quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Norm(íssim)a

Três foram as (grandes) Norma do pós-guerra: Callas (ossia a dramática), Sutherland (ossia a técnica) e Caballé (ossia a lírica).

A razão de ser do presente post centra-se na fabulosa Norma de La Caballé, captada em Orange nos idos anos 1970.


(INA HCD 4003)

Em meu entender, são dois os pilares desta interpretação monumental: Caballé e Vickers.

Caballé, no apogeu da sua extraordinária carreira, oferece-nos uma protagonista profundamente lírica, apoiada numa técnica majestosa. O timbre é de uma beleza infinita, os pianissimi raiam o milagre – o final da Casta Diva, que encerra com um pianissimo eterno, é absolutamente antológico.

A Norma de Montserrat Caballé contem, ainda, uma invulgar doçura e humanidade terrena: onde a Callas era definitivamente dramática, a Caballé é terna e suave.

Por seu lado, Vickers propõe-nos um Pollione musculado e rústico. Jon Vickers, by the time, o melhor heldentenor do mundo, confere ao procônsul uma envergadura especial: à la Del Monaco, Jon Vickers apoia a sua concepção e prestação numa virilidade rude e brutal.

A mise-en-scène, não sendo minimalista nos pressupostos e intenções, é-o muito avant la lettre: décors singelos, quase inexistentes, e figurinos escorreitos, impregnados de tonalidades profundamente simbólicas: uma Norma quase invariavelmente negra – uma clara alusão às dimensões mortífera e pecadora da personagem -, um Adalgisa branca e alva, quase virginal, e um Pollione despudoradamente escarlate, vértice fundamental do triangulo amoroso.

Esta interpretação será, a meu ver, a mais fantástica de Norma que os olhos viram nas últimas décadas! Sem hesitações de espécie alguma!

14 comentários:

  1. Não é preciso "mise-en-scène". Ás ruínas romanas do Teatro de Orange são suficientes.
    Na minha opinião a Callas e a Caballé são superiores à Sutherland. Não que esta não seja grande, como por exemplo, na Casta Diva, na ária propriamente dita. Os problemas são outros a começar pela inexistência de graves, a inexistência de cores escuras, absolutamente necessárias para uma personagem trágica que vai beber às heroínas gluckianas. Todos estes problemas estão logo patentes no "Sediozi voci". A Caballé só "bate" a Callas na ária Casta Diva, que é um segmento 100% lírico, para mim o mais lindo que há em música, cheio de melismas. No resto a Callas é Norma e a Norma é Callas, mas a Caballé com aquela voz divina que lhe conhecemos, tem o peso para assumir a heroína.
    Ainda sobre a Casta Diva, que remete para o "etéreo", para o elegíaco, nem sempre é compreendida neste aspecto. Daí que cantoras que não são vocalmente Normas podem dar-nos testemunhos maravilhosos desta ária, porque relevam este aspecto etéreo. Nos últimos anos e nesta linha a melhor Casta Diva que conheço é a da Angela Gheorghiu, que apenas gravou a ária.
    RAUL

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  2. Só mais uma coisa. Esta Norma, que a Caballé considerava e sua melhor Norma, é de 1974 e em DVD não sei se existe uma interpretação quer neste papel quer noutro que a posso superar, já que a Norma é o papel dos papéis, como o Don Giovanni é a ópera das óperas.
    Raul

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  3. Carissimo João


    Concordo em absoluto, simplesmente destacava a Josephine Veasey, que me parece uma excelente Adalgisa, com merito suficiente para ter uma referência ao seu nome.

    J. Ildefonso.

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  4. Querido João


    Aconselho-te sem reservas o novo cd do Harnoncourt a oratória profana "das paradies und die Peri" do Schumann.


    João Ildefonso.

