" da Bartoli no Youtube e, na verdade, muito boa, com uma coloratura muito expressiva. Gosto bastante. Sobre esta Sonâmbula não opino. Não ouvi.
Raul,
ResponderEliminarComo sabe, há quem as considere contraltos, havendo quem as descreva como mezzos!
Confesso que ainda não ouvi nenhum excerto deste trabalho.
ResponderEliminarNão me entusiasma. Não consigo ver (ouvir) Amina como um mezzo.
Depois desta sua crítica, fiquei ainda mais céptico.
Cumprimentos
Caros amigos
ResponderEliminarEstou farto de fraudes editoriais para justificar mais uma gravacao duma opera que que conta ja com excelentes interpretacoes.
Relativamente a questao dos instrumentos de epoca pergunto- Instrumentos de que epoca? Porque para o barroco e alguma musica do periodo do Classicismo eu entendo mas para Bellini? Ou Verdi como fizeram com o Rigoletto em Baden-baden eu nao entendo.... ja agora porque nao Wagner, Strauss, Debussy e Varese! Acho uma fraude.
Quanto a tessitura devemos antes de mais ter presente que ninguem vivo escutou a Pasta, a Malibran ou a Viardot e que os comentarios da epoca sao necessariamente subjectivos. Quanto as partituras cada caso e um caso porque eram constantemente adaptadas a novos cantores ou ate a forma vocal do mesmo cantor. Relembro que a Pasta cantou a Sonambula e a Norma contemporaneamente num entanto pretende-se agora considerar a Amina um papel de mezzo-soprano? E a Norma? Continua a ser uma papel de soprano ou tambem ja e de mezzo-soprano?
Relembro que a Pasta independentemente do que lhe chamarmos tinha um registro agudo brilhante. No Bellini, tal como a Malibran, cantava o Romeu ( na versao ja gravada de Milao para dois sopranos) mas ja nas operas serias Rossinianas cantava os papeis de soprano, que sao bastante graves como se sabe , como a Semiramide e a Elena da Dona del Lago e nao o Arsace ou o Malcolm, verdadeiros papeis de contralto. Acho que faz sentido imaginar esse tipo de voz como um soprano com um bom registro medio e grave, como a Callas, ou como um mezzo-soprano agudo como a Verret. E desnecessario acrescentar o adjectivo "d'agilitta" porque nessa epoca todos os tipos vocais eram educados no sentido de dominarem o canto de agilidade.
Parece-me tudo uma vergonhosa manobra de marketing. Ja nao basta a Bartoli vestida de espanhola no album "Maria".
J. Ildefonso.
Quanto a Bartoli.
ResponderEliminarContinuo a presar muito algumas gravacoes que fez mas actualmente acho-a no mau caminho. O ultimo album e disso exemplo. Amaneirada ao ponto de se tornar insuportavel e quanto a qualidade da emissao deixa muito a desejar. E tudo manipulado com sapiencia e arte mas continua sempre a soar a uma falsificacao porque tal como o Ricardo afirma, neste reportorio, nao acredito que se consiga fazer ouvir mesmo com a boa vontade dos seus zelosos seguidores. So com ajuda de muita imaginacao. E mesmo assim.
Nao gosto de cantores que gravam muito e fazem grandes digressoes narcisicas de recitais onde sao a estrela que comanda tudo o que a rodeia mas que cantam pouco uma opera completa numa serie de recitas com colegas diferentes e em diferentes contextos. Perdem o contacto com a realidade e a capacidade de adaptacao e de aprenderem e crescerem com a colaboracao os outros colegas.
J. Ildefonso.
"Amaneirada", sim concordo ela é rebuscada, barroca, cansativa, em suma.
ResponderEliminarConsidero que é um desperdício de tudo, até para os ouvintes, tantos "remaques". Só nos faltará ouvir La Bartolli a cantar fado de Coimbra! Apre que já não há pachora.
Desculpem o meu desabafo.
Saudações a tão ilustres comentadores.
A propósito da Bartoli, lembro-me que duas grandes pedagogas do Canto com quem já tive o prazer de ter aulas (uma escocesa e outra italiana) comentaram há já algum tempo que a Bartoli estaria a desviar-se dum caminho vocal saudável, com a voz muito apontada e defendida em maneirismos pouco credíveis...
ResponderEliminarPergunto-me o que terá acontecido à interprete arrojada que há 2 anos quando apresentou o Opera Proibita na Gulbenkian me levou ao delírio...
Já agora, e já que estamos numa de belcanto. Será que ainda ninguém se lembrou de convidar a Mariella Devia a fazer um concerto cá? Já seria tempo, antes que a senhora se reforme...
Será tudo o que quiserem...mas para mim, um "bartoliano", é difícil entender algumas críticas.
ResponderEliminarA coerência, na escolha de um reportório, é essencial.
Podemos não gostar da escolha, achar que não está correcta, mas..."marketing" e Bartoli?
Não lhes parece que seria mais fácil e cómodo para a cantora, com a projecção que tem, enveredar por um leque de óperas onde facilmente faria sucesso?
Nunca o fez.
