(DECCA 478 0473)
Mozart constitui, ao que parece, a espinha dorsal da carreira de Schrott. São já celebres os seus Figaro (o de Covent Garden, particularmente) e Leporello (nomeadamente o de Salzburgo, edição de 2008).
Pessoalmente, as leituras mozartianas de Erwin Schrott constituíam a raison d’être deste registo... Enganei-me redondamente!
O Mozart do intérprete uruguaio, apesar de oleado e amadurecido pelos palcos, enferma de grande banalidade: neutro, sem ponta de graça, nulo em ironia e parco em malícia.
Em Verdi... o caso muda de figura!
Schrott, com escassos trinta e cinco primavera, ousa o que muitos apenas se atreveram após a meia-idade, ossia abordar os "pesos-pesados" verdianos - Philippe (Don Carlos), Banco (Macbeth) e Procida (Les Vêpres sicilienne).
Em duas palavras, Erwin Schrott oferece-nos um Verdi deslumbrante, teatralmente investido – quanta dilaceração no Elle ne m’aime pas -, gozando de uma maturidade plena. O intérprete - ainda em Verdi – destaca-se pela robustez vocal e estilo admiráveis: a voz ampla e musculada, de timbre másculo, apresenta um colorido magnífico (ou muito me engano ou Schrrot inspirou-se no Verdi de Ghiaurov...)
À côté, este registo conta ainda com algumas incursões endiabradas – os Mefistófeles de A Danação de Fausto e Fausto -, irresistíveis, de um sarcasmo absoluto, apoiadas num francês impecável, de dicção bem aberta.
Sinteticamente, diria que, em Mozart, Schrott pouco mais além vai da banalidade, ao passo que em Verdi, seguramente inspirado e espiritualmente apadrinhado pelos baixos eslavos (Christoff e Ghiaurov), o mesmo Schrott transcende-se, candidatando-se a referência!
Veremos, veremos, com prudência...
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* * * * * (4/5)
Carissimo.
ResponderEliminarNao concordo nada com o comentario... "ousa o que muitos apenas" hoje em dia em estudio ousa se muito pouco! E tudo tao manipulado!
J Ildefonso
Então usa a "Elle ne m'aime pas" em vez da "Ella giammai m'amo"? Só por isso já não compro o CD.
ResponderEliminarA "Elle ne m'aime pas" é a original ;)
ResponderEliminarEu sei. Verdi é a essência da ópera italiana, as suas versões francesas devem ser consideradas acidentes.
ResponderEliminarOlhe que eu até prefiro a versão francesa do Don Carlo! ;)
ResponderEliminareu concordo com Raul e com uma maxima utilizada anteriormente sobre o Don Carlo sobre o facto da musica vir de uma cabeça italiana. e o mesmo se aplica As vesperas sicilianas, uma das minhas operas favoritas de verdi.
ResponderEliminarEra de esperar:)
ResponderEliminarEm primeiro lugar, uma calorosa saudação ao Daniel e à sua preferência pelas Vésperas Sicilianas. Em relação às óperas francesas de Verdi, tendo a concordar com o caríssimo Raul. O génio do italiano sobrepõe-se a quaisquer formas, estilos ou regras. Quem ouve as óperas escritas para Paris, sabe que está perante Verdi e não um compositor que se verga ante as exigências da "grand opéra". Claro que Verdi procura ajustar-se à pesada tradição da ópera francesa mas nunca em detrimento da sua própria voz. De facto, respira-se uma grande "italianità" nas suas composições francesas.
ResponderEliminarTem toda a razão, caro Hugo Santos.
ResponderEliminarVerdi tinha a pior impressão do público de Paris. E Wagner nem se fala. Achava, e com toda a razão, aquela exigência de qualquer ópera ter de incluir um bailado como um atentado à arte. Paris nunca foi um "must" para a ópera como o Scala, o Covent Garden, a Ópera de Viena ou o Met.
Cabe aqui recordar o insucesso da estreia parisiense do Tannhauser em 1861. Wagner que, literalmente, não estava para bailados, arrumou a questão logo no primeiro acto, na forma de um bacanal. O público é que não achou muita graça, principalmente quando era expectável outro momento de bailado no acto seguinte.
ResponderEliminarIsso mesmo.
ResponderEliminarRaul
Quando conheci o D. Carlos na versão original ocorreu-me que são duas operas diferentes. Obviamente o francês veio primeiro e todas as muitas alterações posteriores foram construidas sempre a partir do texto francês mas neste caso a versão italiana é especialmente forte e bem construida de modo que na realidade tem um caracter bastante "original" relativamente à primeira versão em francês o que permite sem grande esforço considerar a possibilidade de duas óperas diferentes de temática comum em vez de duas versões em linguas distintas da mesma opera.
ResponderEliminarJ. Ildefonso.
Amigo João Ildefonso,
ResponderEliminarVou-lhe pôr o problema logicamente e como eu penso dele.
O que acaba de dizer não corresponde ao espírito de Verdi e não estamos perante duas óperas diferentes, pois se assim fosse uma seria um descarado plágio da outra. As versões coexistem porque o Autor é o mesmo.
O Don Carlos não é francês, mas sim a versão italiana do Don Carlo. Foi primeiro, mas isso teve que ver com as circunstâncias. Feita a versão italiana, Verdi nunca mais se preocupou com a "encomenda" e foi apresentando as várias versões da italiana, a que ele sentia genuina e à outra esqueceu-a. O Mundo fez o mesmo. Nos anos setenta, salvo erro, a versão com o Domingo ressuscitou a versão francesa, mas não teve impacto nenhuma. Foi, então, que apareceu a espectacular versão do Pappano e a partir daí fez moda.
Eu "se mandasse" :) colmatava a versão de cinco actos com a sequência a seguir à morte do Rodrigo e para isso contratava um especialista Verdiano.
Só um exemplo. Compare "Ó Don fatale" com o que existe em francês ou a frase "Tu che la vanita".
Addio
As várias versões do Don Carlo(s) dariam, certamente, uma discussão fascinante.
ResponderEliminarEu percebo o que o Raúl diz e o meu comentário vai num caminho um bocado forçado mas que acho que dá origem a uma discussão interessante mas seja como for o "não estamos perante duas operas diferentes, porque se assim fosse uma seria um descarado plágio da outra" só em certa medida se pode aplicar visto o compositor ser o mesmo:-)). Em suma, o que pretendia era salientar o carácter diverso das duas versões fruto da adaptação à prosódia francesa/italiana que origina uma dimensão musical e emocional diversa da obra.
ResponderEliminarJ. Ildefonso.