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  5. Existe um outro DVD com a Norma da Caballé, salvo erro, captado em 1978 no Liceo de Barcelona com a Cossotto, o Pedro Lavirgen e o Ivo Vinco. Eu nunca o vi mas existe quem diga que, em certos aspectos, a interpretação da Caballé nessa ocasião consegue superar a soberba performance de Orange. Falando nesse papel cimeiro que é a Norma, é curioso comparar as interpretações de cantoras, na sua época, consideradas de segundo plano com aquelas que hoje afrontam o papel. Marisa Galvany, Elinor Ross, Radmila Bakocevich, tudo nomes que arrumariam num canto as actuais intérpretes da grande heroína belliniana. Isto já para não falar em Leyla Gencer, Antonietta Stella, Elena Suliotis, entre outras.

    P.S. Caro Raul, espero que tenha recebido o meu mail.

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  6. Caro Hugo,
    O mail sobre o Mario Petri ? Recebi e desculpe se não disse nada. A interpretação ? Não achei nada de especial, controlando muito a emissão "para não se espalhar".
    Falando da Norma. A que refere, a de Barcelona, tem muitíssimo no Youtube. Também por este meio pode ouvir a Casta Diva do Bolchoi dos anos setenta, que essa sim, em nada inferior à de Orange. O aplauso é tanto que a Caballé tem de pedir que parem.
    Outra coisa: a Stella na Norma !!!
    Para mim, o segundo plano da Norma é ocupado pela Sutherland, a Suliotis e a Scotto. Tudo "esses".
    Um abraço
    Raul

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  7. O Raul parece ter ficado surpreendido com a referência à Norma da Antonietta Stella. Presumo que não a conhecida neste papel. Além de ter gravado a Casta Diva num recital para a DG, existe uma gravação efectuada ao vivo no Rio de Janeiro em 1956 com o Mario Del Monaco, a Elena Nicolai e o Plinio Clabassi. Eu tenho-a algures mas já há bastante tempo que não a ouço. Quanto ao Mario Petri, também tenho a mesma impressão. Além disso, o timbre parece-me demasiado baço.

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  8. Caro Hugo,
    Não parece, estou mesmo.
    Mas não me admira, pois que a Norma era "mal cantada" por grandes cantores, como por exemplo a Zinka Milanov.
    Raul

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  9. Caro Hugo,
    Outra coisa. Nem imagina quem eu tenho na Casta Diva. Nem mais nem menos que a Giulietta Simionato. Com também tenho a Leontyne Price igualmente na Casta Diva e no Caro Nome. Se calhar até já sabia.
    Raul

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  10. Sabia da Price mas não da Simionato. Essa gostava de ouvir...

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  11. Mas como ? Eu não sei fazer nada daquilo que fez em relação ao Mario Petri.
    A Simionato na Casta Diva ? É na verdade uma curiosidade. Se gosto ? Sim, pela curiosidade. É a voz da Simionato do princípio ao fim com a ajuda do seu agudo fácil.
    Eu esqueci-me. Também conhece a Tebaldi na Casta Diva ? Aí até é com recitativo e cabaleta.
    Raul

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  12. A versão da Tebaldi conheço. Segundo parece, o maestro Tullio Serafin incitou-a várias vezes a aprender o papel de Norma, mas a diva recusou sempre.

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  13. Sim, é verdade.
    Raul

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  14. Pelo cenário, pelo figurino, pelo vento que soprava criando um verdadeiro efeito místico e, mais ainda, pela interpretação impecável de Montserrat Caballé, creio eu que esta ópera ficou imortalizada com seu canto. Os efeitos melismáticos utilizados nos dão uma sensação de hipnose, própria aos cultos religiosos antigos. Sem querer recorrer ao bel canto, já tão bem comentado aqui, eu vos lembro a cena do "Dormono entrambi" magistralmente gravada nas ruinas do Teatro d'Orange, quando Montserrat caminha pela escuridão onde aparece apenas seu rosto iluminado... Perfeita! Guardadas as proporções do fato dela ser ali uma heroína druida, não deixa de me vir à cabeça uma imagem entre Medéia e Antígona, dada a altivez com que ela encarna esse momento! - Perfeita!!! Nem acho que ainda precise comentar... é ver, ouvir e sentir!

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