E disse claramente que nunca o faria.
Admito que não se goste dela, mas algumas críticas parecem-me injustas.
Enfim, não podemos agradar a todos.
João Ildefonso,
ResponderEliminarNão fui eu quem inventou o termo de "contralto d'agilitá". Vem nos livros. E o termo parece-me bastante correcto porque não é usado em virtude de as vozes serem todas de "agilitá", mas para se opor o outro tipo de contralto, seja qual for a época. Esta divisão das vozes como a entendemos para a ópera italiana tem muito que ver com a sistematização que Verdi fez, ou seja num período pós-Bellini. A descrição que Stendhal faz da voz da Pasta na Vie de Rossini é célebre e através do Yahoo o João pode encontrar algumas referências em inglês. É só pôr Pasta + Stendhal.
Caro José Quintela Soares
ResponderEliminarEu também gosto muito da Bartoli. Já a vi ao vivo duas vezes e coleciono os seus discos mas confesso que as últimas gravações não me agradam, a sua Celemencia de Tito, entre outras, por exemplo, acretido que ecutarei sempre. Partilho a opinião do Ricardo sobre o actual estado vocal da Bartoli. A voz neste momento é bastante inconsistente, subsiste uma extraordinária técnica e inegáveis dotes interpretativos e artisticos. Acredito que não seja um estado irremediavel e que ainda volte a deleitar-me com a Bartoli.
Só mais uma coisa. Acho que actualmente se cantasse reportório standart a comparação não seria favorável. Melhor cantar arias de bravura obscuras que impressionam sempre tecnicamente ou então reportório standart devidamente manipulado e com muitos avisos prévios....
J. Ildefonso.
Querido Raúl
ResponderEliminarÉ muito embaraçoso falar sobre categorias de vozes e atribuir-lhe nomes. Entre nós os dois nem sequer faz sentido porque sei que podemos estar a chamar uma coisa diferente à mesma voz e que intimamente temos uma representação mental muito semelhante dessa mesma voz.
J. Ildefonso.
Parabéns Raúl
ResponderEliminarMais uma vez a sua lucidez se destaca ao distinguir uma cantora tão injustamente negligênciada como a Mariella Devia.
J. Ildefonso.
Ildefonsíssimo,
ResponderEliminarNão fui eu que sugeriu a vinda da Devia, mas o Ricardo. Subscrevo, no entanto, a ideia, pelo muito que aprecio esta grande cantora, que teve uma carreira muito aquém dos seus inegáveis méritos.
Já agora, um pouco de humor...
ResponderEliminarSabem qual vai ser o próximo grande lançamento da Bartoli?
A Tosca, com uma nova edição que ela descobriu algures.
Vai dar milhentas entrevistas como fez com o Maria e dizer que cantoras como a Callas não cantavam bem a Tosca porque a cantavam de forma demasiada heróica quando a partitura original tem tudo sobre o Pianissimo.
Ah claro... vai ser com instrumentos de época também e a dinâmica total do papel vai variar entre pppppppppppppppppppp e pppppppppppp.
Humpf...
Ah! E relativamente à questão dos instrumentos de época... bem, eu não me oponho nada. O Gardiner tem uma gravação do Requiem de Verdi com a Orchéstre Révolutionaire et Romantique (instrumentos de época), absolutamente avassaladora!
ResponderEliminarSim e o papel titular da Tosca não é para soprano mas sim para castrado porque se passa em Roma!
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
Caros colegas
ResponderEliminarRevi ontem a Rusalka de Paris numa encenação do Robert Carson com a Fleming e confirmam-se as minhas impressões iniciais. Talvez seja o d.v.d. mais perfeito que conheço.... e talvez também tenha sido muitas vezes injusto com a Fleming.
J. Ildefonso.
Não tenho grandes conhecimentos técnicos de canto, nem de música, porém sou um grande apreciador de música erudita e como é óbvio de ópera.
ResponderEliminarJá tinha duas edições de La Sonnambula, foi-me oferecida esta última e fiquei desiludido ( excluindo o artwork que é formidável) .
Primeiro, porque a primeira comparação é com uma edição da EMI com a Callas, e acho-a a anos luz . Depois porque a outra edição que tenho é da Naxos com Luba Orgonasova, Raúl Giménez , a Netherlands Radio Chamber Orchestra dirigida por Alberto Zedda e mesmo esta acho-a superior. Posso ter dito uma grande babuzeira, mas é a minha opinião.
Aprecio muito a Bartoli mas em registos renascentistas e barrocos. Os álbuns de Vivaldi dela são fenomenais, mas não a acho tão forte em canto de outros períodos, excluindo talvez quando canta Mozart.
Também não acredito em vedetismos, nem compreendo como se critica tanto uma voz como a dela. Se lhe apetecer cantar fado de Coimbra , acho muito bem ! Primeiro irei ouvir, depois criticar! Apesar do fado de Coimbra ser cantado exclusivamente por homens…
NOTA: Parabéns pelo blog. Fantástico!
Caro Raimas,
ResponderEliminarE a Amina da Sutherland? E a recente da Dessay?